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DESTAQUE 1
Religião (re)liga, mas em torno do Deus-Ídolo
O facto/factor Religioso (re)liga (do latim religare) os indivíduos e as populações - devido a ele, jamais passam de indivíduos a pessoas e de populações a povos - sempre em torno de um Deus que é um Ídolo que já vem desde o princípio da Humanidade, nunca em torno de Causas, as mesmas de Jesus, que têm todas elas a ver com a edificação na História duma nova Ordem Mundial ao gosto de DeusVivo. De modo que a persistência do Religioso na Sociedade é a persistência da Idolatria, o que faz de todas as Religiões a maior fonte de alienação e de doença, bem como o seu reiterado alimento. Esta revelação, sem dúvida chocante e escandalosa, é do próprio Jesus, o de Nazaré. Por isso o mataram. As palavras que escutámos na abertura do 12.º Encontro de Espiritualidade, realizado, dia 25 de Maio último, em S. Pedro da Cova, são suficientemente claras e teologicamente fundamentadas. Leiam-nas de coração aberto e com Inteligência afectiva e crítica. Debatam-nas, depois, em sucessivas conversas-com-Espírito, o de Jesus, sempre presente lá onde dois ou três, ateus que se digam, reúnem em seu Nome. É também para isso a Missão em seu Nome.
Ao chegarmos ao 12.º Encontro de Espiritualidade, a de Jesus, não uma outra qualquer, das muitas que hoje por aí se apresentam no grande Mercado das Religiões e das Filosofias/Teodiceias mais ou menos pretensamente ilustradas, estamos, temos obrigação de estar, já bem conscientes de que não é o Ateísmo hoje generalizado que nos deve afligir. Deve afligir-nos mais a persistência do facto/factor Religioso, hoje de novo aí emergente em múltiplas manifestações, as mais exóticas e esotéricas. Porque o facto/factor Religioso religa (Religião vem do verbo latino Religare que dá o nosso religar) os indivíduos e as populações - mais indivíduos e populações do que pessoas e povos, que ainda não chegamos a ser de verdade - em torno de Deus, só que este Deus, o do Religioso, é sempre um Deus-Ídolo, inventado/projectado pelos nossos medos, pelas nossas crises individuais e colectivas, pelas nossas frustrações, pelas nossas debilidades, pelas nossas inseguranças, numa palavra, pelo que ainda há de Demente em nós, de Demoníaco em nós, de Perverso em nós. É deste Deus-Ídolo que o facto/factor Religioso reconhece e idolatra, que hoje vivem todas as Igrejas convertidas em outras tantas religiões, todas as Religiões e todas as Filosofias com as suas Teodiceias mais ou menos pretensamente ilustradas, todas e cada qual com os seus exércitos de milhões e milhões de funcionários organizados em hierarquias e em pirâmide, todos mais ou menos chulos religiosos das multidões, as quais, enquanto o facto/factor Religioso se mantiver, sempre foram/ são/serão, no sentir/ver/dizer de Jesus, multidões cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor. Porque, apesar de sempre serem tantos esses funcionários/pastores/sacerdotes/filósofos do Religioso (no tempo de Jesus e só no Templo de Jerusalém, eram 18 mil os sacerdotes!), todos são mais ou menos chulos que vivem à custa das multidões, mercenários que, para cúmulo, trabalham, alguns com invulgar generosidade e dedicação, mas para alimentarem mais e mais nas populações os medos que as faz demencialmente correr para os seus cultos e para os seus inúmeros santuários, quase sempre em condições de total indignidade e de humilhação públicas. Destes pastores-mercenários-sacerdotes-executivos-mestres, diz Jesus, o do Evangelho de João, esta coisa espantosa, escandalosa e tremendamente chocante: todos, sem excepção, existem aí para roubar, matar e destruir as populações. E não pensem que Jesus está louco, quando faz esta denúncia-revelação acerca de todos os chefes/sacerdotes/funcionários/mestres do Religioso e de todos os outros Executivos que em todas as épocas e lugares, dominam as nações. Quando faz esta denúncia-revelação, Jesus está no uso pleno da sua máxima lucidez humana. O Espírito de DeusVivo que o habita e conduz ( = a Espiritualidade que ele ininterruptamente vive) é que o faz falar assim como fala, porque também o faz ver a Realidade histórica, social e humana, para lá de todas as aparências, de todas as ideologias, de todos os discursos, tudo de tal modo urdido de Mentira, desde o princípio da Humanidade, que enganam até os próprios que, sucessivamente têm dado, dão e continuarão infelizmente a dar corpo a essas funções e levam, muitos deles, porventura a maior parte deles, a actuar na convicção de que estão a servir/agradar a Deus. E efectivamente estão. Só que esse Deus ao qual servem e ao qual agradam é Deus-Ídolo Religioso, porventura, o mais perigoso, o mais mentiroso, o mais assassino, porque se veste de sagrado e actua em espaços que são tidos por sagrados. Além disso, são tantos e tão poderosos esses exércitos de pastores-mercenários-sacerdotes-mestres do Religioso e todos eles apresentam-se sempre em cenários de tanta opulência e de tanto requinte, que acabam por ter em redor deles e a seus pés as multidões cansadas e abatidas que, nessas condições de debilidade, sem dúvida a mais politicamente criminosa e cruel, não dispensam nunca, ou raramente dispensam, o Religioso e o Sagrado e, por isso, recorrem demencialmente ao Deus-Ídolo Religioso, com regularidade, mas de onde sempre regressam ainda mais cansadas e mais abatidas, mais deprimidas, como galinhas e patos depenados, despojados até do último cêntimo que porventura levavam consigo, como, paradigmaticamente, adverte Jesus, no Templo de Jerusalém, ao apontar aos seus discípulos o que sucedeu àquela viúva pobre que, com grande escândalo para ele, foi entregar ao tesouro do Templo a última moedinha que tinha reservada para com ela adquirir um pouco de comida que lhe matasse a fome! Perante tal poder opressor, alienador e assassino do Deus-Ídolo Religioso, estupidamente temido/respeitado até por ateus e por todos os Executivos das nações, agnósticos e laicos que se digam, a denúncia-revelação de Jesus, em seu tempo e país, como a que eu próprio, na peugada dele, hoje também faço aqui neste Encontro, não tem, eu sei, qualquer impacto nem, porventura, qualquer credibilidade, apesar de ser - digo-o sem que a voz me trema - a palavra do Espírito de DeusVivo, o pleno da Lucidez humana na História. Saibam que todos esses exércitos de funcionários do Religioso, sacerdotes, pastores, mestres, que vivem e enriquecem, como chulos do Religioso, são efectivamente assassinos, dementes, perversos, ainda que ninguém os tome por tais, muito pelo contrário, todos os tomam até por crentes, por benfeitores, por sábios, por santos. Porém, tal como Jesus, também eu digo: Quem tiver ouvidos para ouvir que oiça e olhos para ver que veja!
Volto, por isso, a insistir, hoje também: não é o Ateísmo generalizado de hoje que nos deve afligir. Mas o facto/factor Religioso e a sua persistência no seio da Sociedade e no Mundo dos humanos. Porque ele é intrinsecamente idolátrico. Liga/religa os indivíduos e as multidões em redor do Deus-Ídolo Religioso, por isso, na Alienação, numa ininterrupta gigantesca Operação, feita de muitas e sucessivas operações, que constitui a maior das alienações e humilhações dos seres humanos e que os deixa sempre na situação/condição de multidões cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor, a vida inteira, a correr para os cultos, para os templos, para os santuários, desgraçados e humilhados pagadores de promessas, ludibriados pelo canto de sereia dos pastores e dos sacerdotes que não passam de profissionais da mentira, da exploração mais descarada, hipocritamente, disfarçados de virtuosos e de santos, homens de Deus, só que do Deus-Ídolo Religioso. Foi esta Idolatria religiosa, esmagadoramente dominante em todos estes séculos de Cristandade Ocidental, que fez as chamadas descobertas e conquistas e, através delas, levou ao resto do Mundo então conhecido toda esta Demência/alienação religiosa católica e protestante, mediante a Cruz e a Espada. E com a Bíblia como suporte ideológico, justificadora de todos os seus nefandos crimes, porque lida sempre por eles, não a partir de Jesus, como sempre deverá ser, mas apenas a partir do facto/factor Religioso, já presente, de outras formas e de outros modos culturais, em todos os povos, todos ainda hoje por Evangelizar, por isso, todos caídos na Idolatria do Deus-Ídolo Religioso. Com estes três instrumentos - a cruz, a espada e a bíblia obscenamente interpretada - foram depois enviados e ainda hoje continuam a ser, sucessivas levas de missionários, sacerdotes, técnicos, mestres, executivos do Religioso, do Deus-Ídolo Religioso, todos eles devida e previamente instruídos/formatados por verdadeiras lavagens ao cérebro, tal como sempre se faz aos soldados de um qualquer exército imperialista, nesta Mentira e todos, uns mais, outros menos, fervorosos praticantes desta Idolatria, prontos até a dar a própria vida por ela e pelo seu Deus-Ídolo Religioso, nunca pelos povos oprimidos, escravizados, explorados, assassinados por Ele, e para junto dos quais foram, são, enviados. Foi esta a primeira Globalização da História, não menos perversa que a que hoje está aí cada vez mais emergente, também ela assassina, genocida, ecocida, a do Deus-Dinheiro, mais ainda que a do Deus-Ídolo Religioso. Inclusivamente, foi essa primeira Globalizção do Deus-Ídolo Religioso que serviu de alfobre à germinação da nova Globalização emergente do Deus-Ídolo Dinheiro e que está, esta última, cada dia que passa, a tornar-se o Monstro, a Besta que nos descriará a todas, todos, a menos que consigamos sustê-la e decapitá-la a tempo, coisa deveras difícil de se conseguir, tão enfeitiçados que andamos hoje (quase) todos com ela. Porém, nunca esta outra Globalização teria acontecido sem aquela. Somos contemporâneos da emergência em força deste novo Ídolo, o Deus-Ídolo Dinheiro e sua Globalização, que tem nos Executivos das nações, da direita e da esquerda, nas universidades, mesmo católicas, nos grandes media, nos exércitos do Império e dos seus múltiplos países satélites (Portugal deveria ter vergonha, mas ainda se orgulha de ser um deles, e dos mais subservientes!), os seus mais dedicados servidores, hoje, não mais analfabetos como os antigos reis, mas todos eles Executivos intelectualmente desenvolvidos/formatados pela Ideologia do Deus-Ídolo Dinheiro, por isso, desenvolvidamente dementes, não desenvolvidamente sapientes. A Mentira/Idolatria está de tal modo bem urdida e é apresentada de modo tão ilustrado, que nem sequer os ateus tradicionais, que o são do Religioso e do seu Deus-Ídolo, se apercebem dela. E, embora continuem aí, em número cada vez maior, convictos ateus do Deus-Ídolo do Religioso, são quase todos fanáticos adoradores do Deus-Ídolo Dinheiro, senão mesmo, os seus principais Executivos à frente das nações, os seus principais intelectuais orgânicos, os seus principais sacerdotes, os seus principais cientistas, economistas, banqueiros, administradores das grandes empresas multinacionais, os seus principais jornalistas e até os seus principais bispos residenciais e os seus principais párocos, estes últimos - bispos residenciais e párocos - na medida em que insistem em ser perseverantes praticantes do Religioso que (re)liga os indivíduos (não confundir com pessoas) e as populações (não confundir com povos nem com comunidades) à volta do Deus-Ídolo Religioso inventado pelos medos e pelas carências de toda a ordem desses mesmos indivíduos e dessas mesmas populações, sem nunca se atreverem - esses bispos e párocos - a converter-se ao DeusVivo, o de Jesus, e nem nunca se atreverem a ser seguidores e prosseguidores de Jesus, o da plena Lucidez Humana, muito menos se atreverem a prosseguir as suas mesmas Causas, as suas mesmas práticas políticas, económicas e afectivas maiêuticas, os seus mesmos combates teológicos em forma de duelo, numa palavra, a sua Missão de Evangelizar os pobres e os Povos, tão belamente sintetizada pelo Evangelho de Lucas 4, por ocasião da apresentação do seu programa político do Reino/Reinado de Deus, seu Pai/Mãe, o Abbá.
