Textos do
Jornal Fraternizar |
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Edição nº 152, de Janeiro/Março 2004 | ||||||||||||||||||||||||
Destaque Resultados do Inquérito aos Assinantes do Jornal Fraternizar
Saiu finalmente o livrinho Inquérito aos assinantes do Jornal Fraternizar, edição da Reitoria do Santuário de Fátima. O livrinho, de 77 páginas, contém a troca de correspondência entre o Reitor do Santuário e o Director do Jornal Fraternizar, a reprodução de um exemplar em branco do inquérito enviado aos assinantes, e dados e reflexões sobre as respostas apuradas, da responsabilidade da Escola Superior de Educação de Leiria, nas pessoas dos docentes Maria da Graça Mouga Poças Santos e Rogério Paulo Pais da Costa. O assunto foi mesmo notícia em alguns dos grandes jornais diários, por ocasião da peregrinação do 13 de Outubro passado ao santuário de Fátima. O que se lamenta é que tenha sido uma notícia não totalmente objectiva, já que se limitou a divulgar a tendenciosa interpretação que o Reitor do Santuário fez dos resultados do Inquérito. Fica aqui, por isso, uma leitura-interpretação outra dos resultados, bem mais conforme à verdade dos números e dos factos.
Dos 2.700 inquéritos enviados a outros tantos assinantes, responderam apenas 296, e destes, a maioria homens (67,9%), com idade superior a 50 anos (73,8%), com grau académico de nível universitário (56,5%), habilitados com cultura religiosa de nível superior (45,5%) e que, desde 1990, visitam Fátima uma ou duas vezes por ano (44,6%). Estes dados, só por si, levam o Jornal Fraternizar a concluir com segurança conhecemos bem quem e quantos são os assinantes com grau académico de nível universitário e formação teológica de nível superior que recebem o Jornal em suas casas que a maioria dos poucos assinantes que se deram ao incómodo de responder ao inquérito só pode ser constituída por párocos, bispos e frades portugueses. Não admira, por isso, que a maioria desses poucos que responderam se confesse crente em Fátima e devota de Nossa Senhora. Mas este é então um resultado nada abonatório para o senhor Pe. Luciano Guerra e seus capelães que, em Agosto de 2001, decidiram desafiar o director do Jornal Fraternizar para esta aposta, certamente, na previsível convicção de que era uma aposta perdida para o Pe. Mário e uma aposta ganha para a Reitoria do Santuário. Porém, como a esmagadora maioria dos assinantes a quem o inquérito foi enviado exactamente 2.404 num universo de 2.700 nem sequer se deu ao trabalho de lhe responder, isso quer dizer que também não aceitou embarcar na Cruzada ou Guerra Santa que o Reitor do santuário habilmente tentou fomentar contra o Jornal Fraternizar e contra o livro Fátima nunca mais, da autoria do seu director. Por tudo isto, bem se pode dizer, sem qualquer hesitação, que o senhor Pe. Luciano Guerra perdeu a sua aposta. E mais: Sem querer, acabou até por fazer invulgar propaganda não só ao Jornal Fraternizar, como também ao livro Fátima nunca mais, neste momento, já na 11.ª edição. Infelizmente, da correspondência trocada entre o Pe. Luciano Guerra e o Pe. Mário, o livrinho já não divulga a penúltima carta que o Pe. Mário enviou ao senhor Pe. Luciano Guerra, e na qual ele se pronuncia, a pedido deste, sobre o projecto de publicação dos resultados do Inquérito. Teria sido justo fazê-lo, ao menos em forma de post-scriptum, até como contraponto ao texto de apresentação do livrinho, manifestamente tendencioso, da inteira responsabilidade do Pe. Luciano Guerra. Mas o Jornal Fraternizar não deixa de reconhecer que era, sem dúvida, pedir demais ao eclesiástico católico que, há trinta anos, está à frente do Santuário de Fátima e tão relevantes serviços tem prestado à oligarquia da nossa Igreja, não infelizmente à causa do Evangelho de libertação da Humanidade. As leitoras e os leitores do Jornal Fraternizar podem conhecer, agora na íntegra, essa carta, bem como uma outra carta, mais curta, que o pe. Mário entendeu enviar ao mesmo senhor Reitor do Santuário, a acusar a recepção dos dois exemplares do livrinho que ele teve a amabilidade de lhe remeter pelo correio (ver textos autónomos, p. 4).
Quem ler a apresentação do livrinho, bem como a troca de correspondência entre o Reitor do Santuário e o Director do Jornal Fraternizar, depressa concluirá que tanto o nosso Jornal, como o livro Fátima nunca mais, têm feito muita mossa nos que estão à frente daquele local de "peregrinação" nacional e internacional. Eles insistem em dizer que Fátima é um local de fé. O Jornal Fraternizar, pelo contrário, prefere sublinhar que é o local número um do obscurantismo, de onde a lucidez humana está praticamente ausente. E, se dúvidas houvesse, bastaria pararmos um pouco e pensarmos se alguma vez podemos imaginar Jesus a peregrinar a pé ou de carro para aquele local? E mesmo que ele fosse até lá, alguém poderá imaginar que ele iria como devoto da imagem de nossa senhora de Fátima, como tem feito o papa João Paulo II? Não iria, pelo contrário, com o chicote na mão, como foi outrora ao Templo de Jerusalém, aonde, a pretexto do santo nome de Deus, as multidões eram sistemática e vilmente oprimidas e exploradas até deixarem lá, no tesouro, o último cêntimo, como aconteceu com aquela viúva pobre de que nos fala o Evangelho? E não foi por ter presenciado um escândalo desses que Jesus denunciou um tal local como covil de ladrões? Mas que diferença faz o santuário de Fátima hoje do Templo de Jerusalém, do tempo de Jesus? Ora, a mossa que o Jornal Fraternizar e o livro Fátima nunca mais têm feito aos responsáveis do santuário vê-se à légua, tanto no texto de apresentação do livrinho, expressamente escrita para esta publicação, como também na primeira carta que, em Agosto de 2001, o mesmo sacerdote do santuário endereçou ao Director do Jornal Fraternizar, a propor-lhe a realização do inquérito a todos os assinantes, com a garantia de que faria acompanhar o respectivo formulário duma oferta a cada um deles dos dois volumes das chamadas Memórias da Irmã Lúcia (como se sabe, dinheiro para gastar é coisa que nunca faltou ao senhor Reitor do Santuário. O que espanta é que, mesmo assim, com tantos meios financeiros ao seu dispor,Portugal e o resto do mundo continuem ainda tão pouco fatimistas. É o próprio Reitor quem, inadvertidamente, o reconhece, quando escreve na primeira carta ao pe. Mário que, em cada ano, passam pelo santuário à volta de quatro milhões e meio de pessoas, entre turistas e devotos. O que é manifestamente pouco, num universo populacional de mais de seis mil milhões de pessoas!). Atentem como começa o texto de apresentação do livrinho e digam lá se não temos razão: O jornal «Fraternizar» é uma publicação trimestral dirigida pelo Padre Mário de Oliveira, cuja apresentação parece desnecessária por se tratar de uma pessoa bastante conhecida: antes do 25 de Abril, pela sua oposição ao regime do Estado Novo; em anos recentes, pelo seu persistente e duro combate contra Fátima, contra a hierarquia católica, contra o modo de relação da Igreja com os poderes económico, social e político (desde o imperador Constantino!), contra muitas expressões de piedade ou religiosidade popular, e contra alguns dos mais essenciais fundamentos da doutrina católica. Pessoalmente revela logo a seguir o senhor Pe. Luciano Guerra não leio o jornal «Fraternizar», a não ser quando me chamam a atenção para alguma posição mais extrema, como aconteceu recentemente em duas ocasiões: uma carta aberta do seu director ao Senhor Cardeal Patriarca, e uns versos de ódio demolidor, tudo a propósito e contra Fátima. Um pouco mais à frente, passa ao ataque pessoal e revela quanto está incomodado com a acção do pe. Mário: Reconheço que uma certa necessidade agónica determina desde o início todos os seres vivos. Nesta compreensão, a minha vontade era deixar em paz o P. Mário, seguindo o parecer de bastantes pessoas que o conhecem de perto. Acontece porém que, tendo o seu livro Fátima nunca mais atingido o significativo número de dez [sic] edições, tendo-o algumas televisões guindado às alturas de figura mediática, lavrando grande confusão nalguns telespectadores pelo facto de ele persistir em usar o título de padre católico, e sendo claro que ele acaba por pôr em questão a honestidade básica dos responsáveis do Santuário de Fátima, em que me incluo desde há trinta anos, pareceu aos respectivos capelães que, como meio de processo de diálogo, poderia ser útil tentar um contacto com os seus leitores [e leitoras], sob a forma de inquérito, pelos motivos, fins e método que adiante aparecem. Os ataques ao Pe. Mário são ainda mais violentos e insultuosos na primeira carta que lhe dirigiu, certamente, na esperança de o desmoralizar e, porventura, levar a recusar a proposta que lhe fazia, para depois poder dizer que o director do Jornal Fraternizar teve medo da aposta. Se assim era, enganou-se, porque o pe. Mário, na sua resposta, felizmente, não só não esboçou a mais pequena defesa pessoal contra tais ataques, como também não hesitou em aceitar a proposta que lhe era feita à mistura com esses insultos. Eis aqui algumas das afirmações dessa carta que pretendem pôr em causa a originalidade presbiteral do pe. Mário dentro da Igreja católica, em lugar do seu autor, o senhor Pe. Luciano Guerra, se deixar interpelar/questionar por ela: "Referindo-se a Fátima e à Igreja, o P. Mário fica-se pela violência verbal, e graças a Deus que não dá sinais de querer conduzi-la à realização prática, talvez por coerência com outra convicção - não demasiado ousada? - de que a sua cruzada se situa na linha dos grandes profetas do Antigo Testamento, e do próprio Jesus, estando disposto, como eles, a tornar-se vítima do poderio eclesiál, ou do «ostracismo eclesiástico» (149. 