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Textos do
Jornal Fraternizar
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Edição nº 148, de Janeiro/Março 2003 |
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Destaque 1
Heranças: Uma prática boa ou perversa?
O que pensa Jesus?
Hoje, ainda há muitas mães e muitos pais que o não sabem ser de forma correcta. Em lugar de gerarem filhas e filhos progressivamente autónomos e independentes, plenamente capazes de quanto mais cedo melhor se auto-assumirem e auto-conduzirem as suas vidas, geram filhas e filhos mimados e dependentes, totalmente incapazes de se auto-assumirem e auto-conduzirem as suas vidas. E aos quais, depois, ainda por cima, deixam muitos bens em herança. Numa tentativa, mais ou menos (in)consciente de compensar tão desgraçada forma de serem mães e pais.
O curioso é que tudo isto ocorre num mundo que hoje se apresenta aí cada vez mais adverso e exigente, insolidário e cruel, nomeadamente, para quem não tem unhas para tocar guitarra e se posiciona perante ele como um coitado à espera de compaixão.
As coisas, nesta área da educação, estão hoje a ser tão mal conduzidas, por parte de muitas mães e de muitos pais, que a gente nova deste nosso século XXI materializa nos seus corpos esta surpreendente contradição: na altura em que a sociedade, no seu todo, dá um passo em frente na promoção da responsabilidade individual e passa a reconhecer a maioridade civil de cada indivíduo aos 18 anos (antigamente era só aos 21 anos), eis que as filhas e os filhos que atingem essa maioridade civil passam a arrastar-se pela casa das suas mães e dos seus pais, anos e anos a fio, nalguns casos, até para lá dos 30 e muitos anos, numa situação de confrangedora dependência e infantilismo, que ameaça tornar-se crónica.
Com a agravante de que, quando as coisas correm mal no casamento, entretanto tentado e consumado, e vem a ocorrer uma dolorosa e perturbadora situação de separação ou de divórcio, as filhas e os filhos separados/divorciados, porventura, já mães e pais, ainda acham normal vir a correr meter-se de novo na barriga da sua própria mãe, entenda-se, na casa da mãe e do pai, a partilhar de novo o espaço deles, como se ser mãe e pai fosse um posto vitalício e não uma missão fundamental e decisiva, sim senhor, mas limitada no tempo e quanto menos prolongada no tempo, melhor.
Uma das manifestações mais crassas e também mais perversas desta postura incorrecta, na relação das mães e dos pais para com as suas filhas e os seus filhos, é a preocupação cada vez mais generalizada em lhes deixarem boas heranças, seja em casas e outros imóveis, seja em chorudas contas bancárias.
As coisas atingiram um tal patamar patológico e doentio, que já é frequente defender-se por aí que aquelas mães e aqueles pais que não fazem tudo para deixar boas heranças às filhas e aos filhos, não são boas mães e bons pais.
Parece que hoje já ninguém tem coragem de defender que deixar grandes heranças, quer em património, quer em dinheiro nos bancos, é uma decisão perversa que perverte e corrompe o futuro das filhas e dos filhos que as recebem. E por que é uma decisão perversa?
Porque os bens materiais, quando crescem em demasia, nas mãos de alguém, nunca deverão ser para acumular e deixar em herança às filhas e aos filhos. Deverão ser para repartir pelos pobres, não apenas nem sobretudo sob a forma de caridadezinha, mas sim sob a forma de projectos concretos de promoção de vida e vida em abundância e de qualidade, nas pessoas e nos povos onde ela, porventura, se apresenta mais carenciada e fragilizada.
Às filhas e aos filhos, basta que as mães e os pais os deixem bem preparados e bem habilitados para se auto-assumirem e ganharem a vida com o próprio trabalho, com o suor do seu rosto. E, como herança, lhes deixem o seu próprio exemplo de mães e de pais que sempre souberam viver em comunhão responsável com os demais, numa postura criativamente solidária e companheira com todos, especialmente, com os que, no seu tempo e no seu mundo, revelaram maior fragilidade e maior incapacidade para se auto-assumirem.
Tudo o que não for assim é perverso e diabólico. Não revela amor verdadeiro, daquele que liberta e promove autonomias e independências pessoais. Pelo contrário, é uma forma degradada e doentia de amar, por isso, fatalmente prejudicial para o futuro das filhas e dos filhos, geradora de egoísmos e de máfias familiares que desumanizam e reduzem a monstros humanos quem aceita ir por aí!
Uma única vez, o Evangelho de Jesus, na versão Lucas, fala de um caso de heranças. E o ensinamento que Jesus soube extrair desse caso que alguém de entre a multidão lhe colocou tem tanto de radicalmente libertador como de escandaloso, pelo menos, à luz da mentalidade dominante destes tempos que são os nossos.
A ignorância, na maior parte das pessoas e dos povos, desse ensinamento jesuánico libertador diz bem de quanto as Igrejas cristãs estão em falta grave, por se terem sistematicamente demitido da sua insubstituível missão histórica de Evangelizar os pobres e os povos.
As consequências negativas desta demissão das Igrejas cristãs são tremendas, tanto para as pessoas como para as sociedades. E tanto piores, quanto as pessoas e as sociedades, por falta do anúncio da Boa Notícia de Jesus, acabam quase sempre por assumir comportamentos e vivências que, na sua boa fé, até têm por saudáveis e correctos, quando eles são altamente patológicos e geradores de graves desvios individuais e sociais que, por sua vez e com o rolar dos anos, geram um tipo de cultura que já não é cultura, pois tem mais a ver com formas de proceder próprias da selva, do que da humanidade.
O caso concreto sobre heranças vem no capítulo 12 e foi pretexto para Jesus criar uma espantosa e chocante estória ou parábola, que ficou conhecida como a parábola do rico insensato, mas que é muito mais do que isso.
É frequente ouvir contar esta parábola, mas quase sempre desligada do caso da herança que a provocou, quando ela sempre deverá ser integrada no seu contexto, pois só assim adquire, em cada tempo e lugar, toda a sua força profética, radicalmente libertadora.
Contada simplesmente como a parábola do rico insensato é mais uma estorieta moralista que logo se esquece e nos deixa na mesma, ou pior. Ou não fosse verdade que o moralismo, em que costumam ser férteis as Igrejas e as Religiões, tem o triste condão de matar a força libertadora do Espírito que subjaz na letra do Evangelho e da Bíblia em geral. E acaba por oprimir ainda mais as pessoas e os povos, quando não acaba até a matá-los, já que, como ensina S. Paulo, a letra mata e o Espírito é que nos faz viver segundo a Liberdade, não segundo a Lei.
Eis, pois, o caso da herança, a parábola que ele provocou e o ensinamento-Boa Notícia que Jesus aproveita para proclamar, como o Mestre por antonomásia que é, de vida em plenitude humana:
"Dentre a multidão escreve o Evangelho de Lucas alguém diz a Jesus: Mestre, diz a meu irmão que reparta comigo a herança." Jesus responde-lhe: "Homem, quem me nomeou juiz ou encarregado das vossas partilhas?" E prossegue: "Olhai, guardai-vos de toda a ganância, porque, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida não depende dos seus bens."
Diz-lhes então esta parábola: "Havia um homem rico, a quem as terras deram uma grande colheita. E pôs-se a discorrer, dizendo consigo: «Que hei-de fazer, uma vez que não tenho onde guardar a minha colheita?» Depois continuou: «Já sei o que vou fazer: deito abaixo os meus celeiros, construo uns maiores e guardarei lá o meu trigo e todos os meus bens. Depois, direi a mim mesmo: Tens muitos bens em depósito, para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te.» Deus, porém, disse-lhe: «Insensato! Nesta mesma noite, vai ser reclamada a tua vida; e o que acumulaste para quem será?» Assim acontecerá conclui Jesus ao que amontoa para si e não é rico para com Deus [= para com os pobres]."
Em seguida, Jesus dirige-se aos discípulos: "É por isso que vos digo: Não vos preocupeis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer, nem quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir; pois a vida é mais que o alimento, e o corpo mais que o vestuário. Reparai nos corvos: não semeiam nem colhem, não têm despensa nem celeiro, e Deus alimenta-os. Quanto mais não valeis vós do que as aves! E quem de vós, pelo facto de se inquietar, pode acrescentar um côvado à extensão da sua vida? Se nem as mínimas coisas podeis fazer, por que vos preocupais com as restantes? Reparai nos lírios, como crescem! Não trabalham nem fiam; pois eu digo-vos: Nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva, que hoje está no campo e amanhã é lançada no fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé! Não vos inquieteis com o que haveis de comer ou beber, nem andeis ansiosos, pois as pessoas do mundo é que andam à procura de todas estas coisas; mas o vosso Pai sabe que tendes necessidade delas. Procurai, antes, o seu Reino, e o resto vos será dado por acréscimo. Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino. Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. Arranjai bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável no Céu [= em Deus = nos pobres], onde o ladrão não chega e a traça não rói. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração."
Eis. Jesus não pode ser mais claro. Ou educamos as filhas e os filhos as novas gerações para a autonomia e a independência pessoal e puxamos por elas e por eles para que alcancem esse patamar de dignidade humana, ou contribuímos decisivamente para lhes matar o futuro. A vida não depende dos bens que, como mães e pais, lhes possamos deixar. Tão pouco depende dos bens que alguém sofregamente procure possuir e amontoar para si e para os seus.
Quando a vida de alguém depende, seja dos bens, seja de outra coisa qualquer exterior à pessoa, já não é vida de qualidade, já não é vida autónoma e independente, que está toda onde cada uma e cada um de nós estiver.
Os bens podem ajudar e ajudam. Mas se abundam em mim e faltam nos meus irmãos e nas minhas irmãs, os pobres, que os ricos fazem tais, o desequilíbrio é manifesto e o futuro de todos nós e do próprio planeta está em perigo. A regra será esta: Ter para ser/viver mas todos os indivíduos e povos. Nunca ser/viver para Ter, muito menos, Ter em demasia, sem querer saber para nada que falte aos demais.
Ninguém é dono dos bens da Natureza. Nem sequer dos bens conseguidos mediante a força do trabalho e do investimento. Tudo deve ser de todos, sempre, segundo as necessidades de cada qual. Mesmo os bens adquiridos à custa de muito trabalho e de investimento só têm sentido, se forem bens produzidos para fazer ser/viver todas as pessoas e todos os povos.
O que não for assim, cai sob a alçada do rico insensato, de que fala a parábola contada por Jesus. Ou seja, quem não proceder assim, é esse rico insensato ao vivo, da parábola contada por Jesus, com todas as consequências nefastas que daí advêm, tanto para o próprio, como para toda a Humanidade de que faz parte.
É manifesto que hoje vivemos um tempo, cuja mentalidade e cultura dominantes avançam pelos antípodas desta Boa Notícia libertadora e salvadora de Jesus. Na sua maioria, as pessoas, mesmo aquelas que hoje são manifestamente pobres, sonham ser a encarnação viva do rico insensato da parábola. Erradamente, pensam que a sua vida depende da quantidade dos bens que possuírem!
A verdade é que todas e todos sabemos da existência de pobres os últimos dados oficiais da ONU revelam que hoje mais de metade da população mundial está condenada a ter de (sobre)viver com menos de dois euros (menos de 400 escudos) por dia mas logo pensamos para connosco: e que tenho eu a ver com isso? São pobres acrescentamos de imediato porque querem, porque não fazem pela vida.