Por isso, digo/advirto e não me cansarei de repetir/advertir: Hoje, o Ateísmo do Deus-Ídolo Religioso só por si não chega. Quando o único Deus-Ídolo global era o do facto/factor Religioso, católico, protestante ou outro qualquer, ser ateu já era ser suficientemente subversivo e conspirativo. Daí os ateus de então serem perseguidos e excluídos, mortos. Mas hoje, com a emergência em força do novo Deus-Ídolo, o Deus-Ídolo Dinheiro, é preciso mais, muito mais do que o Ateísmo do Deus-Ídolo Religioso. É preciso o Ateísmo do Deus-Ídolo Dinheiro. E para isso, nada melhor do que ousarmos abrir-nos à mesma Fé de Jesus e vivê-la à século XXI. Durante estes séculos de Cristandade Ocidental que foram séculos de Idolatria, a do Deus-Ídolo Religioso e que as Missões católicas e protestantes ajudaram a levar ao resto Mundo - foi a primeira Globalização da História, a do Deus-Ídolo do Religioso - até a Fé de Jesus foi sempre e propositadamente confundida com Religião, a católica, primeiro, e depois também a Religião protestante, nas suas múltiplas Igrejas, mais que muitas! E Jesus sempre foi propositadamente confundido com um mítico Cristo, depressa convertido no Deus-Idolo maior dessa Globalização do Religioso. Tudo Idolatria religiosa! Por isso é que, ao surgir a nova Globalização, a do Deus-Ídolo Dinheiro, chegou-se a escrever que havíamos chegado ao fim da História. Daqui em diante, não haveria mais nada de novo, sempre seria mais do mesmo, apenas mudariam as embalagens onde se envolvia o mesmo produto. Esta afirmação que correu mundo e acabou por ser rapidamente interiorizada pelos indivíduos e pelas populações que, assim, nunca chegam a ser pessoas nem povos, é, porém, a mais rotunda e a mais descarada Mentira que tem de ser denunciada/desmascarada. E já está a ser. Também aqui, neste nosso pequenino Encontro de Espiritualidade. Porque, em vez de irmos por ela, voltamos - e é imperioso que muitas mais pessoas e os povos o façam também - a olhar Jesus, o de Nazaré, a quem os da Religião, do Poder-Império e do Dinheiro trespassaram, depois de o terem assassinado na Cruz deles, assim como é imperioso que voltemos a olhar a sua Espiritualidade (para isso nasceram estes Encontros, lembram-se?!). À medida que o fizermos, sempre na escuta do Espírito de DeusVivo, não do Deus-Ídolo do Religioso, descobriremos progressivamente que, ao longo destes séculos de Cristandade, até a Fé de Jesus e a sua via ou caminho, feita de práticas políticas, económicas e de partilha de afectos foram sequestradas pelo Religioso, pelo Deus-Ídolo Religioso que este sempre inventa /cria/alimenta. E descobriremos igualmente que até Jesus, sob o apelido de Cristo, que ele nunca aceitou que lhe atribuíssem, pelo menos, em sentido davídico, acabou guindado à categoria de Deus, o maior da Religião católica e das Religiões protestantes, nascidas no século XVI e todas elas filhas bastardas da Religião católica, não filhas do Espírito de Jesus e de DeusVivo, que não gosta que elas façam dele o fundador de uma nova Religião. Tudo isso é Idolatria religiosa que DeusVivo vomita, porque leva sistematicamente os indivíduos e as populações a ser-viver permanentemente cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor.
Hoje, neste século XXI e no início do terceiro milénio depois do nascimento de Jesus, começamos finalmente a descobrir, mais ainda do que as primeiras comunidades que, no século primeiro, reuniam em seu nome, a Fé de Jesus (não confundir com Fé religiosa em Jesus, como sempre fizeram e continuam a fazer a Religião católica e as Religiões protestantes, com maior incidência ainda para as recém-criadas). Descobrimos também que a Fé de Jesus não é Religiosa, mas política, pois abre-nos ao DeusOutro, o do Reino, não o do Templo ou do Religioso, por isso, o DeusVivo que até nem gosta de Religião, antes a combate ferozmente como Idolatria, pois em todas as suas manifestações, qual delas a mais demente e absurda, (re)liga os indivíduos e as populações em torno de um Deus-Ídolo cruel, que até sacrifícios humanos exige. Ora, DeusVivo, o da Fé de Jesus, do que verdadeiramente gosta é de práticas políticas, económicas e afectivas maiêuticas que nos fazem crescer em ser e liberdade, em sabedoria (não em demência) e em maioridade humana (não em medo e infantilismo), porque Ele é Espírito, mais íntimo a nós do que nós próprios, e só em espírito e verdade quer ser adorado, por isso, só com práticas das do tipo que acabei de enunciar, no prosseguimento das mesmas de Jesus, o seu Filho muito amado. Estamos apenas a começar a (re)descobrir e a viver esta via política (nunca confundir com Poder, sempre demoníaco e demente) de Jesus, nos antípodas do facto/factor Religioso. Percebemos, com Jesus e a sua Fé política, não religiosa, que o que nos liga e religa, não é o Deus-Ídolo Religioso, com os seus templos, altares e sacerdotes/pastores, mas são os afectos partilhados, as mesas partilhadas, os combates teológicos em forma de duelo contra o Deus-Ídolo Religioso e contra o Deus-Ídolo Dinheiro, durante os quais se pode perder até a vida, mas só depois de se ter perdido primeiro o bom nome, a honra, o respeito e até um lugar ao sol. Porque o Deus-Ídolo Religioso e o Deus-Ídolo Dinheiro, ambos hoje fortemente globalizados e unidos como um só, e servidos por exércitos de Executivos, do Papa de Roma a Bush (não esquecer a recente viagem de Bento XVI aos EUA, com os seus encontros altamente secretos!), do Oriente ao Ocidente, e por exércitos de militares sofisticadamente armados, não perdoam que os desmascarem como o Perverso Organizado, a Demência Organizada, o Assassínio Organizado, a Mentira Organizada que efectivamente são. Como, de resto, em seu tempo e país, já não perdoaram a Jesus, o de Nazaré.
Como chegarmos à mesma Fé de Jesus e às mesmas práticas políticas maiêuticas de Jesus? Escolher/decidir livremente ser pobre, isto é, não-rico, e por toda a vida, é a primeira condição essencial. Sem esta opção/escolha essencial, nada feito. O relato que os três Evangelhos Sinópticos fazem do Homem Rico é eloquentemente exemplar! Sem esta opção/escolha essencial, não passaremos de palradores, papagaios, com discursos porventura muito ilustrados, mas estéreis ou mesmo perversos, uma vez que, apesar deles, as nossas vidas continuam carregadas de privilégios, de lugares de honra e de prestígio, de cátedras prestigiadas e bem remuneradas, que o Deus-Ídolo Religioso e o Deus-Ídolo Dinheiro sempre garantem a quem os serve sem condições, à direita ou à esquerda do Poder. A outra condição essencial, mas que já decorre desta primeira e só é possível depois de vivermos a primeira, é estarmos dispostos a protagonizar como Jesus, os mesmos combates teológicos que ele protagonizou, em forma de duelo, o que pressupõe enfrentamento e conflito, mas, pelo menos, do nosso lado, sempre desarmado, à maneira de cordeiros no meio de lobos, para, com eles, desmascararmos o Deus-ìdolo Religioso e o Deus-Ídolo Dinheiro e todos os seus truques, todas as suas mentiras, todas as suas perversões, todas as suas seduções. Se formos por aqui, acabaremos, como Jesus, por ter quase todo o Mundo contra nós. Até os ateus tradicionais do Deus-Ídolo Religioso, adoradores devotados do Deus-Ídolo Dinheiro. Senão de forma activa e cruenta, a outra ainda mais martirial que esta, e que se traduz no mais completo desprezo de quase todo o Mundo. Mas é assim que contribuiremos, na nossa fragilidade e na nossa (in)significância, para que o Mundo avance para o Humano integral que é a Maioridade Humana, a ser vivida na Sororidade/Fraternidade Universal, sem a exclusão de ninguém, inclusive, dos que assim nos (mal)tratam. Só quando aí chegarmos como Humanidade global, é que os indivíduos passam a pessoas e as populações passam a Povos, Filhas/Filhos muito amados de DeusVivo, o Abbá, como Jesus, o de Nazaré, que nos precedeu nesta Maioridade Humana e se constituiu no Caminho ou Via política para lá chegarmos!
A Missão de que fala Jesus e para a qual nos envia, às, aos que partilhamos da sua mesma Fé política, não religiosa, é por aqui que vai. E só poderá ser protagonizada por Mulheres/Homens que pratiquem estas duas condições essenciais que acabei de enunciar, e por toda a vida. Sempre como cordeiros no meio de lobos. De cidade em cidade. De casa em casa. Até ao extremo do Mundo. Está aberto o diálogo entre nós. A palavra é, a partir de agora, de todas e cada uma, todos e cada um, cada qual na sua vez. Quem avança? |
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Missões sem Missão
Jornal Fraternizar não resiste a partilhar aqui a intervenção sobre A MISSÃO HOJE, que calou fundo na consciência e no coração de quantas, quantos participámos no 12.º Encontro de Espiritualidade. Vai tal e qual ela ficou, depois de posteriormente enriquecida com o que de melhor foi dito por outras intervenções que a precederam. Eis.