14). Diríamos que é o senhor quem se deixa possuir pela «mística de morte» que atribui, como crime da Igreja, aos videntes de Fátima (77)." E mais adiante: "A minha tímida explicação para a força de todos os radicalismos está aí, em qualquer gene, ou mal formado ou sobretudo maltratado, da estrutura psíquica, mais afectiva que cognitiva; talvez qualquer carência de auto-realização que desde a infância procure frustradamente, revoltadamente, «vingar» o incómodo, a afronta, a «injustiça» de não se ter nascido como se queria, ou de não se ter recebido aquilo a que se tinha «direito». O sub-consciente irrompe-nos à tona pelos mais subtis artifícios, como as lavas de um vulcão! Sabe que há tempos um nosso colega, que o deve conhecer menos mal, me disse que já desde pequeno o P. Mário sonhava com o martírio?! E eu desconfio que, se assim for, nem o senhor saberá porquê. Muito menos saberá por que lhe terá dado para querer ser «martirizado» pela própria Igreja (a Mãe Igreja!) em que foi baptizado e se fez sacerdote..." E quase a concluir a sua longa carta, escreve o senhor Pe. Luciano Guerra: "O senhor pode estar a servir-se da sua propalada liberdade de «não acreditar em Fátima» (9) como pretexto para uma crítica destrutiva contra a autoridade eclesial e a Igreja, no seu todo, e ainda, o que é mais sério, como um envelope de aparente legitimidade, em que se esconde a «bomba» que faz explodir algumas das verdades e práticas mais básicas do cristianismo, que são afinal o núcleo da mensagem e da prática dos peregrinos de Fátima. Núcleo duro, concedo-lhe, mas no qual assenta todo o edifício cristão."
Como vêem, nunca nesta sua carta, o senhor Reitor do Santuário de Fátima se apresenta com a mais pequena dúvida. Ele está certo e o Pe. Mário está de todo errado. Mesmo que se apresente com posições que lhe fazem lembrar as dos antigos profetas bíblicos, ou mesmo as de Jesus, no seu próprio país, essas posições de nada valem. São puro radicalismo, deficiência num qualquer gene, enfim, comportamentos que se explicam com o recurso a uma certa psicanálise de trazer por casa. |
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A carta do pe. Mário que o Reitor do Santuário Não inseriu no livrinho sobre o Inquérito aos assinantes Bom será que do santuário de Fátima Não venha a ficar pedra sobre pedra Senhor Reitor do Santuário de Fátima Meu caro Padre Luciano Guerra
Estive de férias até ontem ao fim da tarde. Encontrei o seu correio à chegada. Apresso-me a responder. Por e-mail, para ser ainda mais rápido.
Li o trabalho que vai ser publicado. Não tenho nada a opor à sua decisão. Desde a primeira hora, disse e volto a repetir: Só estou envolvido nesta iniciativa, inteiramente sua, porque o senhor Padre Luciano Guerra assim o entendeu. Por mim, nunca a tomaria. Mas assim como não me opus a ela, também agora não tenho nada a opor quanto à divulgação dos resultados da mesma. Até lhe agradeço a publicidade que, sem querer, está a fazer ao Jornal Fraternizar que hoje é trimestral, como diz, mas que foi mensal durante os primeiros quinze anos da sua existência legal. Agradeço-lhe também a publicidade que, sem querer, está a fazer ao meu livro FATIMA NUNCA MAIS que vai já na 11.ª edição e não na 10.ª, como refere no seu texto. E que, conforme me diz o respectivo Editor, para lá de ser o livro que há anos se mantém no TOP de vendas da Editora Campo das Letras, é também o livro, entre os vários que a Editora já me publicou, que ainda hoje continua a ser dos mais procurados, por parte das pessoas. Espero bem que, com a publicidade que esta sua iniciativa lhe irá fazer, as vendas prossigam em ritmo ainda mais acelerado, até porque os (magros) direitos de autor (apenas dez por cento sobre o preço de capa sem IVA) que tenho a receber revertem integralmente, assim como os direitos dos restantes, para ajudar à construção do BARRACÃO DE CULTURA de Macieira da Lixa, um projecto quase utópico da Associação Cultural AS FORMIGAS DE MACIEIRA, sediada naquela freguesia do concelho de Felgueiras.
Quanto à sua disposição de entregar este trabalho sobretudo a Nossa Senhora de Fátima, está totalmente de acordo com a sua posição de reitor/sacerdote do respectivo Santuário, onde a imagem desta mítica deusa é cultuada/adorada (por favor, não a confundir com Maria de Nazaré, a mãe carnal de Jesus), mas não está nada de acordo é esta a minha convicção mais profunda de padre/presbítero da Igreja Católica com a melhor Teologia cristã jesuánica que vem desde o próprio Jesus de Nazaré, e que, felizmente, tem sabido resistir às investidas das teologias deístas dos deuses e sobretudo das deusas do Paganismo e do Império, primeiro, do Império Romano e, depois, de todos os outros que se lhe seguiram, sem excluir o mais perigoso e mais eficaz de todos que é hoje o Império do senhor G. W. Bush e da sua demente Administração norte-americana. Como calcula, essa sua disposição só pode despertar em mim um sentimento de tristeza, tanto mais quanto é manifesto que a Senhora de Fátima, a cuja imagem entrega este trabalho, não passa duma mítica deusa cega, surda e muda, como sempre tenho reafirmado nos meus escritos e continuarei a afirmar, também e sobretudo, por amor a Maria de Nazaré, a nossa irmã mais velha na caminhada da Fé cristã e a mãe carnal de Jesus, o Senhor! Desculpe esta minha linguagem assim tão directa e quase rude que aos seus olhos parecerá blasfema, mas creia que é o que eu, animado da Fé cristã jesuánica, honestamente tenho para lhe dizer a propósito.
Não sei se esta minha carta também entrará no trabalho a publicar, mas o senhor Padre Luciano Guerra tem toda a autorização da minha parte para o fazer. Mais: até lhe agradeço que o faça.
Fico na comunhão, apesar da divergência teológica de fundo que nos separa e que é provocada pela sua Senhora de Fátima e pelo seu Santuário que, como o Templo de Jerusalém do tempo de Jesus, bom será que dele não venha a ficar, um dia, pedra sobre pedra, tanto é o mal que tem causado e continuará indubitavelmente a causar às multidões de oprimidos e de empobrecidos de Portugal e do mundo. Um abraço. São Pedro da Cova 8 Agosto 2003. Padre Mário de Oliveira |
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Última carta do Pe. Mário ao Reitor do Santuário de Fátima A verdade do Evangelho há-de vir ao de cima
Meu caro Pe. Luciano Guerra Santuário de Fátima
Acabo de receber os dois exemplares do opúsculo Inquérito aos assinantes do Jornal Fraternizar". O meu obrigado. Já verifiquei que efectivamente não publicou a última carta minha, o que teria sido mais justo que o fizesse, nem que fosse em jeito de post-scriptum. Compreendo o seu constrangimento. Mas a verdade do Evangelho há-de vir ao de cima. Nem que leve séculos ou milénios. Não é verdade que Jesus, o Cristo, é de ontem, de hoje e de sempre? E não é verdade que ele nos garante o Espírito de Verdade que nos há-de guiar para a verdade total? Fátima, por agora, é a grande casa do obscurantismo, o anti-Espírito-de-Deus-em-acção. Dela não ficará pedra sobre pedra. Deixe que a Humanidade progrida na ciência e na sabedoria. E todas estas mentiras em torno de deuses e de deusas serão desmascaradas. Como Igreja, tínhamos obrigação de estar na vanguarda deste feito, uma vez que nos reivindicamos de Jesus Crucificado/Ressuscitado, o Acontecimento maior da História, que mostrou à saciedade quanto são iníquos e perversos os deuses e as deusas. Pelos vistos, preferimos trocar a Fé jesuánica fecundamente libertadora pela idolatria que nos faz escravos. O que constitui um pecado contra a luz, contra o Espírito Santo! Acho, mesmo assim, que o Pe. Luciano Guerra, sem o querer, acabou por prestar um relevante serviço à causa da Verdade do Evangelho com esta sua iniciativa. Quem ler o opúsculo pode sentir-se estimulado a procurar o Jornal Fraternizar e o meu livro FÁTIMA NUNCA MAIS. E partir daí para a verdade do Evangelho. Obrigado, pois. Um abraço fraternal, apesar das divergências. Padre Mário |
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Leia as Memórias da Irmã Lúcia nas entrelinhas e veja como trataram a mãe dela Morreu sem poder ouvir a filha ao telefone
Sabia que nem a mãe da Lúcia acreditou nas chamadas aparições de Fátima? E que, como represália, quando ela estava para morrer, nem sequer autorizaram a filha, entretanto, feita freira à força, a falar com ela ao telefone? Vem tudo nas Memórias da Irmã Lúcia . II, mas contado numa linguagem sacrificialista de arrepiar. Se Deus é como os dois volumes das Memórias no-lO apresentam, é muito mais saudável e digno ser ateu! Leiam extractos deste crime que brada aos céus, cometido em nome da "santa obediência". E depois se quiserem continuar a dizer que Fátima tem a marca de Deus, não deixem de acrescentar que só pode ser o Deus da senhora de Fátima, tão cruel quanto ela!
