Textos do
Jornal Fraternizar |
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Edição nº 142, de Julho/Setembro 2001 | ||||||||||||
EDITORIAL 1ª Comunhão sem comunhão |
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Destaque 1: Jornal FRATERNIZAR reage ao livro de António Teixeira Fernandes, onde se fala dos bispos, de Salazar e do Estado Novo Vede como eles se odiavam Depois de termos acabado de ler o livro, "Relações entre a Igreja e o Estado no Estado Novo e no pós 25 de Abril de 1974", a mais recente e polémica obra de António Teixeira Fernandes, doutorado em Sociologia, professor catedrático da Universidade do Porto e director do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras, uma conclusão se nos impôs, em toda a sua crueza e em todo o seu escândalo, enquanto direcção do Jornal FRATERNIZAR. E é esta: Vede como eles se odiavam. Perguntarão as leitoras e os leitores: Eles, quem? Eis a resposta: Precisamente, os bispos católicos portugueses de então. Hoje, ao que parece, as coisas entre os bispos católicos portugueses não serão mais assim. Mas só os próprios poderão confirmá-lo. Não dizemos que, só por isso, a situação seja melhor do que então. Pode até ser pior. O unanimismo é sempre muito mais perigoso do que os conflitos e as tensões. A verdade é que, hoje, não se vê nenhum bispo católico português (das outras Igrejas, menos ainda!) emergir do cinzentismo hierárquico instalado. O que é deveras preocupante. Melhor fora, por isso, que houvesse divisões e atritos, conflitos e mesmo guerra aberta entre os bispos, sem se chegar, evidentemente, a quebrar a comunhão. Colegialidade episcopal sem conflitos não tem, ao contrário do que pensa a generalidade das pessoas, a marca do Evangelho de Jesus Cristo e, consequentemente, do Espírito Santo. De resto, é o próprio Jesus quem desfaz todas as dúvidas, a este respeito, ao garantir que não veio trazer a paz, mas a divisão (cf. Lucas 12, 49-53). Trouxe a divisão contra a paz do império, contra a paz da Religião oficial do Templo e contra a paz da família patriarcal/autoritária. Para que a liberdade das pessoas tivesse, finalmente, a sua oportunidade histórica. Ausência de conflitos no seio da Conferência episcopal portuguesa, e desta com a Nunciatura Apostólica e com a Cúria Romana, pode muito bem significar ausência do Espírito Santo. O que, a ser verdade, é um desastre de todo o tamanho! Cujas consequências, tremendas, recaem sobre toda a Igreja. E o resto da Humanidade que está em Portugal. O livro de Teixeira Fernandes deixa perceber, com toda a nitidez, o clima de cortar à faca que se terá vivido no seio da Conferência Episcopal Portuguesa, desde que D. António Ferreira Gomes passou a ser o Bispo do Porto. Esse clima atingiu o ponto mais alto, imediatamente, antes do exílio de dez anos, que lhe coube em sorte suportar, com a cumplicidade (e a satisfação?!) de praticamente todos os outros bispos, e continuou depois do seu inesperado regresso à Diocese, o que provocou o afastamento, igualmente, inesperado, do respectivo Administrador Apostólico, D. Florentino de Andrade e Silva. (Este havia sido nomeado, para esse cargo, durante o exílio de D. António, pela Cúria Romana, já com o intuito, ao que revela, agora, o livro, de afastar definitivamente aquele, da Diocese, da qual era o titular!...). O livro, edição do autor, estende-se por 450 densas páginas, de leitura, por sinal, muito pouco agradável, mas obrigatória, nomeadamente, se se quiser entender, com algum, pormenor a vergonha que foi o comportamento da generalidade da hierarquia da Igreja católica, no decorrer do Estado Novo. O autor, que, ao tempo, foi secretário particular de D. Florentino, e, nessa qualidade, o privilegiado depositário, à hora da sua morte, do arquivo pessoal que o bispo levou (abusivamente?!) consigo, quando teve de abandonar a Casa Episcopal, toma nitidamente partido por este, contra a memória de D. António. Mas, ao fim e ao cabo, depois de lermos todo o