1. Nestes 20 séculos de Igreja e de Cristianismo não jesuânico, Cristianismo religioso não jesuânico, o que, infelizmente, mais temos feito em termos de Missão é tudo ao contrário do que Jesus fez, como enviado (= apóstolo, missionário) do Pai/Abbá! Espalhamos por toda a parte o culto do Deus-Ídolo Religioso e o Império. Submetemos tiranicamente os povos. Roubamo-los. Exploramo-los. Reduzimo-los cinicamente à servidão e à escravidão. Foi tudo Crime, horrendo Crime e, para mais, sem qualquer castigo. Pelo contrário, um Crime até aplaudido e tido como Civilização! É ainda isto que continua a fazer a generalidade dos missionários, católicos ou protestantes, nas chamadas Missões. Todas elas Missões sem Missão, a de Jesus. Todas elas Missões contra a Missão, a de Jesus. É também o que continuam aí a fazer as chamadas novas Igrejas evangélicas, com destaque, entre nós, para as de fala brasileira, a do Reino de Deus, por exemplo, ou portuguesa, como a autodenominada Igreja Maná, do autodenominado Bispo Tadeu. Todas estão aí, vão/vieram para roubar, matar e destruir o que há, e que não diga com os interesses delas. Todas vieram/vão para impor o Ocidente, o Deus do Ocidente, que é o Deus-Ídolo Religioso, a Idolatria do Ocidente, com todo o seu cortejo de crimes, de prepotência, de guerras, de ódios, de imperialismo, de moralismo, o mais crasso e o mais humilhante. Chegam, instalam-se e instalam os alicerces da nova sucursal da empresa multinacional religiosa que os enviou/envia e, pouco depois, já estão a baptizar e a fazer novos prosélitos, a troco de nada, de ilusões, de mentiras. E também de ameaças, algumas eternas, qual delas a mais terrorista. Com isso, aumentam as estatísticas da sua Empresa multinacional religiosa. E com o aumento das estatísticas, vem também o aumento do poder, da influência da instituição/empresa multinacional religiosa que os envia. Podem chegar sem nada junto dos povos para onde vão, mas, passados anos, já têm lá um pequeno império em casas, quintas, templos ou igrejas, seminários, escolas, paços episcopais, catedrais, rádios, canais de televisão, até aviões privativos. E até se permitem dividir o território onde se instala(ra)m em dioceses e paróquias, à frente das quais colocam hábeis gestores/administradores, com voto de pobreza e de obediência que mais e mais enriquecem a instituição. Quantos mais prosélitos fizerem, mais visibilidade / notoriedade terá a instituição/empresa multinacional religiosa que os enviou. E mais poder, mais influência, mais prestígio, mais contribuintes, mais dízimos, mais oferendas dos fiéis, mais dinheiro sujo para ser lavado, mais benefícios fiscais por parte dos Executivos das nações onde actuam e com os quais sempre se entendem às mil maravilhas (as excepções a esta regra só a confirmam!). À chegada, metem-se, para mais facilmente entrar e ser aceites, a fazer caridadezinha de todo o tipo e, com isso, mais ofertas e mais donativos recebem dos países do Ocidente, arrancados aos clientes que frequentam os cultos idolátricos das Igrejas-mãe que os enviaram como missionários “ad gentes” (entenda-se, aos que ainda não pertencem à nossa Empresa/Instituição multinacional religiosa). Não tenham dúvidas: É um negócio altamente rentável. E quase sempre isento de impostos! Ninguém, obviamente, lhes chama assim, mas a verdade é que as tradicionais Missões pouco mais são do que outro nome para dizer empresas multinacionais do Deus-Ídolo Religioso, que crescem à custa da Idolatria que promovem e praticam, em múltiplas frentes, de geração em geração.
2. Jesus, o de Nazaré, fez exactamente o contrário: fez-se itinerante (é o que quer dizer a expressão evangélica “não tinha onde reclinar a cabeça”), andava de terra em terra, de povoação em povoação, mas sempre sem bolsa nem alforge e nem sequer tinha duas túnicas! Dava de graça o que havia recebido de graça. E, quando, pouco tempo depois de ter iniciado publicamente a Missão, passou a ser um Enviado/Missionário/Apóstolo marcado para morrer, até à clandestinidade teve de recorrer, para poder aguentar-se mais tempo a subverter e a conspirar, isto é, a libertar consciências, brutalmente oprimidas e a despertar autonomias, brutalmente reprimidas, o grande objectivo da Missão que lhe competia como Enviado do Pai/Abbá. Tanto assim, que aquela que é chamada a última ceia ou a sua Páscoa, teve de ser realizada na sala emprestada duma casa, e tudo na mais rigorosa das clandestinidades - nem o grupo dos Doze sabia onde seria! - porque os inimigos dele e da sua Missão eram mais do que muitos e todos muito influentes e poderosos e dispunham de riqueza bastante para pagar a traição até de algum dos Doze. Na vivência da Missão de Enviado do Pai/Abbá, Jesus começou pobre e pobre acabou, aliás, até mais pobre do que quando começou. Na cruz, até das suas roupas foi despojado e viu-as ser repartidas entre os seus próprios algozes. Morre, melhor, é assassinado na maior das ignomínias, não na maior das glórias, como, por exemplo, o papa João Paulo II, a Madre Teresa de Calcutá, ou Chiara Lubich, a fundadora dos Focolares.
3. Com as populações ou multidões, Jesus não trabalhou nunca para as levar a frequentar mais assiduamente o Templo e a Sinagoga, os cultos, a prática da Religião dos antepassados. Trabalhou afincada e incansavelmente para as tirar do Templo e da Sinagoga, locais que ele viu como de Humilhação das pessoas, onde a toda a hora e de todos os modos era difundida a ideologia dominante do Deus-Ídolo Religioso que mantinha as populações subjugadas e humilhadas, paralíticas, cegas, surdas, mudas, mais mortas que vivas, como abundantemente relata/revela qualquer dos quatro Evangelhos canónicos, mas que as catequeses das Igrejas nos têm levado interesseiramente a interpretar sistematicamente como doentes físicos, quando do que se trata é de indivíduos e de multidões totalmente subjugadas pela Ideologia do Deus-Ídolo Religioso. Como hoje dizemos em bom português, indivíduos e populações totalmente apanhadas por dentro e desde dentro! E com as quais Jesus se relacionou em proximidade e afecto, e tudo fez para as tirar de vez do Templo e da Sinagoga, porque o Deus que lá se invoca(va) e ao qual se presta(va) culto era (é) Deus-Ídolo, nada mais. A religião unia (une), ligava (liga) o povo, mas na alienação, na humilhação. Sair dela e do Templo onde ela tinha lugar com toda a pompa e circunstância, era como, séculos antes, ter saído/fugido do Egipto dos faraós, classificado pelo livro do Êxodo como “casa de opressão”. Era, por isso, o primeiro passo a dar por parte dos indivíduos e das populações, para cada um deles e delas, finalmente começar a ser pessoa, a ser gente, a ser povo de povos. Jesus nunca quis ter prosélitos, nem nunca fez prosélitos. Quis mulheres e homens livres. Autónomos. Inclusive, dele próprio. Ele era como a parteira junto das populações. Para que elas fossem pessoas e se assumissem na História. Como se ele não existisse. Fossem pessoas ocupadas, não com ele, nem com os cultos religiosos do Templo, mas com os outros que ainda iam na via da Mentira/Idolatria do Templo e da Sinagoga e, por isso, viviam oprimidos, infantilizados, reprimidos, tolhidos, mais mortos do que vivos. Os debates teológicos e as práticas políticas maiêuticas eram o seu forte. Quase sempre duélicas, de tão radicais e de tão libertadoras. Poucos, muito poucos se abriam a esta sua via. A esmagadora maioria preferia a segurança e o bom nome que o Religioso e o seu Deus-Ídolo, sobretudo, o Religioso dominante sempre garante numa terra, nomeadamente, numa aldeia, numa rua, num pequeno país. Seguir pela via política maiêutica que Jesus vivia e propunha era igual a desligar-se/libertar-se - o contrário do que faz o Religioso - da família, dos vizinhos, do povo, sempre que a família, os vizinhos, o povo não iam/vão por aí e prefere manter-se na tradição dos seus antepassados. Ir pela via Jesus era passar a viver em Deserto no meio dos demais. Era assumir o mesmo estatuto dos marginalizados, dos leprosos. Era ligar-se a eles e ser um deles. Era ligar-se aos pecadores e ser considerado um deles. Era ligar-se aos sem-honra e ser um deles. Era ligar-se aos Ninguém e ser um deles. Era ligar-se aos de má fama e ser um deles. Ganhava-se em liberdade/maioridade humanas, exactamente o que se perdia em alienação/religião/idolatria, segurança, bom nome, apoio familiar, apoio da vizinhança. Quase sempre quem aderia a Jesus e à sua via acabava expulso da Sinagoga e do Templo, da família, como os leprosos, e conhecia na pele o desprezo dos vizinhos. Tornava-se um maldito. O relato teológico que o Evangelho de João (capítulo 9) inspiradamente concebeu e escreveu sobre o homem que nasceu cego - todas, todos somos este homem - e que, no contacto com Jesus, ficou a ver - já poucos de nós aceitamos chegar a este patamar de desenvolvimento humano, de maioridade mental e existencial, preferimos ficar sempre iguais à maioria dos outros, dizer amen com todos, manter-nos integrados no Sistema e tirar proveito disso, arranjar bons empregos para os filhos ou filhas, manter boas relações com o senhor abade, reproduzir os discursos do papa e do bispo diocesano, mesmo que eles digam o contrário do Evangelho, agradar aos de cima, em todas as áreas, aos que mandam no burgo, enfim, sermos politicamente correctos - é paradigmático do que sucede ao Enviado/Missionário do Pai/Abbá e ao que acolheu a Boa Notícia dEle que o Enviado testemunha e vive, sempre que a Missão é feita ao mesmo jeito de Jesus. Acabam ambos expulsos. Mas o Enviado que está na origem de todo aquele levantamento que transforma os indivíduos em pessoas humanas livres e as guinda ao estado de maioridade, sem mais necessidade de tutores, de sacerdotes, de intermediários, de ritos, de Ídolos, de Lei manipulada por minorias espertalhonas, fica, desde logo marcado para morrer!
4. Já a Igreja do princípio, em Jerusalém, fez tudo, ou quase, ao contrário do que Jesus pretendia que fosse feito pelos que se tinham na conta de seus discípulos e seguidores, e que ele próprio havia paradigmaticamente feito no país, até à hora de ser executado/assassinado. Tiago, irmão de Jesus, que nem sequer andou com ele, pelo contrário, sempre foi contra ele (cf. Marcos 3, 20-21; 31-35), veio logo a correr, depois que começou a ver que nem tudo tinha acabado com a morte do irmão, reivindicar os seus direitos de herdeiro e de líder do Movimento que nascia e prosseguia em nome de Jesus. E não é que conseguiu ficar mesmo como o chefe incontestado da primeira Igreja de Jerusalém? Nesse papel, foi logo meter-se no Templo, esse mesmo que Jesus destruíra simbolicamente e que havia classificado para sempre como “covil de ladrões”. E, com Tiago, também estavam Pedro e João, o mesmo é dizer, todos os do grupo dos Doze! Valeu-nos, nesta ocasião, e para o futuro da preservação da Fé/via política maiêutica de Jesus e da Boa Notícia de DeusVivo que ele é e nos deu a conhecer, a pequenina Comunidade jesuânica que reunia também em Jerusalém, mas clandestinamente, na casa de uma tal Maria, não a de Jesus, então ainda associada à Igreja liderada por Tiago - só mais tarde é que ela dará a sua integral adesão a Jesus e integrará as comunidades jesuânicas que estão na origem do Evangelho de João - mas a de João Marcos. Foi nesta comunidade que nasceu o Evangelho que leva o nome de Marcos, o mais antigo dos quatro Evangelhos canónicos e o que melhor nos diz quem é Jesus e que tipo de práticas maiêuticas realizou, todas marcadamente políticas, não religiosas. E foi também esta pequenina Comunidade, não reconhecida e até perseguida pela Igreja liderada por Tiago, que acabou por Evangelizar plenamente Pedro, libertá-lo definitivamente da prisão que era a Ideologia/Religião do Judaísmo, o Deus-Ídolo Religioso e a Igreja não jesuânica, liderada por Tiago (cf. Actos, primeiros capítulos).