"Sentindo-se no fim da sua carreira sobre a terra, [a Mãe] escreveu-me uma carta a pedir que, já que ela não podia ir ver-me, fosse eu a dar-lhe o último abraço, que não queria morrer sem voltar a ver-me. Mostrei esta carta às minhas superioras que, não obstante encontrar-me num Instituto de vida activa, disseram-me que isso não podia ser, que escrevesse a minha Mãe, animando-a a oferecer esse sacrifício a Deus. Escrevi ao Sr. Bispo de Leiria, dizendo o que se passava. Sua Ex.cia respondeu-me no mesmo sentido. (...) Em face desta resposta, vendo neles a vontade de Deus, escrevi a minha Mãe, animando-a oferecer a Deus o seu sacrifício, que eu também oferecia o meu por ela, pedindo a Deus que lhe aliviasse os seus sofrimentos. A Mãe, ao receber esta minha carta, disse: - Então nem para assistir à minha morte a deixam voltar a Fátima! Se eu soubesse que era assim, não a tinha deixado ir para aí! Mas ofereço a Deus este grande sacrifício, para que Ele a guarde e ajude sempre a ser boa. E, chorando, inclinou a cabeça, sustentando-a entre as mãos, debruçada sobre os joelhos. Passados não sei bem quantos dias, sentindo aproximar-se o seu fim, pediu a minha irmã Teresa que pusera uma conferência telefónica, fazendo uma chamada, para despedir-se de mim, sequer ao menos por telefone. Minha irmã levou-a para junto do telefone, para não demorar depois a ir buscá-la. Fez a chamada, disse o que pretendia: que viesse a Irmã Lúcia ao telefone para despedir-se da Mãe que se encontrava tão mal, quase a morrer e pedia para, sequer ao menos por telefone, já que não podia ser de outro modo, se despedir da filha, ouvindo o som da sua voz pela última vez. Qual não foi o desaire da minha pobre irmã, quando no telefone ouve um «não», dizendo-lhe que também isso lhe não podia ser concedido. Minha irmã não pôde ocultar à Mãe mais esta negativa, porque ela já se encontrava ali, esperando o momento de pegar no auscultador para dizer-me o seu último adeus sobre a terra. A Mãe, ao ouvir mais esta negativa, disse soluçando: - é a última gota que Deus me reservava no fundo do cálice e que eu havia ainda de beber sobre a terra! Tomo-a por Seu amor! E saboreando-lhe todo o amargor, por amor ao Senhor, passados não sei bem quantos dias, pediu para ser levada para o quarto da sua Lúcia, onde quis terminar o seu exílio. (...) Destes dois últimos pormenores, na ocasião, as superioras ocultaram-mos. Só tive conhecimento, bastante mais tarde, que minha irmã Teresa mos contou, numa visita que me fez. Ainda então, juntámos as nossas lágrimas para oferecê-las a Deus, pelo eterno descanso da nossa Mãe, crendo que Deus a recebeu em Seus amorosos braços de Pai, para levá-la ao Céu, a receber a recompensa de tanto que trabalhou por Ele e bem do próximo, até ao fim da sua carreira sobre a terra. |
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Editorial Entendam-se!
Acabámos de entrar em 2004, em que se completam 30 anos sobre o 25 de Abril-74 que, desta vez, irá ser celebrado com festa rija, feita de muito fado, de muito futebol (pela primeira vez decorrerá no nosso país o tão badalado Euro 2004 que nos fez inaugurar de uma assentada dez novos estádios, bacocamente chamados catedrais!...) e também de senhora de fátima q.b., possivelmente até com transmissões em directo no dia 13 de Maio através do canal público (para que há-de a hierarquia da nossa Igreja católica ter um canal seu, se a RTP deste Governo de direita acaba de ser a última grande convertida ao catolicismo rasca da senhora de Fátima e até tem dado guarida todas as manhãs, ou quase todas, a um padre católico cantador de banalidades como aquela do põe a mão na mão do meu senhor da galileia?). Quem então imaginaria que, trinta anos depois, o país iria estar a ser governado por um primeiro ministro da laia do nosso norteamericanófilo dr. Durão Barroso, nessa altura, frenético jovem maoísta que, agora, só para poder governar estribado numa maioria absoluta, correu logo a coligar-se com o Partido do dr. Paulo Portas, da direita populista e odienta, e todos os dias dá mostras de ser capaz de engolir todos os sapos vivos que este o faz engolir, só para assim se perpetuar vaidosamente no cargo?! E tudo isto sob os auspícios do seu Partido Social Democrata, cujos dirigentes actuais, ao contrário do fundador dr. Francisco Sá Carneiro, dão todos os dias inequívocas provas de acrítico unanimismo em torno do seu chefe, e de incondicional seguidismo das suas políticas sem princípios, só para poderem, eles também, prolongar no tempo os lugares de privilégio que, entretanto, lhes estão garantidos com a criação desta coligação e com a sua manutenção. O país é que sai progressivamente a perder. Para cúmulo, sem que as populações dêem grandes sinais de impaciência. Pelo contrário, parece até que têm pena do Governo e só lhes falta ir, de terço numa mão e de vela acesa noutra mão, em peregrinação até junto do Palácio de São Bento declararem-se prontas a suportar ainda mais sacrifícios, assim lhos peçam, quer aquele ar beato do ministro do Trabalho e da Segurança Social, quer aquele ar ditatorial e assanhado do ministro de Estado e da Defesa, quer aquele ar cruel da ministra de Estado e das Finanças, ou aquele ar adolescente e irresponsável do Primeiro Ministro que parece estar sempre a pedir: Por favor, não me tirem do lugar, que eu gosto tanto de ser primeiro-ministro de Portugal e de me poder passear irresponsavelmente por aí, de telefone sempre ligado ao meu amigo presidente norte-americano, cujas anedotas políticas tanto aprecio e que me garantem esta boa disposição com que sempre me apresento diante das portuguesas e dos portugueses, faça chuva ou faça sol, esteja o país a arder ou a abrir-se em buracos em Lisboa, inaugure novos estádios de futebol ao som de monumentais vaias ou envie soldados da GNR para o Iraque, tenha 500 mil desempregados ou cerca de dois milhões de pobres em 10 milhões de habitantes. E não é que até o Presidente da República, embora portador duma prática política anterior pautada por muito mais honestidade, parece hoje embalado nesta lenga-lenga governativa, feita de ópio, e lá continua cantando e rindo, com uma advertência aqui, outra advertência acolá, mas só para parecer diferente, sem entretanto nada acontecer ao Governo, cujos ministros só caem de podre, precisamente quando as suas práticas governativas, de tal modo escabrosas, são denunciadas pelos media, e eles próprios decidem ir-se embora, não sem antes jurarem sob a sua palavra de honra que continuam inocentes. Só então é que o Primeiro Ministro não se faz rogado e logo ali aceita a demissão, para no dia seguinte assistir sorridente à solene tomada de posse de outro ministro igual ou pior ao auto-demitido de véspera. Não há dúvida, senhoras e senhores: Nunca a política, nestes últimos trinta anos, bateu tão no fundo! Mas não é só o Presidente da República que se deixa embalar pela lenga-lenga de ópio político do Governo. Também os Partidos da Oposição parecem paralisados e impotentes. Interiorizaram a tese populista de que uma legislatura é para ser levada ao fim. E limitam-se a criticar pontualmente esta ou aquela barracada do Governo. Mostram-se muito activos e frenéticos, ao nível do discurso político, mas todos, uns mais outros menos, enfermam duma aflitiva esterilidade. Já perceberam, certamente, que o lugar de Oposição lhes garante privilégios individuais e partidários que de modo nenhum querem voltar a perder. E se parecem eficientes ao nível do discurso crítico, apresentam-se confrangedoramente vazios ao nível das práticas políticas alternativas. O que é fatal para um país de democracia representativa como o nosso. Aos olhos das populações, até os políticos da Oposição comem do mesmo tacho nacional, um tacho que eles não querem deitar a perder, até que chegue o dia em que se tornem maioria absoluta ou parceiro de coligação no Parlamento e, finalmente, Governo. Regressar à condição de cidadão comum, de soldado raso, com salários bem mais baixos e com reformas pequeninas, despojados do prestígio e dos privilégios que o assento no Parlamento lhes garante seria muito duro para eles. E eles já não estão mais para isso. Na verdade, quem dos nossos políticos profissionais está hoje seriamente disposto, por exemplo, a perder os privilégios que o simples estatuto de Oposição lhes garante na mesa política do país? Quem está seriamente disposto a enveredar por uma prática política outra, radicalmente libertadora e exclusivamente norteada pelo bem das populações, ao abrigo de um estatuto legal que determine, entre outras coisas, que os políticos a tempo inteiro não usufruirão