Com reacções como esta, estamos a mentir a nós próprios. E revelamos que não somos capazes de reconhecer a verdade, porque ela, embora liberte, interpela-nos, desinstala-nos e obriga-nos a comportamentos totalmente outros, bem mais solidários e humanos. E qual é a verdade, neste particular? Esta: Os pobres são pobres, porque nós, os não-pobres, os fazemos tais; os pobres são pobres porque nós, os não-pobres, os produzimos. Por acção, ou por omissão. E a pobreza, como é óbvio, gera mais pobreza. Tal como a degradação gera mais degradação.
Toda a riqueza produzida que fica amontoada, em celeiros/bancos cada vez maiores e em número cada vez em maior, e não é repartida por quem dela tem necessidade para ser/viver, é perversa, diabólica, geradora de monstros humanos. Produz ricos insensatos, sem coração, sem entranhas de humanidade, lobos que devoram os pobres.
O pior é que hoje, até os pastores das Igrejas que se dizem cristãs, nomeadamente, das novas Igrejas oriundas do Brasil e dos Estados Unidos da América, e os pastores que estão à frente dos grandes santuários católicos, que deveriam ser, na sua qualidade de discípulos de Jesus, como as aves do céu e como os lírios do campo, são, pelo contrário, os primeiros a extorquir até a camisa que os pobres porventura tenham no corpo.
São pastores que não só não vendem o que possuem para dar aos pobres, como recomenda/ordena Jesus, de forma a promoverem nos pobres o ser e a vida em abundância, como são até os primeiros a extorquir o pouco que os pobres têm, a pretexto de que a Bíblia, em Malaquias, manda pagar os dízimos aos pastores. Propositadamente esquecem que a mesma Bíblia, no Evangelho, corrige Malaquias e manda, a todos os que queiram ser discípulos de Jesus, vender os bens que possuírem ou que indevidamente tiverem acumulado no exercício do ministério, para, com eles, promoverem o ser e a vida de qualidade dos pobres.
Pastores assim não são pastores. São ladrões disfarçados de pastores, que pretendem engordar à custa dos fiéis que neles ingenuamente confiam. A esses pastores, com cruéis práticas de mercenário, os pobres do século XXI muito mais de metade da população mundial, portanto, muito mais de três mil milhões de pessoas hão-de corajosamente virar as costas e fugir deles a sete pés.
E que vão fazer depois os pobres? Jesus é claro: Hão-de ter a audácia de se organizarem para, como um exército em linha de batalha, buscar o Reino de Deus, isto é, dar corpo à Revolução da Justiça e da Paz, a única Revolução radicalmente libertadora que derrubará para sempre a presente Ordem mundial que sadicamente continua aí a fabricar pobres em massa, e que criará de raiz uma outra Ordem mundial, onde passe a ser inconstitucional a simples existência de pobres e de pobreza! E onde passe a ser crime de lesa-humanidade a simples existência de ricos insensatos que guardam paranoicamente a riqueza acumulada em celeiros/bancos cada vez maiores e em número cada vez em maior, quando a riqueza produzida é sempre para ser distribuída por todas as pessoas e por todos os povos que dela careçam para ser/viver em dignidade!
É claro que nesta nova maneira de ver as coisas, não há lugar para ninguém amontoar riqueza, nem sequer sob o pretexto de depois a deixar em herança às filhas e aos filhos. Só há lugar para a inteligente e generosa repartição dos bens, segundo as necessidades de cada pessoa e de cada povo, não no estafado e perverso sistema de quem faz caridadezinha, mas na digna postura de quem concebe e dá à luz projectos concretos que promovam a vida e vida em abundância em quantos pessoas e povos dela estão mais carenciados.
Tudo o que não for assim contribuirá para cavar insuperáveis abismos de separação entre pessoas ricas e pessoas pobres, entre povos ricos e povos pobres, e será causa de morte em massa no nosso mundo. Quando, afinal, hoje é absolutamente preciso, imperioso e urgente promover a vida e vida em abundância em todas as pessoas e em todos os povos do mundo, sob pena de o nosso Planeta deixar de ter futuro.
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DESTAQUE 2
Fábrica de fazer santos
A fábrica de fazer santos do Vaticano não tem mãos a medir. Por este andar, ainda acaba por apresentar uma linha de produção superior à de uma fábrica de automóveis, de uma dessas multinacionais que nos atormentam a vida e dão cabo daquele ambiente de qualidade, de que tanto necessitamos para viver.
Curiosamente, desta fábrica de fazer santos do Vaticano, só saem santos e santas de mau gosto. Não há um único santo e uma única santa de bom gosto. Até porque, para o Vaticano, um santo ou uma santa de bom gosto é uma contradição nos termos. Santo, para a Cúria do Vaticano, só rima com mau gosto.
É por isso que Jesus de Nazaré, o Cristo, nunca poderá ser canonizado pelo Vaticano. Não é verdade que Jesus de Nazaré, no seu tempo e país, gostava de comer e de beber, ao ponto de carregar com a fama de comilão e de bebedolas? Não é verdade que ele gostava de andar com más companhias, ao ponto de carregar com a fama de ser amigo de excomungados e de prostitutas?
É verdade. Jesus de Nazaré nunca poderá ser canonizado pelo Vaticano. E como poderia ser canonizado pelo Vaticano, se Jesus não suporta os palácios dos grandes, menos ainda, os palácios do Papa, e até trabalha para os derrubar? Alguém imagina o Vaticano a canonizar Jesus de Nazaré, isto é, a reconhecer publicamente como ser humano exemplar para os demais, aquele que sempre clama contra ele e que está aí abertamente empenhado em levá-lo à falência, exactamente, como tem levado à falência todos os impérios da História? E como poderia Jesus ser canonizado pelo Vaticano, se ele não suporta nenhuma espécie de templos nem basílicas, menos ainda, a chamada basílica de S. Pedro em Roma, erguida com o objectivo de fazer esquecer o grandioso templo que existia naquele mesmo local, em honra de um famoso ídolo do império romano e que, desde então, está transformada num espaço tão opressor e tão alienador do povo, como esse templo idolátrico o havia sido antes? E como poderia ser canonizado pelo Vaticano, se Jesus de Nazaré não suporta nenhuma daquelas solenes missas, chatas como a potassa, a que o papa reiteradamente preside e numa das quais tem de decorrer a própria cerimónia oficial da canonização? (é verdade que em certos encontros de juventude, há milhares de jovens oriundos de todo o mundo da Cristandade que fazem de conta que gostam muito das missas a que o Papa preside, mas do que eles verdadeiramente gostam é do gozo que as viagens em grupo lhes dão e do folclore religioso a que todo aquele cerimonial se presta!)
Não deixo contudo de reconhecer que o Vaticano até poderá chegar a pensar em canonizar Jesus de Nazaré. Mas, nesse caso, terá que ser um outro Jesus fabricado por ele e pelos seus teólogos oficiais, que não o carpinteiro de Nazaré, filho de Maria, o qual, quando homem adulto, chamou "raposa" ao chefe de governo do seu país (o que chamaria ele hoje ao ministro da Defesa de Portugal, Paulo Portas, e ao politicamente demente presidente dos EUA, George W. Bush?), "raça de víboras" e "hipócritas" aos teólogos oficiais do seu tempo, "cegos e guias cegos" aos sacerdotes e outros dirigentes religiosos, e acabou a expulsar, de chicote em punho, do grandioso Templo de Jerusalém os funcionários que lá faziam chorudos negócios à pala do santo Nome de Deus. Terá que ser um outro Jesus totalmente desfigurado, até ficar reduzido à triste condição de bobo-mor, que ajuda a dar um certo ar de humanidade ao poder absoluto do papa, ou à condição de estátua imóvel e sempre a mesma, como são todas as imagens dos ídolos, ou a uma espécie de espantalho sagrado com que as populações empobrecidas e oprimidas continuarão a ser criminosamente mantidas e alimentadas no seu infantilismo, para que nunca cheguem a ser elas próprias e, muito menos, cheguem a ser protagonistas na História.
O Vaticano sabe que populações protagonistas na História são populações dotadas de saudável e fecundo espírito crítico, livres e criadoras, adultas, capazes, por isso, de viver sem necessidade alguma de benfeitores, de deuses e de deusas inventados, de santos e de santas canonizados por ele, menos ainda sem necessidade alguma de Papas divinizados e de outros clérigos, quase sempre arrogantes e autoritários, no estilo de quem pensa que tem o Deus na barriga. E, se calhar, até têm, mas, nesse caso, só pode ser um Deus à imagem e semelhança deles, inventado e fabricado por eles, portanto, um ídolo mais, a juntar a outros, posto à veneração/adoração de populações mais ou menos amedrontadas e submissas.
Ora, do que a Cúria romana e os seus clérigos graúdos e miúdos menos podem ouvir falar é de populações dotadas de consciência crítica e protagonistas na História. E muito menos suportar. Ela e eles sabem muito bem que, quando a Humanidade chegar a um tal patamar de desenvolvimento cultural e espiritual, nunca mais haverá quem os sustente, a ela e a eles, quem os financie, quem vá nas suas balelas, quem aceite as suas mentiras e as suas piedosas lendas, os seus ritos esteriotipados e os seus cultos sem profecia.
Nessa altura, todos os cardeais que, hoje, ainda se passeiam jactantes pelo Vaticano, em Roma, e por outros Vaticanos menores espalhados pelo resto do mundo, perderão toda a sua razão de ser, porque já não terão mais populações a quem assustar, a quem impressionar com aquelas suas vestes escarlates de carnaval fora de época, homens grotescamente vestidos de mulher, feios quanto baste, quase sempre gordos e vaidosos, uns ricos diabos com tudo de bobo da Cúria romana e nada de seres humanos, que estes, onde existirem, vestem com simplicidade, apresentam-se como companheiros e companheiras dos demais, numa igualdade e numa comunhão que irmana e nos alegra a todas e todos.
Entre o insólito número de santos e de santas que a respectiva fábrica do Vaticano, só sob a vigência de João Paulo II, já produziu um total de 465, a que é preciso juntar mais 1288 beatas e beatos permito-me destacar dois exemplos concretos, cada qual o mais ignóbil e o mais blasfemo do santo Nome de Deus: os dois beatos portugueses de Fátima, Jacinta e Francisco Marto, e o Padre José Maria Escrivá, de Espanha, fundador da sinistra Opus Dei.
Quanto ao primeiro caso, quero aqui deixar bem claro: O que as duas infelizes crianças de Fátima hoje careciam, não era que o Papa corresse a beatificá-las, como fez, com base num milagre que nunca existiu e que só mesmo o agora cardeal Saraiva, também português, que está à frente da fábrica de fazer santos (o nome oficial é muito mais pomposo: Congregação para a causa dos santos!), foi capaz de reconhecer como tal.
(Diga-se, em abono da verdade que lá, onde houver milagres, entendidos como acções atribuídas exclusivamente a Deus, em detrimento das nossas próprias acções e intervenções, nunca estamos em presença daquele Deus, que se nos revelou definitivamente em Jesus de Nazaré, mas apenas em presença do Demoníaco, habilmente disfarçado de Deus todo poderoso, e com tudo de ídolo).
O que estas duas crianças portuguesas careciam era que o Papa e, com ele, toda a hierarquia católica de Portugal, lhes pedissem publicamente perdão pelo hediondo crime que cometeram, quer na pessoa delas, quer na pessoa das suas famílias, concretamente, por as terem catequizado num tipo de cristianismo católico romano, com tudo de Paganismo e de idolatria, e que está nos antípodas do tipo de cristianismo de Jesus de Nazaré.