5. O próprio Paulo, que é habitualmente olhado como o grande apóstolo da Missão junto dos não-Judeus, ou Gentios, levou anos e anos a difundir o Judaísmo na sua versão farisaica, de que era um dos líderes mais carismáticos e zelosos/fanáticos. As três viagens apostólicas que realizou e que Lucas relata com bastantes pormenores no Livro do Actos, ainda são todas feitas por este Paulo mais fariseu do que seguidor de Jesus e da via política maiêutica de Jesus, o de Nazaré, que ele nunca terá conhecido, apesar de contemporâneo dele. Era ainda o Paulo mais do Templo de Jerusalém e da Sinagoga do que da via política maiêutica de Jesus, a quem o Templo e a Sinagoga expulsaram e mataram, em conluio com o Império de Roma. Lucas, nos Actos, não esconde esta dolorosa realidade. Nós é que ainda a não soubemos ler, detectar, condicionados que estamos, quando lemos esse Livro, por séculos e séculos de Cristandade e de catequeses manipuladas sempre a dizer-nos o contrário. Só mesmo no final da terceira viagem apostólica, é que Paulo finalmente se fez todo de Jesus e da sua via política maiêutica, não religiosa. Nessa altura, tornou-se tão perigoso, subversivo e conspirativo quanto Jesus e por isso o Império romano não lhe perdoou tão radical conversão, com tudo de Novo Começo, de Novo Nascimento, não de Lei, de Religioso, mas de Espírito de DeusVivo. E logo o matou à espada. De nada lhe valeu, nessa altura, ser cidadão romano! Porém, já então nem o próprio Paulo se importou com isso. Quando experimentou toda a originalidade, toda a Boa Notícia do DeusVivo, o de Jesus, toda a força libertadora da via política de Jesus, deixou de vez o Deus-Ídolo Religioso, do Templo e da Lei e passou até a considerar tudo isso como esterco. Até o Templo de Jerusalém. Até a Lei de Moisés. Pois bem, é já muito deste Paulo jesuânico que escreveu a Carta aos Gálatas, o mais espantoso monumento à Liberdade e à Maioridade humanas, objectivo último da Missão, tal como Jesus a protagonizou e quer que a prossigamos até aos confins do Mundo. Não para fazer prosélitos. Mas para, como parteiras, ajudarmos a dar à luz seres humanos livres e em estado de maioridade, autónomos, sujeitos, senhores dos próprios destinos.
6. Valeu-nos, entre os homens, Marcos, e, entre as mulheres, Maria Madalena. Sem ele e sem ela, provavelmente, ainda hoje seríamos seguidores da Lei de Moisés, da Religião Judaica reciclada e cristianizada. Que é o que ainda hoje é a nossa Igreja católica romana: um misto de Judaísmo reciclado/cristianizado (o Antigo Testamento, no seu pior) e de Paganismo religioso do Império romano, com os seus múltiplos cultos politeístas idolátricos, com destaque para o culto da Deusa Virgem e Mãe, chamada sempre de Nossa Senhora (= Nossa Deusa), na multiplicidade das suas imagens, qual delas a mais inestética e dos seus múltiplos títulos, tantos quantos as habituais situações de aflição e de debilidade das populações cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor, aos quais, no século XIX e no início do século XX, foram acrescentados, na Europa, mais dois, com as respectivas imagens, o de Nossa Senhora da Imaculada Conceição e o de Nossa Senhora de Fátima, o primeiro, registado em França contra a Ilustração e a Modernidade, o segundo, registado em Portugal contra a República e o novo regime saído dela em 1910, e que se atrevera a separar a Igreja católica romana do Estado e a despojá-la das suas riquezas acumuladas e concentradas! Saibam que a Igreja católica romana, na pessoa dos seus Bispos e dos seus Párocos católicos, mente com quantos dentes tem na boca - direi isto nem que seja ao próprio Papa - quando diz que todas as imagens de Nossa Senhora e todos estes títulos que as populações não evangelizadas lhe atribuem são de Maria, a de Jesus. São exclusivamente da Deusa Virgem e Mãe dos cultos do Politeísmo religioso do Paganismo, muitos deles, anteriores vários séculos ao próprio nascimento de Maria. De resto, uma tal catequese, para lá de descarada mentira, constitui também um insulto a Maria, a de Jesus, essa mesma que o Evangelho de Lucas nos apresenta a cantar o DeusVivo que derruba os Ídolos (= poderosos) dos seus tronos/altares e levanta até à liberdade e à maioridade os Humilhados por eles.
7. A Missão, hoje. Só vale, se prosseguir a Missão de Jesus, o dos Evangelhos canónicos, com destaque para o de Marcos e o de João. O de Marcos, porque o mais antigo e o mais próximo do vivido e dito por Jesus, onde tropeçamos a cada parágrafo com as maiêuticas práticas políticas, económicas e de afectos partilhados de Jesus, que também havemos de fazer nossas, animados pelo mesmo Espírito de DeusVivo que o animou a ele. O de João, com os seus debates teológicos, quase sempre duélicos, feitos a partir de práticas maiêuticas, radicalmente libertadoras e até provocados por elas, que sempre levam os indivíduos e as populações a deixarem de vez o Deus-Ídolo Religioso, a Idolatria, e a tornarem-se pessoas humanas e povos livres em estado de maioridade, com DeusVivo, que é Espírito, dentro delas e deles e mais íntimo a elas e a eles do que elas próprias, eles próprios, inteiramente responsáveis pela História, como se Deus não existisse. E, pelo menos, no tocante ao Deus-Ídolo Religioso, efectivamente não existe, é apenas fruto dos nossos medos e das nossas inseguranças, aflições e fragilidades! Os outros dois Evangelhos, o de Mateus e o de Lucas, embora reproduzam muito do de Marcos, também já “corrigem” ou adocicam o que ele tem de mais radical e de humanamente mais chocante. Representam, por isso, o início da traição feita a Jesus, o de Nazaré e à sua via política maiêutica, não religiosa, e que a Igreja católica, com Constantino, concretizou e, depois da queda do Império romano, levou ao extremo. O desvio, no início, pareceu insignificante, mas depois de todos estes séculos de Cristandade, vemos quanto ele tem de monstruoso. Acabou por transformar Jesus num mítico Cristo e num deus mais, entre os muitos míticos deuses dos cultos do Paganismo religioso e, depois, no único Deus-Ídolo Religioso, quando todos os outros foram oficialmente proibidos e banidos. E fez mais: Ao ver que não conseguia acabar/banir da vida das populações os ancestrais cultos em honra da mítica Deusa Virgem e Mãe, nos seus múltiplos títulos e nas suas múltiplas imagens, proclamou que todas essas imagens e todos esses títulos se referiam exclusivamente a Maria, mãe de Jesus, e com isso, fez dela não mais a Mulher que acabou por dar a sua plena adesão a Jesus e à sua via política maiêutica, nas comunidades que escreveram o Evangelho de João, mas a mítica “Mãe de Deus” do Paganismo, na qual estão contidas todas as míticas deusas, e que até manda em Deus, não obviamente, o DeusVivo, o de Jesus, mas o Deus-Ídolo Religioso, como mãe dele que é! Puro Paganismo. Pura Idolatria.
8. A terminar, digo: uma Revolução Teológica é preciso. Jesus, o de Nazaré, fê-la, iniciou-a, viveu-a. Por isso mesmo foi assassinado e com um género de morte, a mais ignominiosa. Hoje, não há Missão a valer, se não for para prosseguir a Revolução Teológica que Jesus fez, iniciou e protagonizou. O terceiro milénio espera por ela como de pão para a boca. E será ela que fará a Humanidade sair da Idolatria, hoje, também e sobretudo, do Deus-Ídolo Dinheiro, para chegar à liberdade e à maioridade, coisa que nunca acontecerá, enquanto a Idolatria se mantiver, porque a Idolatria sempre oprime, humilha, infantiliza os seres humanos. Com ela, só o Deus-Ídolo cresce e os seres humanos diminuem, até se tornarem lesmas, coisas, capacho dos Ídolos, dos Poderosos, dos sacerdotes, dos pastores e dos outros Executivos das nações e das grandes empresas. Ou, até de um simples caciquezito qualquer, lá da aldeia onde as populações vivem condenadas a ter de diminuir, proibidas que estão pela Idolatria de crescer em sabedoria e em graça, em liberdade e em maioridade! É hora! |
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DESTAQUE 2
Jantar Partilhado casou Cristina e Isidro
E tudo aconteceu na maior das simplicidades. Como sempre deveria ser entre os seres humanos. No decurso de um jantar, na sala da Casa da Comunidade, depois de um dia normal de trabalho profissional, tanto dos próprios nubentes, como dos seus familiares mais próximos que tudo aceitaram com naturalidade e alegria. Também fui convidado pelos nubentes, na minha dupla qualidade de amigo e de presbítero da Igreja do Porto sem ofício pastoral oficial. A minha presença fez a diferença e deu realce ao Sinal. Leiam. E, em lugar de se escandalizarem, cantem com Andreia Cristina e Isidro este Dia que o Amor fez!