nunca de um único privilégio que continue a ser recusado e negado à esmagadora maioria da população do país? Mais. Como é que se compreende que, perante a populista e cínica coligação PSD/PP, cozinhada à pressa para garantir uma maioria absoluta de direita, os Partidos que se assumem como de esquerda ainda não tenham conseguido dar passos políticos concertados, em ordem a criarem uma alternativa política que todos os dias trabalhe maieuticamente com as populações, para as fazer crescer em lucidez e maturidade políticas, em consciência crítica, em autonomia e em protagonismo, ao ponto de se tornarem populações-sujeito da política, em lugar de permanecerem eternamente na infantil posição de populações-objecto da política, o mesmo é dizer, à mercê da caridadezinha política de uns quantos políticos privilegiados de direita ou de esquerda? É tempo de arrepiarmos caminho. É tempo de nascermos de novo, por força do Sopro ou Espírito que sai do grito tantas vezes silencioso das populações empobrecidas e excluídas, cujo viver quotidiano está próximo do dos cães perdidos sem coleira, por isso, nos antípodas do viver de todos os políticos que oficialmente os representam no Governo ou na Oposição. Urge uma revolução política, até nos conceitos que todos os dias utilizamos, mas sobretudo nas práticas políticas quotidianas. A política, ou é realizada por todos os cidadãos, mulheres e homens, segundo as capacidades cada vez mais desenvolvidas de cada qual, ou será mais do mesmo. Só uma política feita por todos e por todas é capaz de gerar e de promover autonomias individuais e colectivas, verdadeiros sujeitos políticos que dispensam toda a caridadezinha política, tanto ou mais nojenta que a caridezinha económico-social, hoje de novo tão em voga no país e no mundo. Com a Igreja católica romana a transformar a Caridade (amor-de-mesa-comum-que-nos-faz-iguais-nas-diferenças) em caridadezinha que gera e alimenta milhões de assistidos e dependentes, condena as populações a viver de chapéu na mão e de mão estendida, disponíveis até para rastejarem em santuários de nomeada diante de imagens cegas, surdas e mudas, na vã esperança de que estas lhes valham! (Onde já se viu absurdo e indignidade maiores?!) Por favor, políticos/políticas de esquerda, hoje, todos na Oposição: Entendam-se uns com os outros sem demora. Renunciem aos privilégios. Convertam-se ao serviço político maiêutico com as populações, para que elas cresçam em protagonismo político e vocês e os vossos partidos diminuam. Vosso companheiro e irmão, Mário, presbítero. |
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Espaço Aberto
O fascínio da savana Por Júlio Ribeiro (Moçambique)
Chegara à Beira em 3 de Outubro de 1950, graças ao convite de um amigo, licenciado em Filosofia pela Gregoriana. Era solteiro, já estivera a trabalhar em Angola, e agora chefiava a secretaria comum de quatro sindicatos nacionais, onde também eu haveria de chefiar as respectivas contabilidades durante cerca de seis anos, isto é, até a minha ida para Quelimane como missionário leigo, para colaborar na recente diocese desmembrada da Beira. Nas primeiras semanas ficara no apartamento dele semanas difíceis, em que o meu lugar nos sindicatos já não estava seguro, porque outro pretendente, e logo sobrinho do presidente de um dos sindicatos, o dos ferroviários, aparecera em cena. O bispo protegia-me, o governador geral insinuou que me estimava, o outro concorrente conseguiu ainda melhor emprego junto do tio, e eu iniciei com entusiasmo a minha aventura em terras de Manica e Sofala. Quando minha mulher e os dois filhos conimbricenses chegaram, já tinha alugado uma casa geminada denominada Vila Lamartine, ao lado da garagem dos machibombos no troço entre o Alto da Manga e a passagem de nível da estrada Beira-Dondo. O meu chefe também ficara a viver connosco, para ajudar a pagar a renda e sentir-se em família. Como tinha carro e eu ainda não, facilitou-nos imenso a vida e proporcionou-nos muitos passeios. Algum tempo depois, os Padres Brancos propõem-me construir casa na Missão de S. Benedito, a algumas centenas de metros da passagem de nível, antes dela e à direita de quem vai da Manga para o Dondo, no meio do matagal e a entrar na extensa savana... Nascido na Foz do Douro, freguesia de Nevogilde, numa rua perpendicular à marginal (Avenida Brasil), ali mesmo defronte do molhe, que eu tanto gostava de percorrer até o fim, para me sentir em pleno mar e receber salpicos pouco meigos das ondas encapeladas, habituado a longas caminhadas a molhar os pés, em Matosinhos, em Leça e desta até a histórica praia de Mindelo, onde Pedro IV desembarcou para nos impor o seu liberalismo (afinal pouco liberal) e a percorrer os enormes molhes que cercavam o Porto de Leixões, e até a ir lanchar a sumptuosos paquetes do Loydes Brasileiro que ali ancoravam, familiarizado com os pinhais de Lobão, e montes e montanhas de Vila Real e vilas e aldeias próximas, tantas vezes percorridas a pé, de carro de bois e, depois, de bicicleta, treinado na vida de cidade, porque pouco depois de nascer logo fui viver para o ponto mais alto do Porto, porque aí fiz os meus estudos, e porque não descansei sem conhecer todas as cidade de Portugal continental, predisposto para a planície pelos encantos de um Alentejo, que ainda hoje gosto de revisitar e não me sai da memória, eis-me agora em plena savana africana, a perder de vista do lado de trás da nossa casa. À frente dela, mas a uma boa distância, ficavam as construções da Missão: a pequena maternidade, ali mais perto e de lado, e, mais ao longe, a casa das irmãs, o internato de moças, a escola, e, mais tarde, o campo de futebol e o primeiro bairro económico para africanos, ficando, do lado oposto, isto é, à esquerda de quem vem da cidade, a casa dos padres, e, mais tarde, a igreja, e, ainda depois, o cinema, que exibia películas com actores africanos (vindas das missões do Congo belga). Aí, na savana, vivia a maior parte do meu tempo, porque o período de trabalho nos sindicatos, de manhã mais longo, de tarde mais curto, dava para chegar a casa bastante cedo. Filhos a multiplicarem-se e a crescer e a começar a vida escolar, círculo de amigos proporcionando-me um ambiente social agradável, iniciativas apostólicas em constante fervilhar, tudo numa atmosfera de missão que tanto havia ansiado. Era a Biblioteca, com um sector de empréstimos e outro, posterior, de vendas, envolvendo, mais tarde, casas comerciais revendedoras consignatárias desde a Beira até Machipanda; era o cinema com filmes de fundo completamente inédito em Moçambique; era o campo de jogos; era o bairro habitacional de casinhas em alvenaria, finalmente destinadas aos africanos. A Biblioteca da Missão de S. Benedito da Manga, com as suas iniciativas, as suas reuniões, os seus estudos, os seus fins de semana, os seus retiros, as suas festas, atraía pessoas da cidade (a 15 km de distância), atraía colaboradores, convertia-se num laboratório de ideias, projectos, calor apostólico. Passámos a ter carro (o tradicional VW) e a Maria Ester até tirou carta de pesados para uma eventual aventura florestal ou agro-pecuária (eu é que desconsegui). Ela própria pegava no jipe da Missão (eu nunca gostei de conduzir jipe) e ia, descontraída, angariar fundos e materiais para as construções. Queríamos estudar chisena, mas as aulas eram de noite e o sono sempre foi e ainda é o nosso forte. Por outras palavras: desconseguimos, com grande pena e com grande prejuízo para o nosso trabalho e para nós próprios. Visitei todas as missões dos Padres Brancos em Moçambique, e penso que me inteirei dos problemas de evangelização, e aprofundei os seus métodos o que, mais tarde, tanto me facilitou o trabalho na Diocese de Quelimane. Os laços de amizade criados com esses missionários foram tais que, depois de dezenas de anos de separação, ainda há pouco, em vários pontos da Europa, senti continuarem bem fortes (e eu que tantas vezes me inibi de aparecer, receoso de tudo se ter apagado...). Turisticamente, era a Rodésia que faria os meus encantos, como, depois, na Zambézia, era o Malawi, e agora, no Maputo, é a África do Sul. Não há dúvida de que os ingleses, em cada recanto rústico ou panorâmico, sabiam proporcionar um conforto e uma beleza que perdura na memória de quem, alguma vez, tenha experimentado o seu acolhimento: Leopard Rock, Vumba, e tantos outros recantos. Do lado de cá da fronteira, paisagens nada inferiores. Mas que diferença no tratamento, no bom gosto, na limpeza! Uma excepção, porém, surpreendeu-me como um sonho de fadas ou de mil maravilhas, quando, certa noite, já cansado e com o carro empoeirado (a estrada Beira-Umtali ainda não estava asfaltada), depois de Vila Pery e em direcção à Vila de Manica, onde as únicas luzes eram as dos meus faróis, me sinto banhado por uma crescente e maravilhosa iluminação: era uma pousada (melhor diria, um parador, porque pousadas, no antigamente, eram para os cavalos, e paradores é que eram para os cavaleiros). Iniciativa do chefe da estação de Garuzo, ali próxima, da linha férrea que ligava a Rodésia ao porto da Beira, passou a ser ponto de paragem ou até de destino, imprescindível... até que o encanto se quebrou com as incursões de Smits & companhias. Mas não foi só o Volkswagen a contribuir para que a vida se tornasse encantadora: a bicicleta, que eu não sosseguei enquanto as irmãs também não começaram a gozar da sua utilidade, a bicicleta, que eu começara a usar na Figueira da Foz e, depois, por largos anos, em Vila Real, a bicicleta era outro dos meus encantos, embora isso ainda fosse mais notório em Coalane, quando os filhos já eram mais crescidinhos, e podia levá-los, um de cada vez, no quadro, e conversar tranquilamente com cada um deles através dos campos, transmitir-lhes o que sentia e ouvir o que eles quisessem dizer... Eu dava-me todo àquilo que estava a fazer, integrava tudo (muito diferente de somar tudo), nunca me dividia nem nunca me sentia dividido. O conflito entre profissão e família ou é uma desculpa ou um equívoco. Não se pode ser bom chefe de família se não se for bom profissional, porque é a profissão que dá o sustento. Também dificilmente se será um bom profissional, se os problemas de família atrapalham. Por isso digo integrar, não somar. Pai ou mãe que, por exemplo, com a doença de um filho, põe de lado a profissão ou na prateleira o amor conjugal, pensando que está a ser exemplar no amor paternal ou maternal (pelo dito amor cometem-se tantos crimes!), está, na realidade, a fazer perigar a saúde integral de todos. Mais tarde ou mais cedo, as conseqüências far-se-ão sentir. Assim, procurei ser o mais competente e dedicado dos funcionários sindicais, assumi provisoriamente com toda a consciência a chefia da secretaria, estava apto a responder a todas as consultas sobre legislação sindical, às vezes até efectuadas por magistrados. No trabalho missionário, não sosseguei enquanto não fui capaz de propor novos métodos de evangelização (posteriormente confirmados pelo Vaticano II) aos padres e irmãs mais apegados a métodos clássicos, pouco consentâneos, porém, com o Novo Testamento e até com certas normas quer de alguns papas quer da Propaganda Fidei (em cuja influência o governo português nem podia ouvir falar). Antes de vir para África, escrevera um livro sobre pedagogia, já inspirado na escola nova de Maria Montessori e na nova visão que a Maria Ester me havia sugerido sobre o relacionamento entre sexos, excluindo a sua separação como das mais nocivas para o ser humano, livro com princípios que ainda hoje subscrevo sem dificuldade, mas com certas aplicações concretas já muito e muito ultrapassadas ou até erradas. E se gostava tanto de crianças quem me conheceu em Folhadela, em Espinho ou nas ilhas da cidade do Porto (que são uma réplica dos bairros da lata de Lisboa ou dos bidons ville de Paris) sabe-o bem é fácil de calcular o carinho pelos meus próprios filhos. A cada um me dava inteiramente. O mesmo com todas as crianças e cada uma que me surgisse. Nunca, penso eu, me dividi, porque penso que sempre temi a desintegração como a morte. Ligar os grandes princípios da Filosofia e da Política ao concreto mais concreto até o ínfimo pormenor talvez sugira ao menos um prisma da integração. E, assim, a Maria Éster, que me gerara para uma nova visão do mundo e me propusera um ideal de vida com os órfãos, que em nada colidia com a vida conjugal (mesmo sacralizado com o tal matrimónio, excludente na concepção de clero e clericalistas), que alinhava nos entusiasmos esclarecidos de um Cesare Bertulli, que sabia desdobrar-se para em tudo ser perfeita, a Maria Ester não podia deixar de ser a fonte de toda a minha força e o alvo de toda a minha ardência.
Foi neste contexto que surgiu a Maria Benedita, recém-nascida numa aldeia denominada Chamba, situada entre a já referida passagem de nível da Manga e a Inhamízua, filha de pai branco, português, septuagenário, e de mãe negra, de doze anos, que veio a falecer no parto ou logo após o parto. Os missionários já deviam saber da nossa cumplicidade num ideal que nos levou ao casamento e que, portanto, nos uniu muito para além de um simples amor universal ou de uma simples amizade. O amor universal engloba, necessariamente, toda a criatura, e pode existir mesmo sem reciprocidade. A amizade, embora sempre aberta a qualquer uma ou qualquer um, só pode englobar limitado número de pessoas, e não pode existir sem reciprocidade. O amor conjugal, supondo sempre, necessariamente, o amor universal e a amizade, não pode englobar mais de duas pessoas. É certo que dificilmente os cônjuges se podem realizar plenamente se trabalharem no mesmo local, mas pode muito bem trabalhar-se no mesmo empreendimento em sectores diferentes e sem qualquer subordinação recíproca. E há casos até, embora raros, em que o amor conjugal em nada é afectado e até se fortalece num trabalho em comum, sobretudo se o mesmo ideal os une, como aconteceu com os esposos Curie. A Maris, uma amiga também aliada a esse ideal (já muito antes da minha adesão), não acreditou que, a braços com filhos próprios, isso se pudesse concretizar. Talvez nunca tivesse ouvido falar dos numerosos casais de missionários de outras Igrejas (não romanas). Talvez, ao menos no subconsciente, também considerasse excludente o sacramento do matrimónio remedeio providencial para o comum dos pobres seres humanos sem ideais mais altos. Talvez estivesse despeitada por a amiga a não ter convidado para o casamento, como esperava, porque em tempos se haviam prometido que o fariam, quando alguma delas casasse... Mas nós dois reagimos, desafiamo-la, testemunhando a nossa convicção e resolução inabalável. Longe de ser um estorvo, o nosso casamento era uma força a mais. Mas ela e uma outra colega sorriam... Também um médico, nosso amigo, professor catedrático da Universidade de Coimbra, conhecedor desse ideal já antes do casamento, advertira-me de que eu, como celibatário, poderia muito melhor servir essa obra, porque trataria todas as mães adoptivas por igual. Respeitei a opinião; mas fiquei a matutar: se um cristão triste é um triste cristão como sempre ouvi dizer quando era impelido a fechar-me em mim mesmo por desaguentar aqueles ambientes hostis onde durante tanto tempo fui obrigado a viver muito mais um padre triste seria um triste padre, e eu, se aceitasse o celibato, seria um desses tristes padres, porque não tinha vocação para tal. Havia, além disso, a considerar que, para mim, o matrimónio, não quando apenas no papel, mas quando válido por respeitar os componentes essenciais, nunca é um laço estrangulador, mas uma progressiva libertação. E, no serviço ou na vida social, nunca admiti que o facto de serem cônjuges ainda que a trabalharem juntos ou a divertirem-se juntos désse lugar a discriminações ou a sentimentos de ciúme. Seria batota, e duvido muito que, com batota, pudessem perdurar amizades e, menos ainda, o próprio amor conjugal. Para mim, falta de pudor, por exemplo, pode até não incluir nudez, desinibição ou um à vontade de gente que se estima. Para mim, falta de pudor é, isso sim, diante de terceiros, ter atitudes que só o amor conjugal e nunca a simples amizade ou o amor universal permite, legitima, torna saudável, transforma em prazer, alegria, felicidade. O exibicionismo de actos só aceites entre casais seria um desafio aos elementos do grupo ou aos circunstantes, uma provocação que só pode gerar mal estar, constrangimento, senão mesmo o ridículo e, quem sabe se, em certos casos, frustração. Havendo respeito por cada pessoa e pelo grupo, e eliminando manifestações de amor conjugal, penso que tudo é permitido, e um grupo de adultos de ambos os sexos pode funcionar maravilhosamente ainda que se dê o caso de não saberem do estado civil de cada um. É interessante que, mais tarde, Hermann Gmeiner, na estruturação das aldeias S. O. S., prevê a presença masculina: pelo menos a de um homem casado e com filhos, na figura do chefe de cada aldeia. Parece que estávamos no bom caminho, e sem receios de que o tal sacramento fosse excludente. Quanto às amigas da Maria Ester, nunca me esquece como nos olhavam com um sorriso, irónico talvez, mas também de admiração e alegria. Elas conheciam-na bem e de longa data, e exclamavam: Sois uns pontos!