livro, ainda é de D. António que ficamos a simpatizar, mais do que de D. Florentino (por exemplo, a extensa troca de correspondência deste com o Núncio apostólico, em Lisboa, chega a fazer lembrar certos relatórios elaborados pelos tenebrosos agentes da Pide/DGS. Para não falarmos já das subserviência e bajulação, que se respiram em todas elas, por parte do Administrador Apostólico, em relação ao representante do Estado do Vaticano, no nosso país). E isto, apesar das muitas limitações humanas e falhas visíveis em D. António, as quais ele, progressivamente, conseguiu superar, numa luta solitária, mas digna, contra o ditador Salazar e o seu Estado Novo, contra toda a Conferência episcopal feita com o regime ditatorial, e contra a ala mais conservadora e retrógrada da Igreja católica em Portugal. E até contra o representante do Estado do Vaticano no nosso país, e contra certos influentes cardeais da Cúria Romana. Tudo D. António, estoicamente, suportou. A tudo resistiu. Ao mesmo tempo que dignificou, e muito, no exercício do seu ministério episcopal, a Igreja e o papel profético que lhe cabe viver na História. Imaginem vem no livro que toda essa gente influente e poderosa chegou a insinuar e, mais do que insinuar, a afirmar que D. António Ferreira Gomes sofria de "desequilíbrios psíquicos"! Com esse pretexto, pretendiam impedir que ele reocupasse a Diocese, quando regressou do longo exílio de dez anos, imposto pelo ditador Salazar, sem que antes tivesse havido sequer uma farsa de julgamento, que justificasse esse exílio! "D. António escreve o autor, p. 262 era mesmo acusado de padecer de doença psíquica. Tal opinião corria quer nos meios eclesiásticos, quer nos meios políticos. Dela partilhavam alguns segmentos da intelectualidade. José Geraldes Freire refere que, «tanto em 1960 como em 1972, chegou a pretender-se provar que o Bispo do Porto era... doido». Um professor universitário ter-lhe-á perguntado: «ouça lá, o Senhor que viveu lá em Portalegre com o Bispo do Porto [é preciso esclarecer que D. António, antes de ser Bispo do Porto, foi Bispo de Portalegre] não me poderia dizer se ele já então dava sinais de ser anormal?». Tal facto mostra até que ponto a opinião de que o Bispo do Porto sofria de algum mal psíquico se encontrava difundida." Diz mais o autor do livro, imediatamente a seguir: "Mas a ideia de que D. António padecesse de desequilíbrio corria mais insistentemente nos meios políticos e eclesiásticos. A carta do Doutor Salazar ao Dr. António Leite de Faria, mostra, com toda a evidência, que, na própria Santa Sé, se admitia que isso fosse verdade. Afirma o chefe do governo: «É para nós bem que a Santa Sé tenha vindo pelos sucessos posteriores à saída de Portugal a convencer-se de que se trata de um doente e que o maior mal foi fazerem-no Bispo». O Vaticano não encontraria outra explicação para uma série de atitudes do Bispo do Porto, desde os diversos abaixo-assinados e a violência de algumas cartas, para além da resistência, que poderá não ser muito habitual, à vontade expressa e formal da Santa Sé. Daí resultou o cuidado que esta pôs em lidar com a questão, pois temia, em tais circunstâncias, um grave escândalo público que evidentemente também não interessava ao Vaticano, pela sua ressonância internacional. Com esse convencimento da Santa Sé, rejubilava o chefe do governo português." Um pouco mais adiante, já na página seguinte, o autor cita uma carta do Cardeal Gonçalves Cerejeira ao Administrador Apostólico do Porto [D. Florentino], "na altura em que parecia estar iminente o regresso ao país de D. António. Afirma o Patriarca de Lisboa, e esta é a opinião do Conselho Permanente do Episcopado: «O Conselho julga, porém, atento o facto dos anos de governo do Sr. Administrador e a personalidade do Sr. D. Antº F. Gomes, tal solução não deveria ser tomada sem estudo atento da actual situação da Diocese do Porto e das condições de saúde do Sr. D. Antº Ferrª Gomes». Em cartão enviado, no dia seguinte, a