Ao correr a beatificá-las, o Vaticano leva ainda mais longe aquele seu hediondo crime, porque continua, todos estes anos depois, a persistir na mentira de então, e atreve-se a apresentar, agora, como um modelo para as mulheres e os homens do terceiro milénio, essas duas crianças manifestamente infelizes, que acabaram por morrer, poucos anos depois de terem nascido, vítimas de catequeses terroristas, extraídas do anti-Evangelho português que dá pelo nome de Missão Abreviada, para cúmulo, mentirosamente, atribuídas a uma tal senhora de Fátima, apresentada então e ainda hoje, como Maria, mãe de Jesus, quando na realidade não passa de mais uma das muitas imagens da mítica grande deusa Virgem e Mãe, dos cultos politeístas do velho Paganismo, por sinal, ainda hoje tão arreigado no inconsciente colectivo das populações não evangelizadas do mundo.
No que respeita ao caso do Padre José Maria Escrivá, beatificado e canonizado a todo o vapor pelo papa João Paulo II, quero também deixar claro o seguinte: Só mesmo o Vaticano e a sua Cúria actualmente infestada de gente da sinistra Opus Dei, é capaz de tanta mentira e de tanto anti-Evangelho de Jesus, como o que esta beatificação-canonização, só por si, consubstancia. Calculem que até as biografias escritas e publicadas, por estes dias, com o objectivo de dar a conhecer o novo santo, acabam por nos apresentar o perfil de um homem, aparentemente predestinado para ser santo, mas que, ao fim e ao cabo, é um homem nos antípodas do homem Jesus de Nazaré!
É certo que Escrivá é um sacerdote, que está quase sempre com o nome de Deus na boca e na ponta da sua caneta, quer dizer, nos escritos que elaborou para a posteridade, já a preparar a sua própria canonização futura. Mas teve um azar com ele: o seu Deus é exactamente o mesmo do franquismo e do seu amigo general Franco, assassino, com quem sempre se entendeu e de quem obteve até o título nobiliárquico de marquês de Peralta! Por isso, um Deus com tudo de demoníaco, de ídolo, de mentira, que justifica todas as opressões e todas as perversões; um Deus sádico que se compraz com o esmagamento das suas criaturas; um Deus em tudo semelhante aos grandes financeiros deste mundo e aos poderosíssimos donos das multinacionais, entre os quais, ou próximo dos quais, estão hoje também alguns membros da sinistra Opus Dei, fundada pelo próprio Escrivá, como Obra de Deus, mas que só pode ser Obra de um Deus assim, à imagem e semelhança do seu criador/fundador, e ao qual, se não resistirmos activamente, ele acabará por nos devorar a alma, isto é, a própria dignidade.
Escandalizo-vos, ao escrever aqui todas estas coisas? Admito que sim. A verdade sempre escandaliza. Mas também sempre liberta. Uma coisa, porém, eu sei: para levar por diante a minha missão presbiteral/eclesial de Evangelizar os pobres e os povos, jamais poderei congelar a verdade. Já S. Paulo (descansem, que não foi canonizado pelo Vaticano!) proclamou no seu tempo contra os que se escandalizavam com o exercício do seu ministério apostólico: "Pregamos Cristo, e Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os não-judeus (= pagãos)".
Tomara eu, evidentemente, não escandalizar nenhum dos muitos milhões de empobrecidas/empobrecidos e oprimidas/oprimidos do mundo, ainda agora, quase sempre perdidos em santuários onde figuram imagens de deusas e de deuses, travestidos de santas e de santos, que lhes levam couro e cabelo.
Atrevo-me, por isso, a pedir a todas e a todos: Por favor, não se escandalizem com as minhas denúncias. Escandalizem-se e muito, até à indignação activa, com a realidade por mim denunciada. Porque se todas e todos agirmos assim, o amanhã do mundo será bem diferente do nosso hoje. Será um amanhã bem mais livre, digno, solidário, fraterno/sororal. Numa palavra, bem mais humano!
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EDITORIAL
Salazar, de novo!
1. Com este governo PSD/PP, ou melhor, PP/PSD, pode-se dizer que o ditador Salazar está de volta à frente dos destinos do nosso país. Um Salazar travestido de Paulo Portas e de Durão Barroso, de Bagão Félix e de Manuela Ferreira Leite, cada qual ao seu jeito, mas todos muito hábeis em embalar as populações com mentiras e hipócritas posturas políticas de seriedade e com repetitivos e autoritários discursos a garantir que, com eles, o país vai mudar. E a verdade é que, se não nos pusermos a pau e se, como povo, não sairmos todas e todos a ter mão na sua demência política, eles e o resto do seu governo, mais os autarcas e os deputados das mesmas cores políticas, aos quais se junta um presidente da República estilo Américo Tomás reciclado, vão mesmo arrastar o país para o antigamente, agora, evidentemente, um pouco mais recauchutado, mas, por isso mesmo, ainda mais perigoso para as populações. Com os ricos, de um lado, cada vez mais ricos. E os pobres, do outro lado, cada vez mais pobres. A receberem algumas migalhas de esmola que os ricos deixem cair das suas mesas, em resposta aos reiterados apelos catequéticos nesse sentido, por parte de certos clérigos, porventura, muito católicos e muito piedosos, mas também muito ingénuos, por isso, vazios da lucidez e da audácia proféticas que sempre deverão caracterizar os discípulos e as discípulas de Jesus de Nazaré, o Cristo.
Até custa a crer, mas hoje tudo à nossa volta nos diz que o país que outrora incompreensivelmente suportou Salazar durante os negros 48 anos da sua governação, volta, agora, a dar preocupantes sinais de que já se prepara para mais um prolongado inverno político-social de sofrimento e de resignação. Por sinal, com muito menos contribuição do que antigamente, da senhora de fátima, caída, entretanto, em descrédito para enormes camadas da população portuguesa e europeia. Mas com muito mais futebol do que antigamente, apesar de certas jogadas mediáticas contra alguns dirigentes de clubes, feitas só para português ver e para deixar a impressão de que, com este Governo, a corrupção não tem hipótese, quando, na verdade, com essas jogadas mais não se pretende que entreter e desviar as atenções dos media e das populações que os lêem, ouvem e vêem, das vergonhosas decisões que, todas as semanas, o Governo está a tomar contra a qualidade de vida e contra o futuro da esmagadora maioria do nosso povo. E também com muito menos fado do que antigamente, mas, em contrapartida, com verdadeiras overdoses de música anglosaxónica, cujos ritmos nunca sintonizam com as nossas enormes fomes de justiça, de igualdade, de dignidade e de protagonismo pessoal e colectivo, apenas com as nossas fantasias. À semelhança de quaisquer outras drogas que os grandes narcotraficantes por aí põem a circular com a conivência e a cumplicidade dos sucessivos governos, com o objectivo de tirarem toda a força de combate à juventude que se deixe atropelar por elas. E às quais importa ainda juntar outras overdoses, típicas deste nosso tempo, as overdoses de telenovelas rasca e de deprimentes sessões de brig-brother, a toda a hora do dia e da noite, em canal tv aberto ou codificado.
Pode parecer exagero o que acabo de escrever. Mas infelizmente não é. É claro que nunca mais regressaremos à situação anterior ao 25 de Abril 74. A História não anda para trás. Aquele foi um tipo de fascismo que nunca mais regressa. Mas não quer dizer que o fascismo, como tal, não regresse. Pode regressar e está a regressar. Com novas roupagens. Adaptado aos novos tempos da democracia parlamentar, cuja casa oficial, o Parlamento, pode ser definida hoje como a casa da política rasca do país. Trata-se de um fascismo que não precisa, por exemplo, de proibir a liberdade de expressão, de reunião e de associação, nem a existência de partidos políticos, porque, entretanto, o que depois verdadeiramente conta não é o que cada pessoa diz e faz, mas apenas o que as minorias privilegiadas do Dinheiro, do Poder e da Religião dizem e fazem, já que são elas quem tudo controla nas televisões, nas rádios, nos grandes jornais, no próprio Parlamento e no Governo. Tão pouco precisa de proibir o direito à greve, geral que seja, ou o direito à manifestação, porque depois vem logo a correr dizer, com aquele ar de quem tem a última palavra e a palavra certa, que não é com greves que o país progride, nem com manifestações de rua, só com trabalho. Ao mesmo tempo que aproveita para fazer aprovar a todo o vapor um Código laboral que dá todo o poder e todas as vantagens aos donos das grandes e médias empresas e deixa (quase) sem protecção legal quem apenas tem a sua força de trabalho para vender.
Mesmo assim, não creio que esteja tudo irremediavelmente perdido. Embora, nesta altura, seja já muito difícil inverter a marcha do país para o abismo. É verdade que fizemos o 25 de Abril (lembram-se?!), mas depois depressa passamos a comemorá-lo, em cada ano, em lugar de o actualizarmos cada ano. Consentimos, inclusive, que nos adormecessem e deixamo-nos ficar a ver o tempo passar. Esquecemos aquela avisada advertência do Evangelho de Jesus de Nazaré, que diz: "Quando o espírito imundo [no caso, o espírito do fascismo] sai de um homem [ou de uma nação], anda por lugares áridos em busca de repouso e não o encontra. Diz então: Voltarei para a minha casa, donde saí. E, ao chegar, encontra-a livre, varrida e arrumada. Vai, toma outros sete espíritos piores do que ele e, entrando, instalam-se nela. E o estado final daquele homem [daquela nação] torna-se pior do que o primeiro" (Mt 12, 43-45).
Tivemos, como povo, uma oportunidade histórica de fazer um país novo. Estivemos à beira de o conseguir. Mas na hora da verdade, entregamos a outros o que só nós, organizados, deveríamos fazer todos os dias. E nunca mais fomos nós próprios. Limitámo-nos a votar de tempos a tempos listas de nomes de indivíduos bem falantes, escolhidos pelos partidos políticos, de acordo com os seus interesses corporativos, e que, ainda por cima, se fazem pagar bem pago, aos quais depois damos carta branca para levarem o país para onde quiserem. Segundo leis que eles próprios concebem e aprovam, e que funcionam sempre a favor da minoria que está na mó de cima. E que só em momentos revolucionários ficam temporariamente suspensas, para alegria e satisfação das maiorias.
Esperam-nos, hoje, dias difíceis. Mas mais difíceis serão, se não reagirmos já. Temos que nos defender dos governantes que, neste momento, estão a frente do país. Defender e não confiar. Quanto mais eles invocarem, a propósito de tudo e de nada, o nome de Deus e quanto mais se fizerem rodear dos bispos das grandes cidades (ainda há pouco aconteceu, na cidade do Porto, a propósito da inauguração do Metro), mais de pé atrás havemos de ficar. São lobos que se disfarçam de pastor/de ministro, para melhor tosquiarem e oprimirem o povo.
Ousemos acordar. Ousemos sair da inércia. Ousemos resistir activamente. Ousemos começar a falar de novo com o vizinho. Ousemos voltar a confiar no pobre que não se conforma com a indignidade da sua condição de pobreza imposta, e naquelas mulheres e naqueles homens que só têm a sua força de trabalho. Confiemos também nos empresários que mostrem ter fome de justiça e fome de partilhar a riqueza produzida. Resistamos aos empresários, pequenos ou grandes, que têm fome de lucro, de iates, de ferraris, de múltiplas moradias/palácio, de ostentação e de esbanjamento.
Retomemos o hábito de pensar juntos, de debater os nossos problemas comuns e de buscar soluções justas para eles. Regressemos ao saudável hábito de ler/ouvir os poetas, juntamente com os profetas, tanto os de outrora, como os de hoje. Deixemos as televisões fechadas a maior parte do tempo. Ousemos ser televisão viva uns com os outros e uns para os outros. Actores das nossas próprias vidas. E quanto aos ministros que gostam muito de ser ministros para satisfação do seu ego, deixemo-los ficar a falar sozinhos, porque eles são os primeiros a comportar-se, em relação a nós, como autistas, bonecos articulados e insensíveis, ao serviço da minoria dos privilégios que integram. E ousemos todas e todos ser políticos todos os dias, isto é, responsáveis pela nossa cidade, pela nossa casa, pelo nosso bairro, pela nossa aldeia, pelo nosso país, pelo nosso mundo.