Desde a noite de sexta-feira, 28 de Março 2008, que Andreia Cristina, de Macieira da Lixa e Isidro, de Pedreira, duas freguesias do Concelho de Felgueiras, estão a viver os primeiros dias e as primeiras semanas do seu casamento ou matrimónio, realizado por eles no decurso de um modesto Jantar em Família, na Casa da Comunidade que é simultaneamente a casa de Maria Laura e dos seus três filhos, dos quais Andreia Cristina é a filha mais nova, ainda que já com 25 anos de idade. O acto, realizado com a simplicidade e a verdade que os grandes momentos da vida humana, para o serem verdadeiramente, sempre devem ter, não contou com a presença de nenhum representante do Poder, nem o Eclesiástico, nem o Estado, cada qual o mais intrometido e o mais opressor, gerador de súbditos/senhores e de oprimidos/opressores, avessos ambos, cada qual ao seu jeito, à existência de mulheres e de homens em estado de liberdade, senhores dos próprios destinos, cidadãos políticos de corpo inteiro, a viver na História e a cuidar dela, como só pessoas livres o poderão fazer, nunca pessoas súbditas e mantidas em estado de infantilismo, ora agressivo e violento, ora subalterno e capacho, mas sempre encobridor e até descriador do que há de melhor nos seres humanos. Também estive presente, a convite de ambos, como amigo dela e dele e na minha condição de presbítero da igreja do Porto, despojado, como todos os presbíteros e bispos da igreja deveríamos ser, de todo o Poder, por isso, simplesmente companheiro e irmão de todas, todos. Um convite que os dois me fizeram, 48 horas antes, no decurso de uma singela visita à casinha onde resido, nas proximidades da casa da Comunidade. Quando os vi entrar pela minha cozinha, onde tinha acabado de jantar e estava a dar por terminada a lavagem da louça, calculei logo que, com ela e com ele, vinham aí boas notícias, concretamente, o feliz anúncio de um Novo Começo de vida a dois, uma espécie de Nova Criação. Semanas atrás, Andreia Cristina já me havia dado sinais de que, um qualquer dia, não muito distante, seria o Dia de ambos iniciarem a sua vida a dois, no primeiro andar da casa da Mãe dela, já preparada por eles e com o dinheiro do seu trabalho, para esse fim. E já nessa altura ela me tinha dado a entender que tudo haveria de ser assim como agora acaba de acontecer, na máxima simplicidade e na máxima verdade, realizado apenas na presença dos Pais dele e das suas duas irmãs solteiras que vivem ainda lá em casa com os pais, e na presença da Mãe dela e dos seus dois irmãos, um ainda solteiro e a viver na mesma casa, e o outro, o mais velho dos três, neste momento, a viver numa casinha alugada nas redondezas, mas quase sempre lá em casa, como se dela nunca tivesse chegado sair, e que, dada a diferença de idades que os separa - mais de dez anos - foi na vida de Andreia Cristina o irmão mais velho que fez quase de segundo pai, sobretudo, depois que àquele, inopinadamente, aconteceu a sua definitiva ressurreição, era ela ainda menina. As respectivas companheiras de cada um dos dois irmãos também vieram e igualmente a avó Isaurinha, que sempre esteve presente, desde o nascimento, no processo de crescimento de Andreia Cristina. Surpresa das surpresas, inclusive para Andreia Cristina, mas que muito a alegrou, foi a presença, de todo inesperada, inclusive para mim, de um casal de reformados, Ambrósio e Lurdes, muito amigos da casa e meus, bem como do Barracão de Cultura, a erguer-se ali mesmo ao lado, os quais souberam, mesmo sobre a hora, do Acontecimento que iria ter lugar naquela noite e deixaram tudo, apesar dos 76 anos dele e da doença dela que já a dificulta de andar, para estarem também presentes e, assim, registarem em DVD, coisa em que Ambrósio é perito, este Momento único e irrepetível na História, que não apenas na vida de Andreia Cristina e de Isidro. Para Andreia Cristina e Isidro, o dia 28 de Março 2008 em que tudo aconteceu, foi uma sexta-feira de trabalho, em tudo igual aos outros dias da semana, ela, como insubstituível animadora num ATL, com crianças, na maioria problemáticas, ele, como operário de construção civil, numa empresa (quase) familiar. Vieram, cada qual à sua hora, e pelos próprios meios, directamente do trabalho para aquele que seria e foi o último Jantar das suas vidas de namorados de há oito anos e o primeiro Jantar de casal que, durante ele, ambos iriam começar a ser, no entranhado amor que os faz ser um-para-o-outro, um-com-o-outro, e ambos-para-os-demais. Quando chegaram, a felicidade vinha estampada nos seus rostos. Traziam com eles, cada qual ao seu jeito, mais efusiva, ela, mais reservado, ele, a alegria e a festa, juntamente com o espanto geral das companheiras e dos amigos a quem haviam comunicado a notícia do passo que iriam dar nesse Jantar e nessa Noite. Nunca tal se vira e ouvira dizer por estas redondezas. A sociedade em que nascemos e vivemos está tão formatada pela Hipocrisia e pelo Faz-de-conta, que nem consegue entender a Simplicidade e a Verdade, quando alguém, para mais ainda jovem, decide recusar ir por aquelas postiças atitudes e prefere avançar por estas, tão saudavelmente carregadas de Humano, de Autenticidade e de Fecundidade. Eu próprio me surpreendi com tamanha Simplicidade e tamanha Verdade. Não que eu as não procure viver também todos os dias e as não proponha como modo de viver a toda a gente que o queira ser, mas por ver que Andreia Cristina e Isidro se me/nos revelaram capazes de irem também por aí, numa decisão que é inteiramente de ambos, ainda que também fruto de uma libertadora e maiêutica educação que, nomeadamente, no caso de Andreia Cristina, já vem desde o ventre materno e que, desde os seus quatro anitos, foi sucessivamente reforçada pelo ambiente da Comunidade que ela passou naturalmente a respirar e que fez dela a Mulher livre e acolhedora que hoje já é e que virá a ser cada vez mais, depois desta Decisão já consumada. No caso de Isidro, o tempo foi menor, durou tanto quanto os anos de namoro, vivido muito ali pela Casa da Comunidade e muito próximo daqueles dois ou três de que fala o Evangelho de Mateus que se reúnem em nome de Jesus e por isso a constituem. Assim como no interior da Associação AS FORMIGAS DE MACIEIRA, da qual ambos são associados e, neste momento, inclusive membros dos corpos gerentes. Efectivamente, são as Práticas que nos fazem. E quando estas são Práticas libertadoramente alternativas às práticas dominantes, fazem-nos progressivamente mulheres e homens alternativos, sinais vivos numa Sociedade geralmente feita de Cizentismo e de Mais-do-mesmo, sem lugar para o Novo, para o Imprevisível, para a Originalidade, numa palavra, para a Liberdade Criadora de cada vez mais Liberdade. Quando ambos me convidaram a estar presente e a participar activamente no Jantar, Andreia Cristina e Isidro sublinharam que esperavam de mim que ajudasse a explicitar todo o sentido profundamente humano contido nesta sua Decisão de darem início, de modo com tanto de invulgar quanto de simples, à sua vida a dois, distante dos representantes do Poder, e exclusivamente na intimidade da Verdade e do Amor que, quando praticados, nos fazem verdadeiramente humanos. O jantar seria, por isso, só por si, o Grande Sacramento ou Sinal que os tornaria uma só Carne para a vida do Mundo, Mulher e Homem indissoluvelmente unidos, sempre no total respeito pela Originalidade que é cada qual e há-de continuar a ser. Obviamente, que aceitei logo ali - tive de desmarcar outro compromisso para esse dia e para essa hora - e disse-lhes que a minha presença seria simplesmente como a da parteira na relação que mantém com a mulher em trabalho de parto. Para que tanto ela, Andreia Cristina, quanto ele, Isidro, fossem, nesse Jantar, plenamente sujeitos, porque assim haveriam de progressivamente ser pelo resto das suas vidas. Alegrei-me com esta Decisão de ambos, porque só uma Decisão assim proporciona àquelas, àqueles que a protagonizarem a possibilidade de se afirmarem em todo o seu esplendor, sem jamais ficarem reféns de nada nem de ninguém. Porque só esta Liberdade Praticada faz mulheres, homens livres e, por isso, progressivamente humanos, responsáveis, criadores, solidários, numa palavra, militantes políticos, bem nos antípodas do Poder. A Sociedade, de tão oprimida e subjugada que tem estado ao longo dos séculos que sempre foram de perversa Cristandade, continua ainda hoje a sentir grande dificuldade em entender uma Decisão como esta e apressa-se, até, a sair a terreiro para condenar quem a vive e quem se atreve a protagonizá-la, apesar da fragilidade dos seus corpos e das suas vidas. Inclusive, chegam a ser ainda muitos - para não dizer, a maioria - os que, na sobranceria da sua ignorância e da sua condição de súbditos e de integrados no Sistema dominante, apressam-se a dizer que uma Decisão como esta de Andreia Cristina e de Isidro não tem valor, não é reconhecida pela Sociedade, é como se não existisse. Na sua cegueira, esses muitos não conseguem ver a Luz que PASSA numa Decisão como esta e que os libertaria e faria deles finalmente humanos, se a aceitassem e passassem a ser capazes de outro tanto. Mas como, infelizmente, ainda hoje são a maioria da Sociedade, julgam-se, para sua vergonha, na posse da verdade. Nem sequer vêem quão súbditos são do Sistema e da Ideologia dominantes. Muito menos vêem que essa sua verdade, porque é fruto do Sistema dominante, mais não é do que Mentira, a Mentira Estrutural que os impede de chegarem a SER mulheres, homens em plenitude. Por sua vez, os que mandam no Mundo tão pouco reconhecem o valor duma Decisão como esta e riem-se dela e de quem a protagoniza, ao mesmo tempo que tudo fazem para a descredibilizar. Precisam inclusive de a diabolizar, para que, assim, a Mentira deles e do seu Sistema dominante continue a passar por verdade e o Poder deles não seja nunca atacado na raiz. Agem assim, porque são cegos, guias cegos, e causadores de cegueira. Só que o Futuro que vence o Tempo, o Efémero, jamais está ou estará com eles. Está, sim, é com mulheres e com homens como Andreia Cristina e Isidro que, na sua fragilidade, ousam ser elas próprias, eles próprios, e avançam nas suas vidas como sujeitos que são, não como súbditos que, antes de avançarem, pedem licença aos seus senhores, os do Poder. Fôssemos todas, todos assim, como Andreia Cristina e Isidro, e o Mundo seria outro no espaço de uma geração. O Poder cairia de podre, porque nem sequer teria quem se dispusesse a dar-lhe corpo. E, se houvesse quem lhe desse corpo, não haveria, entre os humanos, quem lhe desse ouvidos e acatasse as suas ordens. É manifesto, nos dias que correm, que os ventos continuam a soprar fortes, mas da banda do Poder, não da banda da Liberdade, como seria desejável e saudável. E por isso a Decisão de Andreia Cristina e de Isidro ainda mais impressiona e mais fascina. Que Força, que Sopro, que Energia os atravessa, para ela e ele serem/agirem assim? E com uma alegria e uma paz e uma naturalidade que me espantam, mesmo a mim, e me deixam profundamente comovido e edificado. Nem ela nem ele estarão ainda plenamente conscientes do Sinal em que se constituíram, ao avançarem com esta sua Decisão. Mas esta é uma Decisão que tem dentro a Força de Mudar o Mundo, tem muito de Nova Criação e este nosso Mundo só não se torna outro, já, porque a Luz, que esta Decisão é, brilha na Treva e a Treva está tão organizada em Sistema que logo faz tudo para a abafar e apagar. Mas ninguém pode apagar o Relâmpago que brilhou na noite de breu e de tempestade. A sua duração foi brevíssima, no Tempo, mas mostrou para todo o sempre que a Treva não é tudo, muito menos é o Essencial. Somos filhas, filhos da Luz e é para a Luz que avançamos, apesar da Treva. O duelo entre a Luz e a Treva é martirial e, nele, a Luz sempre acaba por perder, mas para mais depressa chegar a ganhar o Futuro. Andreia Cristina e Isidro vão, a partir de agora, conhecer a Oposição, a Crítica, a Murmuração, a Difamação, a Excomunhão de muitos. Conhecerão também - já estão a conhecer - a Simpatia, a Ternura, o Afecto, a Alegria, a Sororidade de alguns. Mas é, graças sobretudo, a estes poucos que abriremos as portas do Futuro que se quer de mulheres e de homens livres, sujeitos, criadores, sororais/fraternos, amigos, companheiros. Súbditos, não. Nunca! O Jantar correu num clima de descontracção e de festa, sem ruídos e sem excessos. Em ambiente de amena conversa. A Mesa foi Partilhada. A própria Andreia Cristina e o Isidro fizeram questão de suportar a despesa maior. Para não ficarem pesados nem à Mãe dela, nem aos Pais dele. Foi um Jantar, suportado