esclarecer alguns aspectos da carta anterior, insiste na necessidade de se conhecer o verdadeiro estado de saúde de D. António, dizendo que «convinha dar à entidade competente para julgar do caso, uma informação completa sobre ele". Não se ficam por aqui as revelações. Na mesma página, o autor acrescenta: "A instabilidade criada por D. António, através de grupos que se mantinham extremamente activos, dificultavam a acção de D. Florentino de Andrade e Silva. Essa foi a razão por que este decidiu, em determinado momento analisado mais adiante [no livro], pôr a questão da urgência de uma solução definitiva para a diocese à Nunciatura Apostólica. A afirmação do Presidente da Conferência Episcopal, acerca das «condições de saúde» do bispo do Porto, revelam bem as preocupações do episcopado que, aliás, não eram exclusivas daquele momento. Temia-se pela sua boa saúde de espírito. Se D. António sofria de desequilíbrios psíquicos, tornava-se desaconselhável que retomasse, em absoluto, o governo da diocese do Porto ou, ao menos, antes de se tomarem certas medidas e de se proceder a alguns exames." Já agora, atentem em mais este pormenor, inserido, logo a seguir, pelo autor do livro: "Do mesmo modo e em idêntica perspectiva, se compreende a surpresa do Núncio Apostólico em Lisboa, quando em Maio de 1969, recebia um grupo de leigos do Porto, entre eles o Dr. Francisco Sá Carneiro, e este lhe mostrou uma carta do Prof. Marcelo Caetano onde dizia que nada opunha à entrada no país do bispo do Porto. As atitudes assumidas por D. António eram, na verdade, tidas como anormais quer face ao governo, quer face à Santa Sé, quer face ao episcopado português. Abaixo-assinados, pedidos de indemnização, ameaças, ataques pessoais, não eram decerto fenómenos muito conhecidos nos meios eclesiásticos a nível dos bispos. Havia normalmente uma obediência pronta e uma compostura digna perante a Santa Sé, e os bispos tendiam a trata-se, entre si, com cordialidade e mútuo respeito. A conduta do bispo do Porto fugia a essa regra e tornava-se, por isso, preocupante." Como se vê, numa Igreja hierárquica, constituída por medíocres, vaidosos e aburguesados, totalmente de cócoras diante de Salazar e do seu Estado Novo, a luz de D. António Ferreira Gomes brilhou nas trevas do obscurantismo eclesiástico e nacional. Não lhe perdoaram a audácia e o atrevimento, e tornaram-lhe a vida impossível, ao ponto de o tomarem por tolo, ou, na linguagem mítica do Evangelho, por possesso do diabo. Mas foi também na luz que foi o ser/viver de D. António, que pudemos ver a Luz. E, com esta Luz "Eu sou a Luz do mundo", afirma Jesus, de si mesmo, no Evangelho de João - pudemos até criticar e contestar algumas das suas posições episcopais, precisamente, aquelas que, na altura, nos pareceram menos coerentes com a Palavra de Deus. Pudemos, também, resistir activamente a certos tiques de autoritarismo que, infelizmente, também se lhe conheceram, mesmo depois do seu regresso do exílio (que bispo católico, a quem previamente convenceram de que é o patrão da Igreja ou a Igreja a Igreja sou eu! é que não tem tiques de autoritarismo, aos quais, como cristãs e cristãos, havemos de, saudavelmente, resistir?). Porém, perante o que agora nos é dado a conhecer, nas páginas deste livro, até essas posições e esses tiques lhe hão-de ser perdoados. Afinal, com tanta incompreensão e tanta perseguição por parte dos colegas bispos e por parte do regime, só mesmo um homem de nervos de aço poderia aguentar e ser fiel até ao fim, como D. António aguentou e foi. Bendito seja, então, para sempre o seu nome! E feliz Igreja do Porto que um tal bispo teve! |
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Livros do trimestre: A Igreja católica ainda tem futuro? 1. Jesus não fundou nem quis fundar uma Igreja. |
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© Página criada 6 Janeiro de 2001 Última actualização 30 Junho 2001 |
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