Nunca mais deleguemos noutros o que só nós podemos fazer. E quando tivermos de confiar certas missões a alguém, nunca seja como quem delega, mas como quem responsabiliza, de modo que jamais percamos o controlo da situação. Combatamos a depressão e a tristeza em que nos querem afundar. Está nas nossas mãos inverter a presente situação.
Ousemos agir já. Passo a passo. Com determinação. Até que tudo seja alterado a favor das maiorias. E o país volte a pisar firme o chão da justiça e da verdade, o único que nos garante vida de qualidade para todas e todos nós, sem os chocantes desequilíbrios sociais, hoje já tão acentuados no nosso país. Ou esquecemos que somos todos cidadãs e cidadãos do mesmo país, da mesma Europa e do mesmo mundo?
2. Mas às crianças, senhores, por que lhes dais tantas dores? É com esta pergunta que vos convido à reflexão sobre os relatos de casos e mais casos de pedofilia e de abuso sexual de crianças, com que os grande media ultimamente nos têm massacrado.
As casas que albergam crianças de famílias pobres ou de famílias inexistentes, podem ser pias, de nome, ou ostentar, como patrono, o nome do inesquecível pe. Américo, a quem agora até os seus continuadores, incompreensivelmente, querem que seja beatificado e canonizado pelo Papa de Roma, mas a verdade é que tais casas nunca deveriam existir. E, se alguma vez houve premente necessidade de as abrir, nunca deveria ter sido para depois perpetuar no tempo a sua existência.
Casas pias ou do Gaiato, asilos com este ou com outro nome mais eufemístico, são sempre um mal, nunca um bem. Porventura um mal necessário e menos mau que o abandono puro e simples das crianças à sua sorte. Mas o mal que estas casas são nunca pode passar a ser um bem com o tempo. E assim tem infelizmente acontecido. Ao ponto de muita gente acabar por se governar, até financeiramente, à custa das crianças pobres ou sem família à altura.
Mude-se radicalmente de economia e de política no país, na Europa e no mundo. Não passemos o tempo a fabricar pobres e famílias degradadas, para depois termos a oportunidade de fazer caridadezinha, ao mesmo tempo que cúmulo dos cúmulos garantimos a regular renovação de stoks de prostitutas e prostitutos, de todas as idades, nas ruas e nos prostíbulos, tanto os de condição rasca, como os de luxo.
Haja modos, senhores! Então, metemos os meninos e as meninas em instituições só para pobres e abandonados, fazemo-los crescer dentro dessa indignidade institucionalizada e, depois, queremos que eles e elas se comportem como pessoas dignas, mesmo quando no seu caminho se cruzam chulos a aliciá-los com dinheiro e promessas de êxito fácil?
Haja modos, senhores. Tenham vergonha de propagandear casos e mais casos de pedofilia nos vossos media. Se não estão dispostos a mudar de economia e de política com as quais continuam hoje a fabricar pobres e famílias degradadas aos montes, para que nos massacram com o relato de casos e mais casos de crianças vítimas de pedófilos? Não será ainda para fazerem mais negócio, concretamente, para garantirem mais audiências e, com elas, mais publicidade paga? E também para despertarem o potencial pedófilo que vive adormecido dentro de cada ser humano? Haja modos, senhores!
Vosso irmão e companheiro, Mário
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Espaço Aberto
Dez conselhos para militantes de Esquerda
Por Frei Betto (Brasil)
1. Mantenha viva a indignação.
Verifique periodicamente se você é mesmo de esquerda. Adopte o critério de Norberto Bobbio: a direita considera a desigualdade social tão natural quanto a diferença entre o dia e a noite. A esquerda encara-a como uma aberração a ser erradicada. Cuidado: você pode estar contaminado pelo vírus social-democrata, cujos principais sintomas são usar métodos de direita para obter conquistas de esquerda e, em caso de conflito, desagradar aos pequenos para não ficar mal com os grandes.
2. A cabeça pensa onde os pés pisam.
Não dá para ser de esquerda sem "sujar" os sapatos lá onde o povo vive, luta, sofre, alegra-se e celebra suas crenças e vitórias. Teoria sem prática é fazer o jogo da direita.
3. Não se envergonhe de acreditar no socialismo.
O escândalo da Inquisição não faz os cristãos abandonarem os valores e as propostas do Evangelho. Do mesmo modo, o fracasso do socialismo no Leste europeu não deve induzi-lo a descartar o socialismo do horizonte da história humana.
O capitalismo, vigente há 200 anos, fracassou para a maioria da população mundial. Hoje, somos seis mil milhões de habitantes. Segundo o Banco Mundial, 2,8 mil milhões sobrevivem com menos de dois euros por dia. E 1,2 mil milhões, com menos de um euro por dia. A globalização da miséria só não é maior graças ao socialismo chinês que, malgrado seus erros, assegura alimentação, saúde e educação a 1,2 mil milhões de pessoas.
4. Seja crítico sem perder a autocrítica.
Muitos militantes de esquerda mudam de lado, quando começam a catar piolho em cabeça de alfinete. Preteridos do poder, tornam-se amargos e acusam os seus companheiros(as) de erros e vacilações. Como diz Jesus, vêem o cisco do olho do outro, mas não a trave no próprio olho. Nem se engajam para melhorar as coisas. Ficam como meros espectadores e juizes e, aos poucos, são cooptados pelo sistema.
Autocrítica não é só admitir os próprios erros. É admitir ser criticado pelos(as) companheiros(as).
5. Saiba a diferença entre militante e "militonto".
"Militonto" é aquele que se gaba de estar em tudo, participar de todos os eventos e movimentos, actuar em todas as frentes. Sua linguagem é repleta de chavões e os efeitos de sua acção são superficiais.
O militante aprofunda seus vínculos com o povo, estuda, reflecte, medita; qualifica-se numa determinada forma e área de actuação ou actividade, valoriza os vínculos orgânicos e os projectos comunitários.
6. Seja rigoroso na ética da militância.
A esquerda age por princípios. A direita, por interesses. Um militante de esquerda pode perder tudo a liberdade, o emprego, a vida. Menos a moral. Ao desmoralizar-se, desmoraliza a causa que defende e encarna. Presta um inestimável serviço à direita.
Há pelegos disfarçados de militante de esquerda. É o sujeito que se engaja visando, em primeiro lugar, sua ascensão ao poder. Em nome de uma causa colectiva, busca primeiro seu interesse pessoal.
O verdadeiro militante como Jesus, Gandhi, Che Guevara é um servidor, disposto a dar a própria vida para que outros tenham vida. Não se sente humilhado por não estar no poder, ou orgulhoso ao estar. Nunca se confunde com a função que ocupa.
7. Alimente-se na tradição da esquerda.
É preciso oração para cultivar a fé, carinho para nutrir o amor do casal, "voltar às fontes" para manter acesa a mística da militância. Conheça a história da esquerda, leia (auto)biografias, como o Diário do Che na Bolívia, e romances como A Mãe, de Gorki, ou As Vinhas de Ira, de Steinbeck.
8. Prefira o risco de errar com os pobres a ter a pretensão de acertar sem eles.
Conviver com os pobres não é fácil. Primeiro, há a tendência de idealizá-los. Depois, descobre-se que entre eles há os mesmos vícios encontrados nas demais classes sociais. Eles não são melhores nem piores que os demais seres humanos. A diferença é que são pobres, ou seja, pessoas privadas injusta e involuntariamente dos bens essenciais à vida digna. Por isso, estamos ao lado deles. Por uma questão de justiça.
Um militante de esquerda jamais negocia os direitos dos pobres e sabe aprender com eles.
9. Defenda sempre o oprimido, ainda que aparentemente ele não tenha razão.
São tantos os sofrimentos dos pobres do mundo que não se pode esperar deles atitudes que nem sempre aparecem na vida daqueles que tiveram uma educação refinada.
Em todos os sectores da sociedade há corruptos e bandidos. A diferença é que, na elite, a corrupção se faz com a protecção da lei e os bandidos são defendidos por mecanismos económicos sofisticados, que permitem que um especulador leve uma nação inteira à penúria.
A vida é o dom maior de Deus. A existência da pobreza clama aos céus. Jamais espere ser compreendido por quem favorece a opressão dos pobres.
10. Faça da oração um antídoto contra a alienação.
Orar é deixar-se questionar pelo Espírito de Deus. Muitas vezes deixamos de rezar para não ouvir o apelo divino que exige a nossa conversão, isto é, a mudança de rumo na vida. Falamos como militantes e vivemos como burgueses, acomodados ou na cómoda posição de juizes de quem luta.
Orar é permitir que Deus subverta a nossa existência, ensinando-nos a amar assim como Jesus amava, libertadoramente.
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OUTRAS CARTAS
Amadora. José Vieira:
Caríssimo Irmão P.e Mário de Oliveira: Que a Paz e a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e a plenitude do Espírito Santo, estejam sempre consigo.
Perdoe o incómodo, mas tenho uma dúvida sobre o Evangelho e a sua opinião é muito importante para mim!
Quando Jesus afirma, "Não julgueis para não serdes julgados, porque com a medida que medirdes sereis medidos, etc..." que quer isto dizer realmente? Que não podemos ter uma opinião pessoal? Afinal de contas como posso eu viver sem "julgar" ou avaliar as situações do meu dia a dia?
A mero título de exemplo, se um membro da Hierarquia, agir de modo anti-evangélico, eu tenho que me calar? Não posso pronunciar-me sobre a tal atitude, gesto ou decisão anti-evangélicos? Tenho que comer e calar? Tenho que ser mudo, surdo e cego, um morto vivo que não pode ter opinião própria? Ou tenho que a guardar para mim mesmo, e calar bem fundo o meu repúdio? É um mandamento para nos silenciar para sempre?...
Porém, Jesus sempre que a Hierarquia e os fariseus, etc, do seu tempo "metiam o pé na poça", passe a expressão, nunca calava mas gritava bem alto e publicamente, "Hipócritas, filhos do diabo, geração perversa, raça de víboras e escorpiões, etc..."
Estou realmente dividido e confuso! Afinal, o que quer dizer este mandamento realmente? Veja o seu caso, por exemplo, ao escrever o livro O que fazer com esta Igreja?; nele o Irmão expressa livremente a sua opinião, e para tal teve que tecer julgamentos... Violou o mandamento?
Não sei o que pensar, sinceramente. Esclareça um pobre ignorante, bastante confuso com este mandamento, como pode ver!
Outro exemplo: há algum tempo ouvi um presbítero afirmar publicamente, durante a homilia, que ele não queria ser um "padre de merda" e que "na nossa Igreja há pessoas que lá porque tiraram um curso de pregadores, pregam no templo aos fiéis, apesar de viverem uma vida de merda!"
Fiquei abismado, com a frontalidade daquele Irmão! Como pode ele falar assim sem violar o mandamento supracitado?
Um abraço da Amadora. Que o Senhor lhe seja sempre favorável e lhe dê a plenitude da sua Paz e do seu Espírito Santo. Um Abração.
ND.