pelo fruto do seu próprio trabalho. A Dignidade não podia ser mais bem explicitada. Digam lá, se não havemos de pôr aqui os olhos e aprendermos com este novo Casal que nasceu Casal num verdadeiro Sacramento, feito mais de Atitudes do que de palavras, e de nenhum Rito, apenas os gestos com que a vida se diz e se faz todos os dias. As palavras, foram sobretudo minhas. E as mais decisivas, logo a abrir o Jantar. Depois, também durante a sobremesa. Aqui, e já depois de tudo o que havíamos vivido em conjunto, disse-lhes, em jeito de improviso, que, naquela Noite, eles iriam ficar com a Casa toda só para eles. A Mãe de Andreia Cristina e o irmão que, a partir deste Jantar e desta Noite, têm o novo Casal a partilhar da mesma casa, nessa Noite iriam dormir em casa de Amigos. Maria Laura, por exemplo, foi com o casal Ambrósio e Lurdes, para a sua casa numa freguesia de Matosinhos e passou com eles todo o fim-de-semana. Quando isto, ouviram, Andreia Cristina, especialmente, mostrou-se surpreendida com semelhante decisão anunciada. Aproveitei, então, para lhes lembrar e sublinhar que, com esta decisão, todas, todos nós o que queríamos é que eles, na sua Primeira Noite como Casal e de estreia do seu Quarto Nupcial, pudessem estar inteiros um com o outro, sem o mínimo constrangimento. Porque - e sublinhei esta minha afirmação ainda com maior ênfase - o Amor Matrimonial tem duas dimensões, ambas essenciais: a dimensão Erótica e a dimensão Política, as quais ela e ele sempre haverão de viver intensamente. Acrescentei que, quanto mais viverem intensamente a dimensão Erótica do Amor, mais viverão intensamente também a sua dimensão Política. Pude ver, nos olhos de ambos, que entenderam a Boa Notícia e que a acolheram como sua. E, por isso, será assim que serão Mulher e Homem, uma só Carne para bem da Humanidade. Já as palavras que lhes disse, antes de iniciarmos o Jantar, levei-as escritas. Havia-as escutado durante a tarde desse mesmo Dia, para as partilhar com ela e com ele e com quantas, quantos estávamos ali com eles. É com estas palavras que termino esta Crónica teológica, escrita em forma de Evangelho ou Boa Notícia de Deus, o de Jesus. Eis:
Este não é um Jantar qualquer, nem esta é uma Noite como as outras noites. Este não é um Jantar como os que fazemos todas as outras noites, aqueles, aquelas de nós que ainda temos o que comer, porque, como sabeis, hoje há aí muitos milhões de pessoas - homens, mulheres e crianças (também crianças, ouviram bem?!) - que não chegam sequer a fazer uma refeição por dia. E são deste nosso Mundo globalizado, este nosso Mundo de poucos muito, muito ricos e de muitos muito, muito pobres, pior, empobrecidos pelos poucos muito, muito ricos. E esta Realidade humana e mundial - a Realidade! - nem mesmo nesta Noite havemos de a esquecer, apesar deste Jantar não ser um jantar como outro qualquer e desta não ser uma Noite como as demais noites. E até por isso. É também por este não ser um Jantar como outros quaisquer, nem esta ser uma Noite como as outras noites, que até eu estou aqui convosco, a pedido de Andreia Cristina e de Isidro, para fazer bem a diferença. Uma diferença que há-de fazer deste Jantar um Sinal, mais um, nesta aldeia/freguesia de Macieira da Lixa, uma aldeia que é mais do que um simples espaço geográfico, desde que na década de setenta do século XX, passou por aqui e permaneceu por uns tempos, cerca de três anos, um Sopro ou Espírito que não tinha nem tem nada a ver com o sopro ou espírito religioso que ainda continua a dominar a Humanidade, mesmo aquela grande parcela que se diz secular e até ateia. Esse Sopro ou Espírito é o mesmo que, um dia, pudemos ver em Jesus, o de Nazaré, o Homem mais Homem que alguma vez a Humanidade conheceu e que a marcou, para o bem e para o mal, para sempre. Porque ele era, é e será sempre o Grande Sinal de Contradição, aquele que fez, faz e fará a Diferença e que partiu a espinha à Opressão e ao seu Sistema Homicida e Mentiroso. E também a fez, quando, na referida década de setenta, passou e morou aqui. De modo que esta aldeia, sem deixar de ser o que era, espaço geográfico do Concelho de Felgueiras, passou a ser também um “Lugar Teológico” de um Deus, o de Jesus, que - vejam lá! - não gosta de Religião, mas de Política, de Práticas Políticas maiêuticas, gosta de Cultura, de Afectos Partilhados, de Práticas Políticas que abram os olhos da Mente aos Pobres, levantem os Caídos, façam andar os Paralíticos, numa palavra, levem as Pessoas e os Povos a organizar as suas vidas com total e tal autonomia, que nem elas nem eles precisem de benfeitores, de intermediários, nem sequer de Deus, muito menos de santas, de santos, de templos e de santuários. E é ainda esse mesmo Sopro ou Espírito, o de Jesus, que sempre faz a Diferença, que esta Noite também nos congrega e anima neste Jantar Matrimonial, Nupcial. Deixemo-lO andar aqui à solta e veremos com os nossos próprios olhos, os da Mente, e ouviremos com os nossos próprios ouvidos, os do coração, como Ele faz a Diferença, para alegria de todos nós que aqui estamos, e de muitas, muitos mais que vão saber deste Acontecimento. Andreia Cristina e Isidro são os protagonistas deste Jantar e desta Noite. Um Jantar e uma Noite Sinal de Contradição, na continuação do que Jesus é. Nunca mais Macieira da Lixa será como antes, depois desta Noite e deste Jantar. Nem o Viver de Andreia Cristina e de Isidro, nem o nosso próprio viver que testemunha este Acontecimento serão mais como antes. O Casamento que ambos como um só estão a fazer Acontecer aqui esta Noite, durante este Jantar e com este Jantar - é apenas o começo, porque o Casamento é para ser feito por eles durante todos os outros dias das suas vidas - é o Grande Sinal que faz a Diferença nesta Terra e que a confirmará como o “Lugar Teológico” que ela já é, desse Deus Vivo e Outro que nunca ninguém viu nem verá, mas cujo Rosto sempre podemos ver em Jesus, o Crucificado/Ressuscitado e nos Pobres. Sabeis bem, Andreia Cristina e Isidro, que não sou eu quem vos casa. Sois vós próprios que vos casais. Eu sou aqui como a parteira, vós como a mulher grávida em trabalhos de parto. Sois vós o Sujeito desta Acção, deste Acontecimento único e irrepetível na História. É por isso que o Pároco não faz aqui falta nenhuma. Nem o Templo paroquial. Nem os Ritos, nem os Rituais que lá se fazem para manter as populações subjugadas e oprimidas. Vós sois os Sujeitos desta Acção. Este é por isso o primeiro Dia do resto das vossas vidas! Hoje, 28 de Março 2008, é o Primeiro Dia do Ano Um das vossas vidas. Deixais definitivamente o Pai/a Mãe, a Família de cada qual. Não, no afecto, evidentemente, mas na Dependência. Cortais definitivamente o cordão umbilical. Constituís-vos neste Jantar e nesta Noite, Nova Família, não para continuardes a família que deixais, mas para começardes tudo de novo. Sois uma Nova Criação. Uma Nova Família, com o Sopro/Espírito de Jesus, por isso, não religiosa, mas política, Nova Família aberta ao Mundo, particularmente ao das Vítimas, hoje mais do que muitas, e não na linha da Caridadezinha, mas na da Libertação para a Liberdade, na linha da Cultura, das práticas políticas maiêuticas, como quem ajuda a fazer sair de dentro das pessoas as capacidades que lá estão adormecidas, ou até já mortas. Alegremo-nos todas, todos, por Andreia Cristina e por Isidro. Os dois, como um só, aqui estão, depois de um dia de trabalho normal, sem vaidades de nenhuma espécie, vestidos com a Simplicidade e a Ternura, com a Alegria e a Transparência de uma menina, de um menino ainda sem manhas, enfeitados com o Sorriso que lhes salta do mais fundo das suas vidas e dos seus corpos. Longe das Hipocrisias dos Templos e dos Santuários. Ambos, como um só, estão a dizer-nos, com esta sua lúcida e corajosa Decisão, que já alcançaram aquela maioridade que muitos doutores, engenheiros e homens de ciência e muitos eclesiásticos nunca chegaram a alcançar em toda a sua vida, porque efectivamente nunca chegaram a cortar com o Religioso, para serem Mulheres, Homens como se Deus não existisse. E a prova de que alcançaram já essa Maioridade é este Passo assumido por inteiro, tanto por ela como por ele, como se fossem um só. Só mesmo pessoas desta estatura, desta sabedoria, desta lucidez, desta audácia é que são capazes de dispensar o Pároco, a Paróquia, o Templo paroquial, o Rito, o Ritual, o Poder eclesiástico e o Poder do Estado que o chamado “casamento canónico” ou “pela Igreja” torna presente, precisamente, no Acto Matrimonial que sempre deverá ser a expressão maior da Liberdade e da Maturidade de quem o faz e que, assim, para quem ainda vai por ele, acaba por ser a expressão maior da Menoridade, da Submissão! Todas essas coisas podem ter tido o seu lugar, na vida das pessoas e dos povos, mas apenas no tempo da Menoridade, do Infantil, do Medo de Deus e dos Senhores seus pretensos representantes na terra. Não, quando se chega à Maioridade. Olhai que já S. Paulo o viu e no-lo disse, na sua Carta aos Gálatas! Vós, Andreia Cristina e Isidro, com este vosso Passo, realizado deste modo tão simples e tão humano - por isso, tão cheio de Verdade e de Graça - dais prova de que já alcançastes definitivamente a Maioridade e por isso estais aqui a dá-lo como se só vós existísseis, de resto a única maneira de alguém poder ser todos os dias para os demais. Bem-vindos, pois, a bordo, nesta Viagem da Maioridade por onde já navego também, há muitos anos. Sabei que a navegação pode ter momentos encapelados, tempestades, oposições, tsunamis, ataques, incompreensões, injúrias, desprezos. Tudo suportareis, alegres e desarmados, como pessoas que vêem o Invisível, o Essencial, como pessoas em estado de maioridade que agora sois. Para sempre! É por isso imensa a minha alegria por vós! E convosco. Valeu a pena ter nascido e vindo ao Mundo e ser ordenado presbítero da Igreja do Porto, dissidente q. b. na Igreja e não fora dela, só para agora viver este Momento convosco, para ver este Dia. Este é o Dia que o Amor fez! Um Dia que vai durar, enquanto durar a vossa vida na História, um Dia feito de muitos dias e de muitas noites, mas sem Ocaso, porque até o Ocaso, quando vos acontecer por imperativo dos anos já vividos, será ainda um Novo Começo, a Explosão maior e definitiva por que passareis para serdes o que hoje já sois, mas ainda como em semente, só depois em plenitude, como o Rio no Oceano! Este é o Dia que o Amor fez e que nos reuniu aqui. É o Amor que nos faz estar aqui com o que somos e temos de melhor. Parabém, Andreia Cristina! Parabém, Isidro! Parabém, Maria Laura, a Mãe de Andreia Cristina e, desde agora, mais irmã e companheira de vida, do que mãe. Parabém, Francisco, Pai de Andreia Cristina, agora já definitivamente ressuscitado e por isso ainda mais presente aqui entre nós. Parabém, Maria Amélia, a Mãe do Isidro. Parabém, Manuel Alexandre, o Pai de Isidro. Parabém, irmãos de Andreia Cristina! Parabém, irmãs de Isidro! Parabém, Isaurinha, avó materna de Andreia Cristina! Este é o Dia que o Amor fez. Nesta convicção, nesta Alegria, nesta Comunhão, demos então início ao Jantar, o Jantar que o Amor fez. E que será o Jantar que nos faz também e que a Vós, Andreia Cristina e Isidro, Vos faz uma só carne, um só Projecto para a vida do Mundo, um Viver a dois como um só Viver; um Jantar que Vos faz Mulher e Homem em estado de Maioridade para Alegria e Libertação da Humanidade que acolher este Vosso Sinal. Comamos e bebamos alegremente com Andreia Cristina e com Isidro, dois como um só, em indissolúvel unidade e na Originalidade de cada qual. E, pela vida fora, sempre que nos apetecer, cantemos, em memória desta Noite, esta quadra que hoje escrevi e aqui vos deixo: “Casar pela Igreja” é sinal / de submissão ao Poder / Fazei do Casar Rebeldia / Chegareis ambos a SER. |
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EDITORIAL
Só práticas políticas maiêuticas, não o Poder, salvarão o Mundo
Isto só lá vai com Política, com práticas políticas e económicas maiêuticas. Nunca lá vai com Poder, o Poder, seja de Esquerda, seja de Direita. Mas Política e práticas políticas e económicas maiêuticas exigem Pessoas e Povos, não apenas indivíduos e populações. Ora, o que hoje temos são indivíduos e populações. Pessoas e Povos nem por isso, são muito raros. A Política é também coisa rara, como são raras as Pessoas e são raros os Povos. Mais raro ainda, são as Práticas Políticas e Económicas maiêuticas. Estas têm tudo a ver com Jesus, o de Nazaré, e com o Espírito de DeusVivo, o de Jesus. O Poder não as suporta e tudo faz para as neutralizar, matar, crucificar.