Pois esses dois pontos estavam, enfim, no momento da prova real de que nem o sacramento dito excludente nem os filhos eram estorvo para a realização de projectos altruísticos e missionários, os mais arrojados que fossem. A prova dos nove já tinha sido tirada e estava certa: nada de incompatibilidades intrínsecas ou de natureza. E por que haveria de haver contradições essenciais (per se), se todos temos de ter uma vida profissional a par de um estado de vida? Absurdo é estabelecer conflitos entre profissão e família. Mas é claro que per accidens tudo é possível acontecer, por melhor que se tenha projectado qualquer actividade, seja dentro do lar, seja no convento, seja no local de residência, seja no de trabalho, seja na vida social, política ou mesmo religiosa. A prova real é sempre necessária. A teoria por muito bem elaborada que seja pode ter sido omissa em algum ponto: a prática é que vai dizer a última palavra, ao menos enquanto a teoria não for remodelada ou aperfeiçoada. Naquele ansiado dia afinal talvez só por mim, sempre na boa fé daqueles consensos pré-matrimoniais ia começar o prova real. A Maria Benedita nome que evocava a Missão que, por meio de nós, a acolhia era mais uma das nossas filhas. E logo pensei nos aspectos legais desta nova (mas há muito desejada) aventura, e escrevi ao administrador do concelho (a Beira, pela sua categoria de cidade, tinha o estatuto de concelho e não de administração) a perguntar como poderia adoptar a criança cuja identidade indicava. Só que, em vez de resposta, fui intimado a depor em tribunal como testemunha de acusação (ou como queixoso?) num processo crime que o Ministério Público baseado na minha carta com intuitos bem diversos instaurara contra o pai da criança. Compareci na audiência de balalaica, por acaso até de mangas compridas, e de calças também compridas (ai se não fossem!), pensando que, num clima tropical, até me apresentava de um modo muito decente e respeitoso. Não entendeu assim o meritíssimo, que de imediato me obriga a levantar, perguntando se eu, ao sair de casa, não sabia para onde ia, para me apresentar assim tão à vontade... Comecei logo a fazer a figura de réu, porque, afinal, até o fim da audiência, fui o único agredido. A defesa na pessoa, não me lembro bem se do Dr. Palhinha, se do Dr. Ermitão depois de ouvir várias testemunhas apresentadas pelo acusado, e que confirmavam a virilidade do réu (nunca percebi bem que vantagem haveria em mais esta indicação de que, de facto, se tratava do pai da criança), discursou eloquentemente sobre os familiares da falecida e precoce mãe, que ignoravam e se perguntavam o motivo de terem de estar ali num tribunal. Afinal o sucedido não estava nos parâmetros dos seus usos e costumes, que todos devemos respeitar? Perguntado se me queria ouvir (aliás como fizera o Delegado do Procurador da República), simplesmente respondeu que não. E o meritíssimo, embora condenando o procedimento do réu, lamentou que a legislação não lhe permitisse condená-lo, e, assim, o absolveu. Em artigo de jornal, publicado no Diário de Moçambique, mostrei toda a minha indignação por um tribunal aceitar o retorcimento da lei consuetudinária (aliás muito respeitável) e a degenerescência de usos e costumes (também muito respeitáveis) para defesa e eficaz! de um crime bem óbvio em qualquer código penal de qualquer parte do mundo dito primitivo ou dito civilizado. Pouco depois, perante a minha insistência em saber como legalizar a situação da criança acolhida em minha casa, o administrador (um desses todo-poderosos da época) telefonou-me a dizer que não estava obrigado a responder a cartas de particulares, e nem sei se me chegou a indicar a repartição a que me deveria dirigir. O caso, porém, encerra-se de outro modo: a criança adoece e tem de ser entregue aos cuidados hospitalares. Felizmente a enfermeira era uma religiosa nossa amiga e tenho a certeza de que fez por ela tudo quanto faria por um dos nossos filhos de sangue. Quando voltei ao hospital central da Beira, já a encontrei sem vida, mas soube que, nos derradeiros momentos, havia sido baptizada com o nome de Maria Benedita. No dia seguinte acompanhei-a a enterrar no cemitério de santa Isabel, no Maquinino, na margem direita do Chiveve. Avisei o pai, mas ele não compareceu. Como foi a prova real? Não das mais felizes: não pelo seu desaparecimento físico isso já me tinha acontecido ao meu primeiro filho nascido em Roma e sepultado, dois dias depois, no cemitério de S. Lourenço fora-dos-muros, e havia de voltar a acontecer, dentro de um ano, após os acontecimentos atrás narrados, ao sexto filho (de sangue), gémeo do sétimo, também ali, no hospital e no cemitério da Beira mas porque ficou evidente que a mãe adoptiva, embora a tratasse com toda a caridade, embora suportasse as insinuações de estranhos de que essa criança seria fruto de meus devaneios com alguma negrita, a verdade é que não tinha a mesma paciência e de modo nenhum a mesma alegria que sempre tinha para com os filhos de sangue. Esses, sim, tivessem ou não sido esperados ou desejados, sempre foram recebidos com imensa ternura e alegria, sem nunca ter saído da sua boca qualquer palavra de revolta ou sequer de impaciência, como acontecia com a Maria Benedita. Quando hoje, na Aldeia S.O.S. de Laulane, na periferia do Maputo, vejo mães adoptivas que têm os seus filhos de sangue em casa (às quais só vão nos fins de semana) pergunto-me se isso estará nos parâmetros traçados pelo Dr. Hermann Gmeiner. E também a figura da «tia», que fica a substituir a «mãe» nessas folgas. Parece-me estarmos a retorcer tanto a cultura banta como o espírito que deve animar as Aldeias S. O. S. E também me pergunto se essas mães darão aos filhos adoptivos o mesmo amor que dão aos filhos do próprio ventre. Falo de amor maternal: não de instinto maternal. Há casos, é certo, de adopção da parte de casais já com filhos que, se umas vezes não resulta, muitas outras dão os melhores resultados. Como me lembro daquela grande mulher que foi a Adélia, casada com o Roque, nossos visinhos em Coalane e também do nosso grupo de casais! E de muitos outros casos motivados pela guerra ou outros acontecimentos. Ainda não há muito a televisão, não me recordo de que país, nos fazia reflectir no caso de um soldado que salvara uma criança e, não tendo a quem a entregar, a levara para casa, esbarrando de imediato com dolorosa oposição. Por fim, o bom senso e o amor triunfam: a criança é acolhida no meio dos outros filhos e todos crescem e se formam e se lançam na vida, felizes. Não vou dizer que a instituição familiar se salvou à custa do sacrifício de algum ou alguns dos seus membros ou de alguma pessoa estranha. Vou dizer, sim, que a felicidade de todos e de cada um foi possível, porque souberam optar pelo amor universal, pela amizade, e, assim, também o amor conjugal perdurou. Este é que, no fundo, tornou feliz toda a família. Ai dos filhos que não são gerados e educados no amor conjugal! E ai dos pais também! E de nada vale (porque no fundo até piora tudo) querer camuflar a falta de amor conjugal com uma amizade ou um querer bem insípidos...para salvar aparências, estatuto social, os filhos (que engano!), a instituição familiar (que hipocrisia!). Voltando às Aldeias S.O.S., penso que a única mulher casada e com filhos próprios pequenos será a do chefe de aldeia a tal presença masculina prevista por Hermann Gmeiner. Fracassado embora, este foi mais um episódio da minha passagem pela Manga, no início da imensa savana, onde vivi cerca de seis anos. Aliada a essa savana sem fim, de horizontes diferentes de todos os outros horizontes, com nuances em cada instante do dia ou da noite, complementada pelas variações do céu e suplementada pela nossa sempre variável maneira de a contemplar, aliada a essa savana de beleza ímpar, porque mesmo na sucessão há sempre o ímpar, aliada a essa savana, fica-me sempre presente a Maria Benedita mais do que filha de paternidade tardia e maternidade precoce filha, isso sim, do grande ideal que me aproximou da Maria Ester e nos levou, por fim, ao amplexo conjugal. |
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A mulher na Igreja Por Porfírio Borges (Porto)