Meu caro José Vieira: A maneira mais correcta de interpretar essas e outras palavras atribuídas a Jesus consiste em ver como ele próprio as pratica. Por exemplo, com muita frequência as pessoas invocam aquela palavra de Jesus que diz "Se alguém te bater na face direita oferece-lhe também a outra" (Mt 5, 40) e pensam que com isso Jesus está a convidar-nos a ser "anjinhos", a consentir que façam de nós "bobos da corte". E nada mais falso. Para percebermos o sentido desta palavra, temos que ver como é que Jesus se comportou quando, já depois de o terem sob prisão e em fase de julgamento no Sinédrio, lhe bateram numa das faces. Jesus não correu a oferecer a outra face para apanhar um segundo estalo. A sua reacção foi bem outra, foi a da dignidade humana no seu máximo. Enfrenta com a firmeza da verdade o agressor olhos nos olhos e diz-lhe: "Se falei mal, diz-me em quê; mas se falei bem, por que me bates?" (Jo 18, 23). Com este seu jeito de praticar aquela palavra, ficamos a compreender que, quando Jesus nos convida a oferecer a outra face, está a convidar-nos a levar a luta pela verdade que liberta até ao fim, a não ficar nunca pelo caminho, a não desistir. Convida-nos a ir até ao fim, sem medo de apanhar pela segunda vez. Porque só a verdade que liberta dá dignidade às nossas atitudes. O medo sempre nos infantiliza e corrompe, deixa-nos sem dignidade, faz de nós escravos, porventura, recheados de privilégios, mas escravos, vassalos.
O mesmo sucede com estas outras palavras atribuídas a Jesus sobre o "Não julgueis para não serdes julgados". O próprio José Vieira já o diz no seu e-mail, quando se refere à postura de Jesus, nomeadamente, nos seus frequentes confrontos com os teólogos oficiais do país e com os chefes religiosos mais representativos. O que sempre encontramos no Evangelho é um Jesus sem papas na língua contra os desvios que em nome de Deus e a coberto do nome de Deus se cometiam no Templo e na sociedade. Nesses momentos, a palavra de Jesus é como uma espada de dois gumes! Por isso, ele foi tão amado e tão odiado. Os que beneficiavam do Sistema e da corrupção instalada, ao sentirem-se atingidos pela verdade das suas palavras, não lhe perdoam. Em lugar de reconhecerem o seu erro e mudarem de vida, cerram fileiras contra ele e contra a verdade. Como se ocupar um lugar de autoridade e de poder garantisse automaticamente a quem o ocupa a posse da verdade! E não garante. Pelo contrário, verdade e poder excluem-se. Onde houver poder pior, se for poder absoluto nunca há verdade. Há opressão. O campo da verdade que liberta é sempre o corpo das vítimas do poder!
É, pois, evidente que Jesus não nos convida, com aquelas suas palavras, "Não julgueis...", a ficarmos como cães mudos. Nesse caso, toda a profecia bíblica, tecida de feroz denúncia e alguns anúncios de alternativas libertadoras, seria crime. E a cumplicidade com o mal institucionalizado seria virtude! Não, meu caro José Vieira. O "Não julgueis para não serdes julgados" pode ter que ver com as intenções das pessoas, não com a apreciação objectiva dos seus actos. Pelos frutos se conhece a árvore. E quando, na Igreja como na sociedade, alguém grita que o rei vai nu, o que se espera é que o rei se apresse a corrigir as suas práticas e não que mande enforcar o vidente/profeta que se limitou a dizer o óbvio, não para achincalhar o rei, mas para o tirar da situação de vergonha institucional em que ele se encontra, ao aceitar vestir-se com práticas de injustiça e de privilégio, de mentira e de prepotência.
Em Igreja, as coisas são ainda mais exigentes. É que o santo nome de Deus pode chegar a ser blasfemado por causa das práticas dos que dizemos crer nEle, mas depois procedemos ao contrário do projecto que Ele tem para a Humanidade. Quanto ateísmo, hoje, provocado pelas incoerências dos que nos dizemos crentes em Deus!... Aquelas palavras de Jesus são convite a levarmos até ao fim a denúncia. Não condenamos as pessoas, nem as absolvemos, independentemente das suas práticas. Analisamos criticamente as suas práticas e apontamos os desvios. Porque amamos as pessoas, como pessoas, não as idolatramos, como ídolos, como poder. E, quando essas práticas fazem vítimas, é com estas que temos que estar, nunca com quem as faz. Por mais poderoso que seja quem as faz, e por mais sagrada que se diga que é a sua função.
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E-mail. Leitora devidamente identificada:
Caro amigo Padre Mário: Já terminei a leitura do livro Em Memória Delas. LIvro de Mulheres, gostei imenso da forma como nos apresenta o tema. Gosto da forma como escreve e a energia que os seus escritos carregam faz-me sentir que ainda vale a pena acreditar na mudança.
Como eu o compreendo. Tenho 46 anos e uma vida cheia de todas as dificuldades. A minha vida tem sido uma luta constante. Filha de gente pobre. Fui criada dentro das regras da Igreja Católica. Cumpri todos os rituais que me foram propostos, mas, quando eu questionava e contestava as "coisas" que se faziam na minha paróquia chamavam-me comunista e rebelde.
Quando a minha mãe me ensinava a rezar a oração, "Gloria ao Pai" eu chorava, porque não percebia porque é que tinha que dizer: "assim como era no principio", e eu dizia, que não sabia como era no principio...
Pertenci a vários grupos de jovens da minha paróquia. Pertenci ao movimento do OÀSIS que me marcou muito e de que tenho muitas saudades. Fui catequista vários anos, porque queria mostrar ás crianças que Deus não era aquele tirano que me tinha sido ensinado em criança.
O Pároco da minha paróquia curiosamente dizia nas suas homilias, que, "nossa senhora não queria que os filhos de Deus fizessem tantos sacrifícios, nem promessas, que o trabalho a que estavam sujeitos e as dificuldades por que tinham que passar, já por si eram um grande sacrifício, que o oferecessem á Mãe de Jesus". Acho que foi uma boa pedagogia.
Acredito na mensagem de Jesus Cristo. Tenho vergonha de pertencer a uma Igreja, onde a coerência é uma palavra vã, em que a lei não é cumprida igualmente por todos. É uma vergonha o que se passa nessas catequeses. Pobres das nossas crianças, e pobre de quem devia ensinar mas não sabe o que está a fazer. De quem é a culpa?
Pobre da nossa Igreja que não é coerente com a mensagem do Evangelho. Num domingo em que eu participava na celebração da missa numa igreja com o meu filho mais velho que frequentava a catequese, aproximamo-nos da mesa da comunhão ordenadamente na fila, o meu filho ia á minha frente e, quando chegou a vez de comungar o padre recusou-lhe a comunhão, e mandou-o sentar. Assim, sem mais nem menos, em frente da comunidade. O meu filho ficou triste e chorou imenso.
No fim da missa procurei o padre na sacristia, para ele explicar a razão porque tinha recusado a hóstia ao meu filho, então uma criança; ao que ele respondeu que não o tinha visto na confissão. Então o que é isto? Como é que ele podia julgar assim os outros?...
Ultimamente não tenho conseguido ir á missa, por causa das homilias. Um dia estava na missa e enquanto se rezava o credo eu tomei consciência do que estava a rezar, e agora não sou capaz de o rezar, quando vou á missa raramente, não rezo o credo. Será que faço mal?
Casei pelo ritual católico, mas o meu marido nunca tinha frequentado a igreja, nem tinha nenhuma formação católica, apesar de eu, na época ser uma praticante assídua. Tivemos dois filhos que foram baptizados, o mais velho já cumpriu todos os rituais até o crisma, mas deixou de frequentar. O mais novo frequenta a catequese paroquial .
Estou divorciada há 5 anos porque não me sentia "casada", o meu marido amava muitas mulheres, com todas as consequências, ele nunca assumiu o casamento, com responsabilidade e lealdade. Fui sempre a trave da casa, e ela pesava muito.
Carregando com todas as responsabilidades sozinha, menos na cama, eu achava que a vida que eu estava a viver não era a minha, e, por conseguinte, se eu não podia mudar a forma de ser do meu "companheiro", só a mim é que eu podia mudar e, num belo dia, pus fim àquela fantochada que era o meu casamento.
Será que eu podia anular o meu casamento religioso? Ou para isso preciso de ter muito dinheiro?...
Tenho um amigo que é padre. Um dia fui visitá-lo, para conversar e chorar a frustração que era a minha vida de casada, durante aquele tempo em que tomei consciência que o meu casamento era só no papel, e da forma como eu estava a anular a minha vida, vivendo de uma forma tão medíocre e sujeitar os meus filhos àquele exemplo. Eu procurava uma palavra amiga, um abraço ou um ombro amigo que se recusou a abraçar-me. Tive tanta pena desse meu amigo padre que não soube acolher-me. Nunca mais vi esse meu amigo que teve tanto medo do meu abraço...
Amigo padre Mário, sigo com alguma curiosidade e interesse os programas de televisão em que participa, estou consigo, acho que o senhor é um homem de muita coragem, é um homem sem medo, por isso eu o admiro tanto, não perca essa coragem que o anima para falar sempre a verdade sem papas na língua.
Talvez um dia o padre Mário ainda escreva uma mensagem para os homens aconselhando-os a pedirem desculpa ás mulheres publicamente, por humilharem e maltratarem as mulheres durante tantos anos. E por, na sua ignorância, as terem feito sofrer de forma tão cruel. Por as culparem das gravidezes indesejadas que elas tiveram que suportar e depois criar os seus filhos. Por as rebaixarem no trabalho. Por as fazerem sentir-se lixo, por lhes roubarem o direito á escola, como se só eles tivessem esse direito. Por as terem feito suas escravas e viverem á sua custa. Pelo sexo sem vontade e sem carinho. Pela porrada que levaram. Pelas noites mal dormidas ao lado de um homem a destilar a bebedeira de todos os dias. Pelo banho que não toma e pelo mal que cheira a dormir ao lado da mulher. Pela incompreensão e pela fome de tudo o que dá alegria e felicidade. Por trazer para casa as doenças que recebeu na rua sem o menor escrúpulo. Enfim pelo sofrimento que ao longo dos séculos as mulheres têm que suportar pela simples razão de amarem um dia um homem que lhes prometeu a felicidade.
ND
Querida Margarida
Veja o que fizeram de nós, padres! Até de um abraço duma mulher amiga nos fizeram ter medo! Para onde pode ir uma Igreja que não é capaz de acolher, de amar, de oferecer seu corpo para tirar da solidão e do desamparo outros corpos de irmãs e de irmãos?
Gostei dos seus "desabafos". São muito mais do que isso. São um forte testemunho. Que, no meu entender, merecem ser partilhados por outras mulheres e pelos homens. Mais do que ser eu a dizer essas coisas aos homens, bastará que este seu testemunho seja divulgado. Ele diz tudo. E com a vantagem de ser uma mulher que sofreu na carne...
A declaração de nulidade do seu casamento canónico deverá ser possível. O que é preciso é provar no Tribunal eclesiástico essas coisas que a Margarida aqui escreve. E essas coisas é que costumam ficar caras. A menos que o seu ex-marido cooperasse e fosse o primeiro a reconhecer que casou sem qualquer intenção de indissolubilidade e de fidelidade conjugal. Mas a declaração de nulidade só lhe interessará, se continuar a pensar casar canonicamente. De contrário, não precisa de voltar a ser canonicamente solteira. Um novo casamento civil não exige essa declaração, como sabe.
O padre que recusou a hóstia ao seu filho está ao mesmo nível do outro que recusou abraçá-la a si, apesar de ser seu amigo! Ambos sofrem de esquizofrenia eclesiástica e clerical. O sistema eclesiástico fê-los assim!... Desumanos!