A forma mais sibilina que o Poder encontrou para o conseguir sem que ninguém lhe vá à mão é confundir-se com a Política. É o Poder, mas faz-se passar por Política, como se os dois substantivos fossem sinónimos e não antónimos. De modo que a única distinção possível, ainda que totalmente artificial e virtual, é falar-se em Poder de Esquerda e em Poder de Direita. Já a Política nem é de Direita nem de Esquerda. É simplesmente Humana e cósmica. Ocupa-se e preocupa-se com os seres humanos, ainda em fase de criação, com os seres vivos em geral, ainda e sempre em transformação, com a Terra e com o Cosmos. Também com o Universo, no seu todo, ainda em expansão. O Poder, pelo contrário, ocupa-se e preocupa-se apenas consigo mesmo. É intrinsecamente perverso. O Demoníaco. O que há de mais Demente na Inteligência humana. Ao passo que a Política é o que há de mais Sapiente na Inteligência Humana.
Desde que o Poder conseguiu convencer toda a gente, até os intelectuais mais ilustrados, que entre Poder e Política não há diferença, que ambos são dois substantivos para dizerem a mesma realidade, nunca mais os indivíduos alcançam a sua plena dimensão de Pessoas Humanas, nem as populações alcançam a sua plena dimensão de Povos. São Objectos. Coisas. Números. Estatística. Nunca Sujeitos. Nunca um Eu perante e em relação com outros Eu, até ao ponto de todos juntos fazermos um Nós. São apenas Coisas. Números. Objectos. Estatística.
Temos de regressar à raiz das palavras. À fonte de onde todas elas brotam. Ao Sopro que as faz ser. Poder, na raiz que lhe dá o ser, é Mentira e pai de Mentira. Poder é Assassínio. Onde estiver activo e operacional, sempre infantiliza. Diminui. Humilha. Aliena. Imbeciliza. E, finalmente, mata. Tanto faz ser de Direita como de Esquerda. O Poder, todo o Poder é Demoníaco, na sua raiz, é o que há de mais Demente na nossa Inteligência. É a Demência-em-acção. Política, ao contrário, é, na sua raiz, a mais nobre de todas as actividades dos seres humanos. É o que há de mais Sapiente na Inteligência humana. É a Excelência do Humano. A Política é o outro Nome de DeusVivo, o de Jesus. Dizer Deus Criador é o mesmo que dizer Política-em-Acção, Sapiência-em-Acção. Foi a Política-em-Acção que é o Amor, que é o DeusVivo, que é o Deus Criador, que, um dia, nos fez Acontecer, no decurso da Evolução. A nossa Mãe / o nosso Pai é a Política, o Amor Criador, a Fecundidade. Já o Poder é o Demoníaco, o Ídolo, o Anti-Deus, a Descriação-em-Acção.
Bem sei que estou praticamente sozinho nesta Batalha, neste Combate. Porque as minorias ilustradas com o que sempre sonham, e hoje ainda mais do que ontem, é com o Poder, é com serem Poder. Nem que percam a vida nessa refrega. E, se forem um pouco menos egoístas, um pouco mais altruístas, sonham ser Poder bom, Poder amigo dos Oprimidos e dos Empobrecidos. E do Ambiente. São os mais perigosos dos ingénuos. Porque ainda pensam que pode haver Poder bom, Poder amigo dos Oprimidos e dos Empobrecidos. E do Ambiente. Desconhecem que todo o Poder, da Direita e da Esquerda, é homicida, é assassino e, se for preciso, é também genocida e ecocida. Não só mata alguns indivíduos, mas também populações inteiras, cidades inteiras, continentes inteiros. Bem como a própria Natureza. É o que quer dizer genocida e ecocida.
Todo o Poder, da Direita e da Esquerda, é perverso. Porque todo ele tem por pai a Mentira. Na origem do Poder, de todo o Poder, está sempre a Idolatria descriadora dos seres humanos e do Mundo. Sociedades geridas pelo Poder - todas hoje o são, até as Igrejas que deveriam ser outras tantas frátrias/sororidades vivas, Mesas Partilhadas, Comunhão de Iguais na máxima afirmação das diferenças que nos unem a todas, todos - são sociedades mortas, humilhadas, subjugadas, violentas, revoltadas, endemoninhadas, inumanas, regidas por mecanismos que progressivamente nos descriam, até nos reduzirem a Coisas, Objectos, Números, Estatística.
Temos de morrer para este Paradigma do Poder, para mais, hoje global e sem qualquer Oposição à sua altura. Neste Paradigma, ninguém se salva, isto é, ninguém chega a ser plenamente Humano. Tornamo-nos todos progressivamente Coisas, Objectos, Números, Estatística. Temos de emigrar, rapidamente e em massa, do Poder para a Política. Ao Poder, havemos de decapitar, sem piedade. Só a Política (nos) salva, isto é, humaniza os seres humanos e o Mundo. Mudar de Paradigma é imperioso e urgente. Passar do Poder para a Política. É, sem dúvida, o Êxodo mais difícil. A Páscoa ou Passagem mais difícil. Mas a única Páscoa que vale a pena ser realizada até ao fim.
Nesta altura, o País está de novo a movimentar-se. Há novos figurantes candidatos ao Poder em crescente agitação. Já deu para perceber que o primeiro-ministro Sócrates está moribundo, ferido de morte. Ainda se mexe, mas como um boneco articulado artificialmente manipulado por um frenético robot. Já anda no ar um nauseabundo cheiro a carne em putrefacção. Reparem como os novos abutres se movimentam. À Direita e à Esquerda. O Poder precisa e procura novos protagonistas, novos servidores, novos executivos. Sócrates deixou de lhe interessar. O "não" da Irlanda ao "seu" Tratado de Lisboa, acabou com ele de vez. Foi a estocada final. A morte anunciada do Tratado de Lisboa é a morte anunciada de Sócrates, enquanto Executivo do país e de um dos Executivos-lacaios da Europa dos Milhões. O próprio sabe disso. E, se não quiser saber, os da Europa dos Milhões não deixarão de lho dizer. Sócrates tem de sair de cena. Outros já se perfilam no horizonte. À Direita e à Esquerda. Até Louçã e o seu Bloco de Esquerda já anunciaram 20 comícios no país, para este Verão. O Poder não dorme. Não descansa. Não vai de férias. Sempre trabalha. Para os dos Milhões que o financiam. Ou ele não fosse o Executivo do Deus Milhões. Por isso é tão Demente, tão Sádico, tão Mentiroso, tão Assassino, quando de Direita. E tão Benfeitor, tão Paternalista, e nessa medida, tão perverso, quando de Esquerda.
Resistamos-lhe! E ousemos protagonizar Práticas Políticas e Económicas Maiêuticas, à mistura com Afectos Partilhados, as únicas, os únicos que humanizarão/salvarão o Mundo. |
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ESPAÇO ABERTO
A propósito do livro QUANDO A FÉ MOVE MONTANHAS
1. Já li e gostei mesmo
L.
Muito obrigada pelo livro, QUANDO A FÉ MOVE MONTANHAS! Já o li e gostei mesmo! Vou tentar transmitir-te aqui o que ele fez em mim...
Nada como a introspecção, para explorarmos os conteúdos do nosso “eu”... E o teu “Eu” é muito rico! Enriquece quem o recebe, sem empobrecer quem o dá...
Desde o primeiro momento que houve uma empatia, um ingrediente de inteligência interpessoal, construtora de uma verdadeira relação dialógica que nos faz acreditar que é possível uma relação humana, baseando-nos numa comunicação efectiva, porque afectiva!!!
Esta flor de amizade, enviada por Deus, veio embelezar o jardim do meu Eu, com a terapia da ternura, na partilha da intimidade, que, olhados com o coração, aumenta a alegria e o prazer de VIVER!
Bem Hajas, por existires e contribuíres para o enriquecimento intelectual, interior do meu EU, da Humanidade, crente e não crente, esclarecida, ou com sede de esclarecimento, nesta incondicional partilha de intimidade e unicidade que te caracteriza, ao olhar-nos e falar-nos com o coração, dando-nos uma imensa alegria e prazer de viver e conviver contigo, neste mesmo AMOR: O AMOR DE JESUS!!!
Bjs.. |
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2. Um livro certo, na altura certa
Prof. Manuel Sérgio
Mais um magnífico livro do teólogo Padre Mário de Oliveira. Este intitula-se Quando a fé move montanhas. O seu autor é um homem de fé, mas de uma fé que se confunde com um realismo insubornável diante do “mundo da vida”, diante das injustiças em que o nosso mundo é fértil, designadamente aquelas que são “programadas” pelo Ter e pelo Poder. Mário de Oliveira é uma consciência vigilante, vivendo não só à maneira de Espinoza, do “amor intellectualis Dei”, mas também de uma fé que santifica porque nos faz mais solidários e fraternos (a dificuldade da mensagem de Jesus está aqui e não em rezar terços, ou venerar santinhos). Para ele, a fé não nos leva a acreditar em dogmas (autênticos disparates) da Imaculada Conceição, da infalibilidade pontifícia, do pecado original e nos quase-dogmas (disformes e grotescos) do milagre de Fátima e do celibato sacerdotal.
A fé, para o Padre Mário de Oliveira, é uma versão do cristianismo primeiro, quando o cristianismo era a “religião dos escravos, protesto, mesmo se impotente, contra a ordem estabelecida, esperança no advento do Reino”. A fé, no Padre Mário de Oliveira, é transcendência, mas que não seja alienação, isto é, liberta de qualquer conotação com a ideologia do fundamentalismo neo-liberal ou de qualquer outro pensamento único. A transcendência, em Mário de Oliveira, é a negação de toda e qualquer espécie de determinismo. Em sintonia, aliás, com a interrogação de Jesus: “Homens de pouca fé, por que duvidais?”.
Ao lê-lo (e nem sei bem porquê), muitas vezes sou tentado a compará-lo com o Roger Garaudy que, na década de 70, na companhia de Teilhard de Chardin, me surgia com uma extraordinária energia de irradiação espiritual. A quente luminosidade das suas imagens, o ardor da sua emoção e a helénica serenidade da sua filosofia fizeram de Garaudy um autor que não mais esquecerei – como não esqueço o entendimento atilado e cáustico, bem ao jeito daquele filósofo francês, do Padre Mário de Oliveira. Por isso, o livro Quando a fé move montanhas deverá transformar-se num vade mecum para os que pretendem repensar o cristianismo, visando apresentá-lo de acordo com as mais sérias aspirações das mulheres e dos homens do nosso tempo.
Como pode defender-se, hoje, o pecado original? O Padre Mário de Oliveira põe a nu, neste livro, o absurdo de um Deus, infinitamente justo, nos acusar de um mal que nunca praticámos: “Acontece, porém, que hoje sabemos que o pecado original nunca existiu, nem sequer houve um casal inicial do qual todos os seres humanos provêm (...). É verdade que tudo isso vem na Bíblia, no livro do Génesis, mas sabemos hoje que é um mito das origens, uma forma poética, simbólica de relatar o começo da Humanidade (...). Por isso, tudo o que a catequese oficial da Igreja continua a ensinar a este propósito é aldrabice. E o chamado dogma da Imaculada Conceição de Maria faz parte dessa aldrabice. A verdade à luz da Teologia cristã e do Evangelho de Jesus é que todos fomos concebidos em graça, em amor, em relação com Deus e estamos chamados a abrir-nos progressivamente uns aos outros, umas às outras, num amor cada vez maior e mais desinteressado” (p.17).