Apesar da reflexão que se vem fazendo, por vezes, com demasiada paixão, sobre se a mulher deve ou não ser ordenada sacerdote, tenho-me mantido indiferente ao assunto. Não porque me alheie dos problemas da minha Igreja, mas porque entendo que me devo preocupar com o essencial da minha fé e não com uma lei que, até os próprios que a querem abolir, dizem tratar-se de uma simples tradição. Ora, se for esta a sua sustentação, podemos aguardar que a sua queda, mais cedo ou mais tarde, acabará por acontecer. Contudo, em virtude de duas notícias que abaixo comento, senti que era a hora de juntar à discussão a minha forma de ver. Quanto a mim, correndo o risco de ouvir muitas vozes discordantes, reconheço que nos últimos tempos, apesar de se manter a proibição, no que se refere à ordenação sacerdotal, as mulheres na Igreja têm vindo, e muito bem, a assumir responsabilidades na pastoral e mesmo na liturgia. E não é só em serviços secundários. Vejo-as como catequistas, professoras de moral, coordenadoras de várias obras e movimentos cristãos, bem como em estruturas de solidariedade e sempre bem aceites e respeitadas. Como se vê aquelas que querem trabalhar seriamente no reino de Deus não estão impedidas de o fazer como leigas. Por mim, também impedido de ascender ao sacerdócio pelo facto de ser casado, nunca me senti descriminado, porque, desde novo a minha preocupação não foi imitar os clérigos, mas a de encarar a minha missão como leigo no Mundo. E não acredito que tenha escolhido a pior parte, ou posto em causa a minha salvação. Quanto às mulheres, mais do que se preocuparem com esta discriminação deveriam combater as razões por que são tão poucas no governo, no parlamento, na gerência das grandes empresas e pelos seus vencimentos serem quase sempre inferiores aos dos homens. Mesmo com os seus pecadilhos, a verdade é que não podemos ignorar que é a Igreja quem mais tem valorizado e defendido a dignidade da mulher. Fazendo eu esta leitura, pensava que, embora com avanços e recuos, se estava a fazer uma caminhada segura e minimamente consensual. No entanto, fiquei desagradavelmente surpreendido ao tomar conhecimento das seguintes notícias: A primeira, vinda de Roma, anuncia algumas restrições que o Vaticano pretende repor em relação à participação das mulheres na liturgia. A segunda, de um dos nossos bispos, vai mais longe ao afirmar naturalmente com outros termos, pois não fiz gravação que na Igreja há demasiadas mulheres a exercer funções: Elas rodeiam o altar como acólitas, ministras da comunhão, catequistas e zeladoras. E isto, segundo ele, é mau, porque os rapazes adolescentes são afugentados, por isso, da Igreja. Se, de facto, a presença das mulheres em cargos ditos secundários é tão perturbadora, o que seria com elas a presidir às celebrações? Posteriormente, quanto à declaração do Bispo, os seus colegas da província eclesiástica de Braga fizeram um comunicado a esclarecer ter havido má interpretação, pois o que se pretendia dizer é que deveria haver mais equidade na participação de ambos os sexos. Também no que se refere à notícia oriunda do Vaticano, os responsáveis da nossa Igreja que se pronunciaram sobre o assunto são unânimes em dizer que não pode ser verdadeira e até eles próprios a consideram contra a corrente. Com estes esclarecimentos de que, aliás, só tomei conhecimento depois de já ter esquematizado esta reflexão, parece que deixariam de ser pertinentes os comentários que se seguem. No entanto, já que comecei a reflexão, vou levá-la até ao fim. É que mesmo que estas situações estejam explicadas, não deixo de pensar que haverá quem desejasse que tivessem sido verdadeiras. Por isso pergunto: Sendo a mulher tal como o homem uma criatura com direito à salvação será que Deus fica triste por elas encherem os altares? E se fossem os homens ficaria contente? Terá alguma lógica insinuar que os adolescentes não vão à Igreja por esta ter os pelouros ocupados pelo sexo feminino? Se isso fosse verdade não é de admitir que a situação se agravaria com as mulheres sacerdotes? Claro que não tenho esta versão redutora, pois que me identifico com S. Paulo, na sua carta aos Coríntios 12-4,6: Os dons são diferentes, mas o Espírito é o mesmo. Há funções diferentes, mas o Senhor é o mesmo. Há trabalhos diferentes, mas Deus é um só. Como se vê no Reino há funções e trabalhos diversificados, mas não se diz qual deles é o mais importante, nem em parte alguma se exclui a mulher. Assim, todos devemos desejar que notícias destas, mesmo que não confirmadas, não se repitam e que os homens e as mulheres, seja qual for o seu estado, tenham possibilidades de continuar a fazer a sua caminhada na procura e vivência da fé,de acordo com o seu carisma. |
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A realidade como futuro Por Leonardo Boff (Brasil)
Há vasto consenso na comunidade científica de que o universo e todos os seres se originaram de um processo evolutivo, iniciado há cerca de 15 mil milhões de anos, a partir do vácuo quântico e da primeira singularidade, o big-bang, de milhões de graus de calor. Depois começou a esfriar-se e a expandir-se, fazendo surgir campos energéticos, topquarks, átomos, galáxias, estrelas e planetas como o nosso. Há 3,8 mil milhões de anos irromperam nos pântanos primordiais da Terra, formas primitivas de vida. Estas se complexificam no modo de plantas, répteis, pássaros e mamíferos. Um desses, os humanos, dotou-se, nos últimos 4-5 milhões de anos, de autoconsciência e subjetividade. O processo global não teve pressa nem foi progressivamente linear. Conheceu rupturas, devastações e muito desperdício. Apesar disso, numa perspectiva global, pode-se identificar no processo cosmogénico, uma linha ascendente que vai do simples ao complexo, da matéria à vida e da vida à consciência. A astrofísica, há tempos, vem afirmando que, para aparecer a vida foram necessárias pré-condições nos primeiros micromovimentos da matéria e da energia primordiais. Sem elas, não haveria densificação suficiente e, por isso, não se teria formado a matéria, as estrelas e, por fim, a vida, a consciência e nós que estamos aqui. Desta narrativa se infere que o universo tinha e tem um futuro pela frente. Ele está ainda nascendo e é grávido de promessas. Nesta visão (chamamos a isso de metafísica) o futuro é mais importante e decisivo que o passado e o presente. Passado e presente um dia foram futuro. Mas como se há de entender esse futuro? Na visão estática, o futuro como produção do novo, não existe. O que existe é o passado que contém seminalmente tudo. Presente e futuro são desdobramento do passado. A filosofia clássica do Ocidente e a teologia oficial da Igreja pensa nos quadros desta metafísica do passado. Curiosamente também modernos neodarwinistas, do materialismo evolucionista, como o influente zoólogo inglês Richard Dawkins (O rio que saía do Éden, Rocco, 1996) e o filósofo norte-americano, Daniel Dennett, que pensa a partir da genética e da biologia molecular (Ideia perigosa de Darwin: evolução e o sentido da vida, Nova York 1995), negam um futuro, portador do novo. O que realmente vigora, segundo eles, é um determinismo estritamente físico que reorganiza a matéria inanimada que sempre existiu. Essa matéria desde o início contém latentemente o que depois se vai desdobrando. O processo evolutivo apenas precisou de um longo tempo para permitir a vida e a consciência surgirem. E há ainda estoque de outras possibilidades. Esta visão reduz tudo à física e à química da matéria e abstrai de coisas que não podem faltar, como a forma pela qual se dão as combinações. Para alguma coisa ser real precisa de informação, quer dizer, de algum grau de forma, de ordem e de estruturação como a cadeia DNA. Essa ordem não é algo físico, mas um modo de ser. Ela irrompe como imprevisível e novidade. Vem do futuro por fazer e não do passado já feito. O futuro é repositório ilimitado das possibilidades. Por isso é imprevisível. Mas olhando para o passado percebemos: mesmo imprevisível, tudo é direccionado para o futuro, para cima e para frente. O universo chama à vida e a vida à mais vida. Não é este o desígnio do Criador, o Futuro absoluto? |
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A eleição do Papa Por Frei Betto (Brasil)