Continue a enviar-me os seus e-mails. Ou - o que é ainda melhor - apareça pessoalmente. Não terei medo dos seus abraços!... Abraço-a e beijo-a!
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ESPECIAL
Que futuro para o futuro?
1. A resposta de Frei Matias op
Esta pergunta parece-me conter uma dupla questão. Não se trata apenas de pensar sobre o futuro, mas sobre o futuro do futuro. Porém, se a questão for apenas uma, tratar-se-á de saber se o futuro tem futuro. É difícil responder. Não é em vão que se diz que o futuro a Deus pertence. Ou seja, que não nos pertence a nós futurar. De qualquer modo podemos revelar os nossos desejos e, assim, darmos a conhecer aquilo que somos. Oxalá também aquilo que seremos.
O caminho que estamos a levar parece ser o da descriação, o do regresso ao caos. Pior ainda, o do progresso para nada ou para lado nenhum, uma vez que o horizonte dos cientistas configura sempre o esgotamento dos recursos naturais e a extinção das espécies. O caminho para o futuro poderia ser então descrito deste modo:
Quando o ser humano despertou do barro para a existência consciente, achou-se no meio de um pomar e viu que tudo o que o rodeava era bom. Sentiu-se como um deus num jardim de delicias. De uma avidez e ganância insaciáveis, começou a consumir e a esbanjar tudo quanto encontrava numa voracidade sem medida.
Procurou toda a espécie de seres vivos - animais, plantas e peixes - e banqueteou-se até á exaustão numa orgia de egoísmo e vaidade. Rebuscou por todo o lado ouro e prata, diamantes e petróleo e amontoou até ao esgotamento, cuidando que poderia chegar ao céu e arrebatar o trono da sabedoria. Consumiu o ar e a água, os oceanos e os céus, atirou-se aos astros como se fossem imensas bolas de felicidade.
Por fim, saciado mas insatisfeito, demasiado cheio de si e vazio de sonhos, sentiu-se de novo barro: pó, terra, cinza, nada. Porém o seu futuro já não tinha regresso. Estava definitivamente entregue ao buraco negro de uma historia sem outro além que as fronteiras de um mundo silencioso e árido: esvaziado de florestas e repleto de medos, altas montanhas desencantadas e horizontes sem pássaros.
Sendo assim, que futuro para o futuro?
Que não haja impérios como agora há. E se os houver, que os imperadores meçam os seus actos e o efeito das suas palavras. E que do alto do seu poder saibam ao menos exercer a virtude política da clemência. Que não haja mais igrejas que a de Cristo. Mas se houver, que os seus chefes ensinem antes a misericórdia que a disciplina. Que os bens necessários á subsistência, que já chegam para toda a gente, sejam suficientes em todos os lares. E onde não houver lares que eles sejam construídos.
Que não haja povos ou indivíduos acima das leis, a determinarem a vida e a historia de outros povos. Que não haja políticas contra os cidadãos nem religiões contra os seus fieis. Que vingue o direito e a justiça, o diálogo e os acordos, a convivência pacifica nas diferenças.
Que o poder americano ou qualquer outro, não dominem o mundo. Que no mundo islâmico saiam vitoriosos aqueles que representam a cultura e o progresso dentro do islão. Que os governantes de Israel abandonem a sua ideologia totalitária e os desejos de expansão num território que sempre foi de muitos povos. Que na Igreja católica se realize um concilio aberto a todas as expressões espirituais, teológicas, apostólicas, eclesiais, com o mundo no meio da sala.
Que não haja fundos estruturais para os grandes e subsídios para os pequenos. Que não haja créditos para os ricos e impostos para os pobres. Que não haja saúde para quem pode e remédios caros para os doentes. Que não haja leis apertadas para quem trabalha e liberalismo para os empresários. Que não haja só salários mínimos mas também salários máximos. Que não haja tanta religião e tão pouca fé.
Tudo isto e o mais que todos sabemos é muito fácil de fazer. A sua realização só se torna difícil devido ao egoísmo pertinaz, ao desejo insaciável de poder, ao prazer que jamais se encontra satisfeito em vez da felicidade que pode estar ao alcance de um olhar.
Por isso, entretanto, teremos que prosseguir na nossa indignação perante o mal, na denúncia de tudo o que afecta negativamente a vida, nos trabalhos e canseiras, lutas e empenhamentos, para que o futuro seja bom. E para que também nós sejamos melhores no futuro.
2. A resposta de Manuel Sérgio
Comecemos pelo Presente, carreando para o tema o melhor da nossa inteligência e do nosso coração. O que o distingue? O neoliberalismo, ou a nova liberdade que nos prende a um modelo económico, globalizante e excludente, denominado "economia de mercado", que se transforma paulatinamente em "sociedade de mercado"; o pensamento único, ao serviço do neoliberalismo dominante ou da "ditadura do lucro"; a pós-modernidade, onde naufragam aqueles valores sem os quais impossível se torna viver humanamente; o homo oeconomicus ou a concepção do ser humano como um animal essencialmente egoísta e egocêntrico, de que são exemplo acabado as minorias dominantes. E tudo isto dentro de uma "aldeia global" (ou de uma "sociedade digital") que torna mais presentes as imagens, os conceitos, os dados, que as "grandes centrais de manipulação da opinião pública" vêm transmitir e impor. E assim uma questão se levanta: em pleno triunfo dos ideais democráticos, vivemos ou não sob o império do dinheiro, que enriquece o Norte e empobrece o Sul? Nasceu ou não um novo colonialismo onde o que é bom para a General Motors é bom para o mundo todo?
O carácter atrabiliário e rude do Sr. Bush não esconde que a ONU, o FMI, etc. são singelos títeres nas mãos da alta finança, designadamente a norte-americana; nem que a globalização é também uma forma sofisticada de recolonizar e cocacolonizar os países mais pobres; nem que os Estados perderam a sua identidade, pois que é o dinheiro que tudo governa (John Dewey dizia que " a política é a sombra que o grande capital projecta sobre a sociedade"); nem que o progresso tecnológico, atraente e garrido, não concorre ao termo do desemprego; nem que o Estado de Direito é uma falácia quando as leis são as "leis da selva". E assim não é o Iraque a causa de todos os males mas, acima do mais, a "divinização" do lucro a qualquer preço, ou seja, o capitalismo global, fonte de uma injustiça tão flagrante, entre os homens e as nações, que gera uma onda imparável de ódio, de violência, de revolta dos "humilhados e ofendidos". E, diante deste lamentável espectáculo, o Sr. Bush ainda conta com a massa acrítica dos desvertebrados por uma televisão estupidificante, anestesiante.
Que Futuro para o Futuro? Para nós, os que acreditamos em Jesus Cristo, há um caminho: partir do Evangelho para uma "cultura de resistência", onde a maioria dos dogmas católicos se rejeitam, pois que (não quero usar uma linguagem depreciativa e motejadora) são verdadeiros disparates e não sinais dos insondáveis mistérios de Deus; onde se lute contra todos os poderes absolutos, incluindo o da globalização neoliberal; onde se respeite (e considere imprescindível) a diferença, o relativo, o heterodoxo, para que de facto aconteça a multiculturalidade, o pluralismo ideológico, o diálogo ecuménico, a autonomia individual; onde triunfe o "pensamento débil" (Gianni Valtimo), capaz de permanente aprendizagem, como os "pobres de espírito" de que Jesus nos fala; onde a solidariedade se confunda com a desconstrução de um mundo em que a dignidade da pessoa humana não é anterior ao Direito.
Que Futuro para o Futuro? Sem os mecanismos do hábito, procuremos responder às velhas perguntas: "Quem somos nós? Donde viemos? Que mundo é o nosso? Para onde vamos?" e tentemos criar a esperança de todos os desesperados, sabendo que não verá a Deus quem não considerar os outros como irmãos, para construir com eles uma verdadeira "comunhão dos santos", quero dizer um mundo novo!
3. A resposta do Pastor Manuel Pedro Cardoso
No livro de Apocalipse, uma das partes mais difíceis da Bíblia, o vidente descreve uma visão na qual o centro é "um livro, colocado na mão direita do Senhor, escrito por dentro e por fora, selado com sete selos" (5, 1). A visão do livro, que no tempo se apresentava sob a forma de rolo, tem sido interpretada de diversas maneiras, podendo comunicar a ideia de um testamento que só Cristo pode abrir para revelar o seu conteúdo e, portanto, a visão pode dizer isto:o livro fechado com sete selos, sendo sete o símbolo da totalidade, é o livro que esconde o futuro. Ninguém pode saber o que é o futuro. Como diz o aforismo: o futuro pertence a Deus.
O futuro que nestes dias de 2002 podemos prever é o mais sombrio: o terrorismo de 11 de Setembro de 2001 deu a George W. Bush o pretexto de tomar nas suas inábeis mãos de cowboy o facho que vai lançar fogo no mundo e espera-nos, nessa perspectiva lógica, uma inesperada guerra religiosa do Islamismo contra o Cristianismo, mesmo que o grosso do mundo ocidental não tenha convicções cristãs e os islâmicos em guerra santa deturpem no ódio a sua religião.
Mas se não podemos deitar-nos a tentar descobrir qual será o futuro os mais negros prognósticos têm de ser tomados numa mão, para agir em conformidade, ao mesmo tempo que, na outra mão tomamos o sonho, a utopia, do que preferimos como futuro. Desejar um futuro com sinceridade e coerência é já no presente darmo-nos para que o sonho se faça vida. Como disse Sebastião da Gama, "pelo sonho é que vamos".
Uma Igreja unida e plural
Como cristão, começo por sonhar teimosamente um futuro em que os cristãos vencerão a tentação do domínio e interiorizarão, finalmente, que seguir a Cristo é antes de tudo servir como ele serviu (o que significa amar como ele amou) e abandonem a visão imperialista da uniformidade. No futuro que temos de desejar fortemente, as diferenças de crenças, estruturas de Igreja, ministérios e modos de adorar a Deus não serão vistas como confusão e justificação para polémicas e lutas, mas como condição natural de uma mensagem destinada a ser autenticamente universal para todos os homens e mulheres, de todas as raças, de todas as latitudes, de todas as tradições. Sonho que apesar de todos os fracassos, o diálogo ecuménico far-nos-á perceber que Deus não está lá em cima entre as nuvens, mas é o Deus próximo, o Deus connosco, que mostrou o seu rosto em Jesus Cristo e quer fazer um céu e uma terra novos com os homens.
No futuro do futuro, a religião da simonia, da superstição e do obscurantismo, opressora dos homens e das mulheres, será lançada nos lugares desertos onde gemem os chacais, e ninguém mais dirá, com razão, que a religião é o ópio do povo, porque o que ficar da re-ligação dos homens a Deus e de uns aos outros, será cântico de libertação e de júbilo. Então se cumprirá a palavra que diz: "Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do Senhor!" (Salmo 122)
O futuro será feliz, se os que se dizem de Deus o disserem com vidas fraternas e com justiça, defendendo especialmente o pobre e o oprimido, sem discriminação de religião, de ideologia ou de raça.
Um mundo solidário
Sonho um futuro em que se pratique, a nível dos governos, uma política de solidariedade autêntica. A experiência parece provar de forma clara que a adopção de uma economia de mercado pode coexistir e talvez seja mesmo condição necessária com uma sociedade de amplas liberdades democráticas. Tendo-se uma concepção realista do ser humano, que não coincide com a antropologia optimista de Jean-Jacques Rousseau, ate há pouco muito difundida na esquerda tradicional, compreende-se que a ideia do lucro pode desempenhar um papel dinamizador na economia. A partilha e a igualdade não nascerão por decreto nem se imporão pela força, mas crescerão gradualmente numa sociedade solidária. Sem concorrência, as fábricas socialistas não se renovaram, não descobriram novas tecnologias, não contribuíram para tornar mais fácil a vida. Sem concorrências, sem oposições, os regimes de partido único perverteram-se, anquilosaram-se e criaram desumanidade. É urgente a mudança no pensamento da esquerda.
O mais importante é que a política do futuro seja inequivocamente de solidariedade, isto é, que a sociedade seja vista como um todo em que cada cidadão tenha assegurada a sua existência com dignidade. E nos sintamos responsáveis uns pelos outros. O Estado avançado, digno do homem evoluído, é aquele que é dirigido democraticamente e que se responsabiliza pelo bem estar, dignidade e liberdade de todos os cidadãos. Deve ser ele a velar pela ordem interna e externa, com polícias e forças armadas; a criar as condições para que a saúde seja acessível a todos e a velhice seja vivida com dignidade e protecção. É falso que "menor Estado, seja melhor Estado". O Estado tem de ser forte e envolver mais e mais a participação dos cidadãos. As ameaças que se fazem hoje à Segurança Social e a repetição teimosa de que o Estado não "tem vocação" para, por exemplo, gerir hospitais ou cobrar portagens é o cântico da sereia de um neoliberalismo que está a arruinar os países. A obsessão das privatizações reflecte preguiça mental ou, pior ainda, é reflexo disfarçado de oculta corrupção de políticos ao serviço de interesses privados.
O Estado tem a vocação que lhe quisermos dar e tem, acima de tudo, a obrigação de promover a produção e levantar impostos progressivos, para que, no uso desses impostos, se assegure a todos as condições para viverem até ao fim dos seus dias com dignidade. E olharem para o futuro deles e dos seus com tranquilidade.
Um futuro fraterno
O futuro que merece a pena sonhar tem de ser um futuro em que nos sintamos mais irmãos uns dos outros. Não só irmãos uns dos outros se somos brancos e portugueses; mas homens e mulheres de todas as raças e de todas as nacionalidades. É por isso que apoio com força um neologismo como este do Padre Mário de Oliveira, "fraternizar". É preciso criar fraternidade, destruindo barreiras, combatendo injustiças, destruindo preconceitos, promovendo o diálogo entre as diversas correntes de pensamento filosófico, religioso, político. Um futuro em que a ONU tenha um papel verdadeiro e respeitado, com nações-membros de direitos e deveres iguais. Sonho com uma globalização fraterna que ultrapasse conceitos nacionalistas medíocres e respeite as características de cada cultura.
No futuro que sonho o que considerarmos obscurantismo não será atacado com auto-proclamados vanguardismos, mas quem se julgar com luz limitar-se-á a acendê-la, confiando na força da mesma luz.
No futuro do futuro? O livro fechado com sete selos continua na mão daquele que está sentado no trono. O livro de Apocalipse é, acima de tudo, um manifesto para a esperança. Nos dias sombrios em que vivemos e lutamos sabemos que o mundo novo já está no meio de nós, ainda em semente na nossa esperança, mas inexoravelmente em devir. "Não há machado que corte a raiz ao pensamento", dizia o poeta num tempo lindo que perdemos, mas havemos de recuperar.
4. A resposta do Pe. Manuel Dias
Quando olho para a sementeira que fiz, já posso ver um pouco a colheita.
Toda a vida se passa num presente que abarca a carga dinâmica do passado e o desejo utópico para os dias de amanhã. Não será isto já ressurreição?
Sei que a vida não acaba com o meu funeral nem com o dos outros. Ela, a vida, transforma-se sempre. Sente-se. A mudança que procede o funeral é para nós, os ainda vivos, de contornos desconhecidos. Será a sequência do já experimentado em moldes diferentes.
A riqueza humana de cada um é carregada de energia invencível (saúde, inteligência, amor) que nos faz avançar como "vendo já o invisível".
E a Igreja? Sim, esta Igreja que me recebeu e me ajudou e que eu ajudo?
A orgânica desta Igreja é obra de homens. É histórica e geográfica, tem frutos seculares: é, todavia, efémera.
O REINO DE DEUS, já (e desde há muito) em construção, é obra exclusiva de Deus. Tem futuro. É futuro.
Os que eram Igreja há 90 anos fizeram-na no seu tempo e país. Hoje somos nós que a fazemos caminhar (sempre a caminhar) para as coordenadas do REINO.
Sei que os valores do REINO expressos em tantas comparações que conhecemos como pontos de partida e apelos a caminhar existem em todas as pessoas.
Esses valores são desejos profundos do ser humano e não apenas conselhos, apelos, mandamentos do nosso DEUS.
Mas isso mesmo (aspirações profundas) é já obra permanente de DEUS a cada um de nós. Tomar consciência desta imanência é parte do trabalho fraterno e amigo de cada um de nós.
Estes valores são tão atraentes que as mulheres e os homens que viverem daqui a décadas vão ter, sentir, o desejo de concretizar nas suas vidas estes valores em liberdade, alegria, proveito próprio; e social? Sem dúvida.
É obra colectiva e conflitiva. Porquê?
Temos cá dentro desejo de ser grande, dono, patrão. Temos de lutar pela fraternidade. Só esta justifica chamar PAI ao do céu.
Sei, porque o experimento, que isto não é teoria, mais bem ou mais mal exposta; isto é vida na vida de tantos e tantas que conheço.
O futuro está presente. É vida.
Concretiza-se em tantos lugares e pessoas e é indestrutível.Cacia 25.09.2002
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IGREJA/SOCIEDADE
Um caso concreto que é revelador dos crimes causados por certas catequeses eclesiásticas
Com o medo do inferno, infernizava a sua casa
No primeiro Domingo de Novembro último, quando as populações tinham acabado de andar pelos cemitérios atrás de nada (se as pessoas não crêem na ressurreição dos mortos, então os seus familiares e amigos que já morreram não existem mais e nas campas e jazigos não está nada, nem restos, e, se alguma coisa ainda resta, tem que continuar lá muito bem enterrada, para não vir empestar o ar que respiramos; se as pessoas crêem na ressurreição dos mortos, também não encontram nada nas campas e nos jazigos, uma vez que para Deus não há mortos, só vivos, ressuscitados por Ele, no mesmo instante em que morremos), desloquei-me de combóio à cidade de Coimbra. Fui almoçar a casa duma família, cuja mãe sofre horrivelmente com medo do inferno e que, por isso, tem feito da sua casa o pior dos infernos.
Há mais de um ano que tenho conversado, múltiplas vezes, com ela, pelo telefone, sempre que ela se sente mais em baixo e me liga na sua aflição e no seu tormento. Tento, nestas alturas, tirar-lhe o "demónio" do medo do corpo, sobretudo, da consciência, mas não tem sido nada fácil, que ele está lá alojado há muitos anos e já destroçou grande parte do seu tecido psíquico.
Quando fala comigo, a senhora quase sempre chora convulsivamente, reconhece que a sua vida é um inferno e que inferniza toda a sua casa. E lá me volta a reproduzir, mais uma vez, todas aquelas catequeses da infância; fala-me dos catecismos de então, onde o diabo aparece pintado de cornos, cauda, dentes pontiagudos e forquilha, feio e horroroso quanto baste, onde o inferno é assim como uma incomensurável incineradora, não de lixo, mas de almas de mulheres e de homens que terão morrido em pecado mortal, com uma duração sem fim, eterna, e no qual todas elas estão condenadas a arder sem jamais se consumir!
Eu bem lhe digo que tudo isso não corresponde ao Evangelho de Jesus, que são patranhas e fantasias de clérigos sexualmente reprimidos e castrados por uma lei de celibato que hoje já quase toda a gente católica e não católica reconhece que é desumana, mas que o actual papa, que tantos santos tem fabricado e continua a fabricar, entende que é a única maneira de continuar a garantir a existência de homens que conservem puras as suas mãos para poderem tocar no corpo de nosso senhor (há os dramáticos casos dos padres pedófilos, mas isso é para esquecer quanto antes, quem sabe se não são casos até inventados pelos inimigos da Igreja, pelo menos empolados são de certeza, garantem as beatas católicas que também não deixam de rondar os altares todos os dias, cujas toalhas elas mantêm limpas e engomadas, sob jarras de flores as mais vistosas e as mais caras, ou as imagens dos santos e das santas não sejam ferozmente exigentes, nada que se compare àquelas pessoas pobres idosas e acamadas, algumas invisuais e incontinentes, que apodrecem nas enxergas dentro de barracos a que chamamos casas, e para as quais elas, as beatas católicas, nunca encontram tempo para visitar, menos ainda para cuidar!).
A senhora ouve-me com visível satisfação, pouco depois já está a dizer comigo, finalmente ri-se comigo, promete-me que vai começar a passar regularmente pela cabeleireira, que vai vestir a sua melhor roupa e convidar o marido para dar passeios a pé com ela pelos bonitos jardins públicos da cidade, promete-me que vai passar a olhar com prazer para as aves do céu, que vai deliciar-se com os seus chilreios, contemplar toda a beleza duma pétala de flor, fixar com ternura e comoção os rostos dos outros homens e das outras mulheres, seus irmãos e suas irmãs, demorar-se a contemplar as crianças que brincam ao ar livre, numa despreocupação que tem tudo de intensa ocupação, própria de gente feliz e nada assustada.
Mas a verdade é que, algum tempo depois, os pesadelos voltam a atacá-la, tanto de dia como de noite, sobretudo quando ela, desorientada, diz que não quer ver ninguém, tranca-se sozinha no quarto, com as portadas das janelas de dentro fechadas para impedir a luz de entrar, enfia-se na cama, vestida pela noite que ela própria criou, em pleno dia, não porque isso lhe dê gozo, mas porque é noite o que ela, há anos, mais carrega dentro dela. Uma noite atravessada por labaredas de fogo, as labaredas do inferno que os clérigos católicos e outros dirigentes religiosos criaram e prega(ra)m como se fosse a realidade das realidades, a realidade mais real, e não uma sádica ficção produzida pelas suas mentes reprimidas e pelos seus corpos sexualmente castrados, estilo, Já que não nos deixam saborear todas as dimensões e todos os saudáveis prazeres da vida humana, havemos de infernizar a vida de todas as outras pessoas que caírem na patetice de nos darem ouvidos e teimarem em andar ao nosso redor, como se fôssemos seres de outro planeta, e não pobres bonecos articulados totalmente à mercê de bispos e de papas, também eles, reprimidos, mas sublimados em funções de poder absoluto, donos e senhores da Igreja, com toda a gente que ainda se mantenha infantilizada e assustada a obedecer-lhes cegamente, a sustentá-los e a saudá-los como se fossem deuses na terra, e deuses são, certamente, mas deuses-Diabo, ídolos, já que Deus só há um, Aquela/Aquele que se nos revelou definitivamente em Jesus crucificado/ressuscitado, e que está aí não para ser servido/adorado/cultuado por nós, mas apenas para nos servir e nos potenciar até à plena estatura de seres humanos irmãs e irmãos universais de todos os outros seres humanos e de toda a criação.
Quando, no último telefonema que me fez, eu disse à senhora que queria ir comer a casa dela, com a sua família, operou-se nela uma inesperada transformação. A notícia soou tão boa aos seus ouvidos e ao seu coração, que ela parece ter nascido de novo. "O padre Mário vem a minha casa, conhecer a minha família e comer com a gente?" A pergunta era de quem nem queria acreditar que esta possibilidade ia tornar-se realidade. Pelos vistos, ela sempre desejou que isso acontecesse, mas nem se atrevia a sugerir. De modo que, quando eu avanço com a proposta, a alegria dela foi tão grande, que todos os medos do inferno saíram espavoridos do seu corpo e dissolveram-se no nada, que é o que sempre deve suceder a todos os medos.