Há mil anos, os papas são eleitos pelos cardeais nomeados por seus antecessores. Nos primeiros séculos da era cristã, os fiéis de Roma escolhiam os sucessores de Pedro, em especial através do voto dos diáconos, que cuidavam das obras sociais. Considerava-se que os bispos, casados com as suas respectivas igrejas, não deveriam intervir na escolha do bispo de uma outra igreja, a de Roma, que serve de referência à unidade católica. Vive em comunhão com a Igreja católica quem se mantém em sintonia com a sé romana. Outrora, diáconos e presbíteros deslocados de suas paróquias para auxiliar em outras eram chamados de cardeais-diáconos e cardeais-presbíteros, ligados à nova função como a porta ao batente por uma dobradiça ou cardo. Assim, aos poucos se formou o Colégio dos Cardeais. No século IV, só os sacerdotes de Roma votavam na escolha do pontífice. As mudanças acentuaram-se à medida que as eleições passaram a envolver dinheiro e concentração de poder. Depois que o imperador Constantino reconheceu a Igreja, em 313, esta passou a dispor de considerável património. Em princípio, qualquer católico do sexo masculino pode ser eleito papa, desde que disposto a abandonar família (se for casado), abraçar o celibato e aceitar ser ordenado bispo. Gregório Magno era prefeito de Roma quando o elegeram, em 604. Aos poucos, a instituição se clericalizou e, em seguida, verticalizou-se. O último papa que, ao ser eleito, não era cardeal foi Gregório XI, em 1370. Desde que Leão III coroou Carlos Magno como imperador, na basílica de São Pedro, na noite de Natal de 800, o papado passou a defender-se dos poderes temporais. Mas nos séculos IX e X os nobres interferiam nas eleições, em especial as famílias Teofilato, Crescenti e Tusculani. Como evitar o nepotismo e a corrupção? Como assegurar que o eleito seja um homem digno? Buscou-se, então, entre os monges, sobretudo no mosteiro francês de Cluny e na Alemanha. Fortaleceu-se o Colégio dos Cardeais. Desde 1059 só ele elege o papa. Quando ele se reúne para assessorar o papa é convocado um consistório. Quando se reúne para eleger o papa é convocado um conclave, que significa debaixo de chave. No século XIII, os cardeais levaram um ano e meio para eleger Inocêncio IV (1243-1254). Diante da demora, o povo romano, com apoio do senado, trancafiou o colégio cardinalício, obrigando-o a decidir a eleição. No entanto, após a morte de Clemente IV (1265-1268), a demora na escolha do novo pontífice alongou-se por dois anos e meio, até a escolha de Gregório X, em 1271. A população de Viterbo, onde os cardeais se reuniram, não só os manteve isolados, como os submeteu a uma dieta de pão e água e arrancou o telhado do local do conclave em pleno inverno, forçando-os a sair do impasse. Hoje, quando morre o papa, o prefeito da Casa Pontifícia comunica ao cardeal carmelengo (mordomo), que bate o martelo três vezes na cabeça do defunto e, em seguida, declara-o oficialmente morto, quebrando o Anel do Pescador. Logo, todos os cardeais são convocados a Roma para o novenário - durante nove dias, eles se reúnem para debater o estado da Igreja, acompanhados de teólogos e assessores. No décimo dia, todos aqueles que têm menos de 80 anos e, portanto, direito a voto, são recolhidos no conclave, sem direito a acompanhante e a qualquer contacto com o mundo exterior. Só quatro cardeais podem, se necessário, quebrar a clausura: o vigário de Roma, o penitenciário, o carmelengo e o prefeito do Vaticano. Hospedados na Santa Marta, um conjunto de apartamentos dentro do Vaticano, eles se dirigem em procissão à Capela Sistina, onde são realizados quatro escrutínios por dia. Nos primeiros nove dias, o eleito tem que merecer 2/3 dos votos mais 1. A partir do décimo dia, basta a metade mais 1 dos votos. Do actual Colégio do Cardeais, 60 podem participar da novena introdutória, mas estão impedidos de entrar na Capela Sistina. É o caso dos cardeais brasileiros Eugénio Sales e Paulo Evaristo Arns. João Paulo II expandiu o número de cardeais. Durante 500 anos, eles não passaram de 70. João XXIII ampliou para 80. Paulo VI, para 120. Agora, são 195, dos quais 134 em idade de votar, pois há um in pectore, ou seja, cujo nome só o papa conhece. Dos eleitores, mais de 30 actuam na Cúria Romana e 101 são europeus. Mas isso não significa que o próximo papa será um deles. Como diz o Evangelho, o Espírito de Deus sopra onde quer, e não se sabe de onde ele vem nem para onde ele vai... |
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Locais onde já não há culto Por Carlos Leal (Almada)
Tive, muito recentemente, a felicidade de visitar uma parcela do norte de Portugal que considero uma das mais belas (talvez mesmo a mais bela) das regiões do país. Toda a visita ocorreu num distrito onde se localizam mais de uma diocese, mas, no caso concreto, a minha estada foi apenas numa. Não pude deixar de reflectir sobre a enormidade de locais de culto católico espalhados por todos os sítios e alguns a escassos metros uns dos outros. Poder-se-á dizer que, em tempos, a desertificação humana naqueles locais era menor e que o acesso a um escasso quilómetro seria difícil. Mas, por outro lado, os lugares eram muito pequenos e, como tal, os habitantes de cada um deles também não seria significativo e, como hoje, naturalmente, desprovidos de grandes meios de subsistência. Mas, mesmo perante isto, raramente há lugar sem mais do que um local de culto. E, então, em terras maiores - hoje, vilas ou cidades - encontram-se igrejas (templos) em número impressionante. Casos há em que praticamente confinam uns com os outros. Muitas, sempre abertas, onde já não se praticam actos de culto, mas bem preparadas para receber ofertas dos fiéis, nomeadamente com a modernice do acender de velas eléctricas através da introdução de moedas. E em muitas já não há culto e o número de presenças (visitantes) é irrelevante. Estive numa vila piscatória onde numa missa vespertina (sábado), em templo relativamente grande, este se encontrava entre 50 a 60% das pessoas que poderia comportar e apenas havia três homens (incluindo-me nesse número). A questão que aqui pretendo colocar não é apenas relativa a este exagerado número de templos. Existem, não se podem demolir. O que questiono é o seu aproveitamento. Em tantos desses locais onde já não há culto, porque não reconverter os templos para actividades de outra natureza (sem prejuizo da preservação dos valores arquitectónicos e artísticos) que em todas as partes são necessários? Porque não pensar na sua utilização, após a devida reconversão, para idosos, crianças, escolas (há por aí tantas a ruir) e mesmo coisas de natureza cultural? Dir-se-á, com razão, que nem para actividades desta índole haveria utentes por força da cada vez mais acentuada desertificação. Opções, contudo, não podem deixar de ser feitas. Manter templos apenas para turista ver e caçar moedas não me parece certo. Os senhores bispos não podem esquecer que a Igreja só tem sentido se verdadeiramente for serva e pobre. Eles - os bispos - têm de remar contra o mau e escandaloso exemplo do Vaticano e denunciar as injustiças e a pobreza entre nós existentes. Aos olhos de quem hoje tem a noção real das necessidades que por toda a parte grassam, repensar a utilização deste número avassalador de igrejas (templos) é premente. Há-os erigidos em memória de santos de que quase nunca ninguém ouviu falar (em muitos casos nem os próprios habitantes dos locais). E seja-me permitido dizer que, se fosse hoje, com o número interminável de santos que se têm feito, não haveria já local para construir mais igrejas... Os senhores bispos reunem-se tantas vezes, debruçam-se sobre tudo e mais alguma coisa, mas não são capazes de equacionar o que fazer com tantos templos que já não servem para nada. Há, certamente, que saber preserverar, mas aquele excesso é incompatível nos dias que vivemos. Façam-se reconversões, museus, venda-se - em favor dos pobres - o que está a mais. Em certos casos com o dinheiro obtido poder-se-ia proceder a novas construções onde elas são efectivamente necessárias, evitando, assim, sobrecarregar os fieis. Com as presentes palavras mais não se pretende que chamar a atenção para aquilo que os senhores bispos deveriam também reflectir. É claro que tudo teria de passar por uma profunda mentalização das pessoas. E isto não é fácil e implicaria coragem a qual, como regra, os nossos presbíteros não têm. Pois se eles ainda não foram capazes de convencer as pessoas a não andarem de joelhos em Fátima, ou locais similares... E de igual forma não foram nem são capazes de se revoltarem, em bloco, contra a obrigatoriedade do celibato, que é contra natura. Confiemos que um novo Papa venha contrariar toda a regressão destes últimos anos e a todos nos ponha a reflectir sobre estes e outros problemas aqui equacionados, à cabeça dos quais deverão estar a dissolução de Cúria vaticanesca e a escolha dos bispos pelas comunidades a que irão presidir. |
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© Página criada 7 Janeiro de 2004 |
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