Por mim, não percebi logo, nem o tamanho do seu espanto e da sua alegria, nem o porquê. Mas depressa lá cheguei, com o prosseguir da conversa. Para ela, desde que me encontrou do outro lado da linha do seu telefone e depois das leituras que fez dos meus últimos livros, nomeadamente, Que fazer com esta Igreja?, Fátima nunca mais, Nem Adão e Eva, nem pecado original e Em Memória delas. Livro de mulheres, eu passei a ser um padre-sacramento-de-Deus-Amor-e-Liberdade, que lhe tem anunciado o Evangelho da libertação para a liberdade, a Boa notícia libertadora de Deus, que tantos outros padres, meus colegas, têm infelizmente pervertido e transformado em Má Notícia, senão mesmo, na pior das notícias.
Por isso, ir a sua casa, sentar-me à sua mesa com a sua família, o esposo e duas filhas já adultas mas ainda solteiras, comer da comida que ela habitualmente confecciona, quando consegue ter mais ou menos controlado o medo do inferno, era para ela a graça das graças, era a verdadeira Eucaristia que ela nunca teve, pois sempre topou, em seu lugar, com missas ritualizadas, rotineiras, uma estopada de todo o tamanho, onde nem sequer têm faltado homilias nas quais, ao que ela testemunha, muitas vezes volta a ser aterrorizada com sádicas e actualizadas referências ao inferno, para onde Deus palavra dos padres celebrantes enviará as almas de todos os que praticam pecados mortais e que venham a morrer sem antes se confessarem com arrependimento!
A minha chegada lá a casa foi uma festa. Daquelas festas que rebentam dentro da gente e nos soltam e libertam, nos transfiguram e plenificam, nada daquelas festas estúpidas que nos estupidificam, nos alienam, nos reduzem a coisas, muito abaixo de animais.
Experimentamo-nos, desde esse instante, misteriosamente do mesmo sangue, da mesma família, mas uma família aberta aos demais, numa comunhão em que ninguém amarra ninguém, em que cada uma e cada um se sabe Dom para todos os outros e para todas as outras.
A comida confeccionada e partilhada não podia ser mais frugal e singela. E a mesa, à volta da qual todas e todos nos sentámos em verdadeira igualdade, foi verdadeira mesa, não altar. Altares, só mesmo os deuses é que gostam deles e os reivindicam, porque é aí e daí que todos eles e os seus sacerdotes se afirmam contra nós, seres humanos, obrigados a dobrar os joelhos diante deles e a rastejar como bichos, sem dúvida, a maior das indignidades à qual as religiões têm submetido os seres humanos.
Da mesa só saímos, quando, perto das 17 horas, eu tive que voltar à estação da cidade para tomar de novo o combóio de regresso a casa. Tal como Jesus, que nunca esteve por trás de nenhum altar, a presidir como sacerdote, a um acto de culto, pelo contrário, sempre esteve sentado à mesa de múltiplas casas, a participar em comidas, nas quais, durante horas, se partilhava o Pão e a Palavra e se crescia em autonomia e liberdade, assim nós neste Domingo primeiro de Novembro de 2002.
Também na casa desta família de Coimbra a sala de jantar foi espaço onde a libertação aconteceu. Por isso, a comida partilhada foi naturalmente Eucaristia, como foram eucaristias todas as comidas que Jesus partilhou, no desempenho da sua missão de Libertador (= messias) universal. Foi o espaço e o momento em que nascemos do Alto, em que se abriram os nossos olhos, em que a nossa inteligência se iluminou, em que se rasgaram os céus e o Espírito Santo desceu sobre nós e nos consagrou como filhas e filhos bem amados de Deus Mãe/Pai.
Todos ouvimos e dissemos a Palavra que nos liberta dos medos, nos humaniza em plenitude e faz de nós irmãs e irmãos universais. Percebemos com muita nitidez que os únicos "Lúcifer", de que sempre nos havemos de precaver, são os de carne e osso, nomeadamente, aqueles homens (hoje também algumas mulheres) que deixam de o ser, para, como George W Bush dos EUA, serem funcionários-mor do Sistema, do qual recebem o poder para oprimir e matar em nome de deus ou da pátria, ou da segurança, ou do bem-estar de alguns, numa palavra, todos esses novos ídolos que hoje inventamos e adoramos, sem nos apercebermos que nos oprimem, desumanizam, alienam e devoram.
Percebemos igualmente que Deus, o que se nos revelou definitivamente em Jesus de Nazaré, é o destruidor de todos os infernos que o Sistema e os seus funcionários-mor estão aí apostados em criar. Para, desse modo, acabar por recuperar/recriar todas as pessoas, inclusive aquelas mesmas que o Sistema apanhou para o servir e logo transformou em funcionários-mor desumanizados e desumanizadores, tão cheios de privilégios sem conta como de crimes, os mais horrendos, verdadeiros possessos do Mal, estúpida e infantilmente ao serviço da destruição da criação em geral e da vida humana em especial.
Quando me despedi, já junto do combóio que havia de me trazer de regresso ao Porto, todos os nossos rostos eram de felicidade, de paz, de alegria, de liberdade. Porém, o mais belo de todos era sem dúvida o rosto daquela mulher-mãe que, todos estes anos para trás já soma mais de sessenta de vida viveu torturada pelo inferno que catequeses terroristas católicas criaram e mantiveram até um passado recente e nas quais criminosamente insistem, ainda hoje, quando em Fátima, por exemplo, e noutros lugares de culto idolátrico em honra de deusas e de deuses, induzem as populações com problemas a repetir até à náusea e ao vómito, a pseudo-oração, "O meu Jesus perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu, principalmente as que mais precisarem".
O rasgado sorriso com que ela me abraçou e beijou evangelizou-me ainda mais fundo e confirmou-me como presbítero da Igreja, na missão de evangelizar os pobres, longe dos templos e dos altares, espaços físicos próprios de deuses e de deusas que alienam, oprimem, ameaçam e, finalmente, roubam a alma ou identidade de quantas e de quantos ainda persistem na asneira de os frequentar! Mas próximo, muito próximo das pessoas, nomeadamente, das mais pobres e das mais oprimidas, as quais, pior do que o publicano da parábola lucana, nem se atrevem a entrar nos templos, menos ainda, se atrevem a aproximar-se dos altares.
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Cónego Melo: Venha daí a estátua!
Como a História costuma ser escrita pelos vencedores, as estátuas que venham a erguer-se nas cidades só podem ser dos vencedores, isto é, dos carrascos ou verdugos, nunca das suas inúmeras vítimas.
É por isso que eu até nem sou muito por aí além contra o monumento de oito metros de altura, estátua incluída, que certa Comissão de homenagem ao Cónego Melo parece determinada em erguer na cidade que, nos idos da hoje moribunda Cristandade católica, foi de influentes e temidos arcebispos e de cónegos.
É bom que os pobres e os desempregados, os reformados com pensões de miséria e todos os excedentários mulheres e homens desta (des)Ordem neoliberal que nos asfixia por todos os lados, saibam com clareza quem são os seus carrascos, quem são os seus verdugos.
Afinal, os vencedores sempre se reconhecem uns aos outros, apoiam-se uns aos outros, homenageiam-se uns aos outros. São todos cúmplices, na fabricação de vítimas humanas. Todas as suas obras revelam bem quem eles são. Como as árvores, também eles se conhecem pelos frutos que produzem.
Depois de passarem a vida inteira a explorar, a mentir, a enganar, a atraiçoar, a roubar e a matar a vida dos pobres e dos povos, os vencedores ainda têm o despudor de inventar homenagens como esta ao cónego Melo, por sinal, uma homenagem já com um certo sabor a festa fúnebre. Com elas, os vencedores pretendem esconder o que sempre foram. Atiram poeira aos olhos dos pobres e dos povos, suas vítimas, para que eles não cheguem a ver o que eles são e possam pensar que afinal eles até são boas pessoas, benfeitores de primeira grandeza.
Só que o tiro sai-lhes pela culatra. As homenagens dos vencedores têm sempre uma assinatura: a deles. E esta sempre se escreveu e escreverá com o sangue das suas inúmeras vítimas. Por isso, tais homenagens sempre foram e serão um insulto aos pobres e aos povos.
Por mim, venho aqui dizer, neste "Jantar contra o esquecimento", que se querem erguer uma estátua na cidade de Braga ao cónego Melo, pois que ergam. Porque assim, todas as suas vítimas, dele e dos seus poderosos acólitos, bem como todos os pobres e os excluídos deste país, sempre que tiverem de passar por perto dela, terão oportunidade de cuspir para o chão, ao mesmo tempo que poderão juntar, a este seu gesto de desprezo, alguns daqueles palavrões bem portugueses, que valerão como outros tantos populares exorcismos contra o esquecimento. Desse modo, nunca mais esquecerão quem os oprimiu e oprime, quem lhes mentiu e mente, quem os roubou e rouba, quem os excluiu e exclui.
E quem sabe se, depois, num assomo de dignidade pessoal recuperada, eles não saberão, duma vez por todas, assumir a inabalável decisão de nunca mais consentir que os poderosos clérigos e seus acólitos metam o nariz nas suas vidas de cidadãs e de cidadãos, de filhas e de filhos de Deus, esse mesmo Deus que não gosta de cónegos nem de hierarquias de nenhuma espécie, menos ainda, hierarquias de Igrejas que se reclamam do nome de Jesus de Nazaré, o Cristo.
Meu caro irmão Eduardo Melo, presbítero da Igreja católica que está em Braga:
Sabes bem que, como cristãs/cristãos, somos discípulos de um Crucificado. A esta luz, a estátua que te querem erguer, ainda em vida, está nos antípodas da Cruz, onde o Nosso Senhor Jesus Cristo foi levantado, por nunca pactuar com os fabricadores de vítimas humanas, nem admitir jamais que o santo Nome de Deus desse cobertura a hediondos crimes de lesa-humanidade. Ora, se foi na Cruz que Jesus de Nazaré acabou consagrado para sempre como o Cristo, a estátua que te querem erguer na cidade de Braga só pode consagrar-te como o seu contrário, portanto, uma espécie de anti-Cristo!
Vê então, meu irmão, quem são os que mais te têm acompanhado ao longo da vida e o que lhes tens feito e ensinado, como presbítero ordenado da Igreja católica. Se os tivesses evangelizado é esta a nossa prioritária missão, para não dizer, a única, como presbíteros da Igreja de Jesus certamente nunca eles se iriam lembrar de te erguer uma estátua. Nem, agora, nem depois do teu passamento definitivo, a tua páscoa.
Convido-te, por isso, a parar um instante, ou uns dias, a pensar no que aqui te digo, desde esta Ceia contra o esquecimento, onde tu não vieste, mas onde estás a ser bem lembrado e nomeado. E tem a audácia de arrepiar caminho!
A terminar, deixo-te com aquelas veementes palavras que o Evangelho de Lucas (6, 24-26) não hesita em colocar na boca de Jesus de Nazaré e que mais parecem uma espada de dois gumes:
Mas ai de vós, os ricos,
porque recebestes a vossa consolação!
Ai de vós, os que agora estais fartos,
porque haveis de ter fome!
Ai de vós, os que agora rides,
porque gemereis e chorareis!
Ai de vós, quando todos disserem bem de vós! Era precisamente assim que os pais deles tratavam os falsos profetas.
Cidade de Braga, 18 Outubro 2002-10-20.padre Mário.
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