De facto, o pecado original; a virgindade de Maria, antes, durante e depois do parto – são dogmas em que o achincalhe à inteligência sobe aos tons mais homéricos. Demais, propagados por padres que são mais do mesmo, ou seja, incapazes de criticar, com honestidade e coragem, as determinações que chegam de Roma e que reduzem o cristianismo ao nível infantil de uma filosofia pré-crítica. Roger Garaudy, no seu Marxisme du XXème Siècle, refere que o cristianismo criou uma dimensão nova do ser humano: a de pessoa humana, a de um ser que tem como atributo essencial a transcendência. Ora, “o encontro com a transcendência, ou antes, a irrupção da transcendência, não é uma experiência privilegiada e nada tem de teológico ou religioso, não é uma interrupção da ordem natural, por uma intervenção sobrenatural, mas é a experiência mais quotidiana, a experiência especificamente humana: a da criação” (pp. 113-114). A transcendência é a dimensão profética da vida e tem como radical fundante a liberdade. Mas como é possível a profecia, na Igreja Romana, se os profetas, como o Padre Mário de Oliveira, se vêem rodeados pela intolerância e a incompreensão da classe dominante da Igreja, dita Católica? E se nesta mesma Igreja, dita católica, há uma obediência cega à autoridade?
O Papa Joseph Ratzinger afirma que “o essencial da fé é que nela não me deparo com algo inventado; na fé, o que vem ao meu encontro supera em muito tudo quanto nós, os homens, somos capazes de pensar” (Joseph Ratzinger, Deus e o Mundo, Tenacitas, Coimbra, 2005, p. 31). Só que na fé oficial da Igreja Católica são em demasia as invenções, como aquelas que acima já citámos e outras, como a Ressurreição que se confunde com a reanimação do cadáver de Jesus crucificado, quando “o relato evangélico (assim no-lo ensina o Padre Mário, no livro Quando a fé move montanhas) de S. João que fala disso é teológico e tem outra leitura/interpretação. Quando falo de Mistério, não me refiro a uma realidade incompreensível, mas a uma Realidade-escondida-que-se-nos-revela-e-nos-transforma, à medida que se nos revela”(p. 148). Daí que o Padre Mário se considere ateu: “ Também eu sou ateu, mas (...) sou ateu apenas de todos os deuses que se alimentam de gente. Por isso, posso dizer que sou ateu porque creio em Deus, no Deus de Jesus de Nazaré, o Crucificado/Ressuscitado” (p. 49). Se não laboro em erro grave, julgo que o Padre Mário poderia fazer suas, estas palavras de Roger Garaudy, em Parole d’Homme: “De que fé se trata? Fé em Deus? Fé no homem? É um falso problema: uma fé em Deus que não implicasse a fé no homem seria uma evasão e um ópio; uma fé no homem que não se abrisse ao que no homem supere o homem, mutilaria o homem da sua dimensão especificamente humana: a transcendência” (p. 225). A crença no Deus que Jesus nos ensinou é também uma crença no Homem, porque (volto ao Padre Mário), “enquanto ressuscitado, Jesus é o ser humano com o Espírito Santo dentro” (p. 61). Não surpreende, por isso, que o autor deste livro (para mim, o maior teólogo português dos nossos dias) viva “em estado quase contínuo de escuta do Deus vivo, o qual se nos revela e nos fala, nos acontecimentos de que são feitas todas as nossas vidas e todas as vidas de todas as pessoas e de todos os povos do mundo” (p. 69).
Não é fácil reduzir a meia dúzia de linhas uma crítica a qualquer um dos livros do Padre Mário de Oliveira, mas considero uma decisão ética ler cada um deles, com atenção e respeito. Porque se trata de um teólogo informado e de um homem culto e de alguém que é capaz de dar a própria vida pelos valores em que acredita (como já o provou à saciedade). Se aqui é possível uma nótula de carácter pessoal, deixem-me que confesse que aprendi com o Padre Mário a perceber que não há separação entre o sagrado e o profano, porque (sem qualquer assomo de panteísmo) Deus está em tudo! E acabo de aprender, após a leitura deste oportuníssimo livro, que a ressurreição de Cristo é ruptura e superação de um egoísmo acanhado, insignificante e anúncio de que, na nossa vida, tudo é possível, ou seja, o possível faz parte do real. |
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O parricídio dos homens e de Deus
Frei Betto, Teólogo
Com certeza, você, como eu, está indignado frente à hipótese – já transformada em denúncia pela autoridade policial e aceite pelo juiz – de um pai ter assassinado a filha ao permitir que fosse asfixiada; em seguida, tê-la-ia jogado pela janela, de uma altura de 18 metros.
Filho não é camisa, é pele. Não sou pai, mas como filho sei quão visceral é a relação entre um e outro. Por isso, o parricídio destaca-se como um crime monstruoso, assim como a pedofilia entre pai e filha, como é o caso de Josef Fritzl, o austríaco que, por 24 anos, manteve a filha em cárcere privado e com ela teve sete filhos.
Diante de casos como esses a nossa condição humana é profundamente interpelada. De quanta maldade somos capazes? Não foi um homem transtornado por drogas que atirou a filha pela janela, nem era um ignorante da periferia do mundo que escravizou e abusou da própria filha. Um é bacharel em Direito na mais moderna metrópole brasileira; outro, engenheiro eléctrico na Áustria.
As pessoas manifestam incontida indignação diante de casos como esses. Defronte as residências dos acusados, centenas permanecem em vigília e cobram vingança. Os media mantêm o noticiário aquecido, pois raras vezes seus veículos deram tanto ibope. Como um pai é capaz de matar a filha ou maltratar a ponto de encarcerá-la, torturá-la e estuprá-la?
“Pano”- assinalam os roteiros de teatro para indicar a passagem de um acto ao outro. Você é cristão? Acredita que Deus Pai, ofendido com os nossos pecados, assassinou o Filho na cruz? Que diabo de deus é este que exige como reparação, para aplacar a sua ira, a morte do próprio Filho? Por que esse deus não é execrado como os pais citados acima? Por que aceitar que, no Gólgota, ocorreu o mais horrendo de todos os parricídios? Como conciliar a ideia de Deus Amor com a crença no deus parricida que nos envia Jesus para que ele seja preso, torturado, humilhado e cravado numa cruz?
Há, em hermenêutica literária, o que se chama migração de sentido, que os gregos antigos denominavam dipticon. Exemplo:os vitrais de igrejas: de um lado, Moisés; de outro, Jesus. Para o observador, o significado de um transfere-se a outro – Jesus é o novo Moisés. Essa migração ocorre ao cotejar-se Antigo e Novo Testamentos.
O Génesis (22, 1-18) relata que Javé exigiu de Abraão, como prova de fé, o sacrifício de seu único filho, Isaac. O patriarca subiu a montanha disposto a derramar o sangue do menino. Ao ter certeza de que Abraão não vacilaria no acto parricida, Javé ter-se-ia dado por satisfeito; segurou-lhe a mão e evitou a morte de Isaac.
No calvário, o próprio Deus teria entregue o Filho à morte pela redenção de nossos pecados. Se Deus pratica o parricídio, por que tanta indignação quando um de nós o faz? Essa óptica teológica nos incute a convicção de que somos pecadores. A culpa. Ora, deveríamos experimentar, sobretudo, a graça de sermos filhos de Deus. O amor.
Os autores bíblicos projectaram em seus textos categorias próprias da cultura que respiravam. Abraão, criado no politeísmo e acostumado a prestar culto através da oferenda de primícias – das colheitas ao primogénito – descobre, no alto da montanha que, ao contrário de outros deuses, Javé não quer a morte, quer a vida. “Multiplicarei a tua posteridade como as estrelas do céu e os grãos de areia na praia do mar” (22, 17). Ao descobrir Javé como Deus da Vida, Abraão não sacrifica o filho.
Do mesmo modo, Jesus não foi morto pela vontade de Deus, e sim pela maldade dos homens. A cruz não é a culminância de uma tragédia cujo roteiro saiu da pena – ou da vontade – de um perverso e parricida autor divino. Jesus morre como prisioneiro político, assassinado por decisão de dois poderes que dominavam a Palestina do século I. Ousou anunciar, no reino de César, um outro reino, o de Deus. Atreveu-se a “profanar” o Templo de Jerusalém, qualificando-o de “covil de ladrões” (Mateus 21, 13), e agrediu cambistas que ali faziam negócios autorizados pelos responsáveis do culto.
O Deus de Jesus não era um déspota. Era um Pai amoroso a quem o Filho tratava por “Abba” (Marcos 14, 16), palavra aramaica que significa “querido papá”. Jesus não veio para apontar o dedo e acusar-nos de incorrigíveis pecadores. Veio para nos revelar que, “como o Pai me amou, assim também eu vos amei; permanecei no meu amor” (João 15, 9).
Apesar de nossos pecados, há salvação, porque Deus é Pai/Mãe amoroso e misericordioso. Fomos criados à sua imagem e semelhança e dele recebemos, em nosso espírito, o seu Espírito. Portanto, devemos amar uns aos outros, assim como somos por Ele amados. |
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Vitória sobre o Anjo
Frei Betto
Sei o que experimentou Jacó ao duelar com o anjo. Enfrentei-o quando aos meus pés faltou chão e, no horizonte, o sol se apagou aos meus olhos. A escuridão invadiu-me: primeiro engoliu as pernas; em seguida, os braços; depois, todo o meu ser. Por fim, dragão insaciável, tragou-me a identidade.
Mergulhado na noite, partido, perdido, exilei-me em dúvidas. No início, senti-me sugado pelo abismo. Tudo em volta se me evaporou. Fiquei às tontas, em queda livre num poço sem fundo. Todas as minhas certezas se volatilizaram, meu mapa converteu a geografia num hermético labirinto, minhas crenças professaram a negação de toda fé. Cego, viajei numa espiral alucinada, acorrentado à desrazão da insensatez. Sufocava-me o afluxo da vida em despropósito. Náufrago num oceano vazio de águas e limites, ocupei o lugar de Jonas no ventre da baleia.
Não há sofrimento maior do que perder-se de si torturado pelo esplendor da lucidez. Quem me dera, naquela noite escura, fosse eu tomado pela sadia loucura dos atropelos irreversíveis da mente. Quisera, qual demente, estar fora de mim sem a consciência do banimento ontológico. E apoiar-me em qualquer uma das referências que, até então, haviam servido de marco em minha estrada de vida: um sonho, um encantamento, uma ideia compulsiva, um desejo irrefreável, uma crença em forma de sacrário. Ao menos um ruído, como o apito do trem que cortava a minha cidade e, agora, ainda atravessa-me a nostalgia do coração. Ou o cheiro morno do pão de queijo trazido do forno à mesa, a suave elasticidade do polvilho, o aroma adocicado e quente do café.
Nada disso me consolava. Havia apenas o vazio, o vazio, o vazio. O caos primordial, antes que Javé despertasse de seu sono eterno e, distraído, tropeçasse na ideia de criar o mundo.
Deu-se então o início do meu aprendizado. Primeiro, a consciência de que era preciso fazer a travessia. Às cegas. Jogar-me no rio sem a menor noção de quão distante se encontrava a margem oposta. Caminhar rumo ao plexo solar. Desatar os nós. Mergulhar naquele abismo infindável, atirar-me do trapézio com os olhos vendados, empreender a ousada viagem no rumo da morte, apoiado apenas por um fio de esperança: do lado de lá me aguardava, não a morte, e sim a plenitude da vida.
Caminhei na senda escura entre escorpiões e escaravelhos, aranhas e lagartos, a mente assaltada por fantasmas que, nela, suscitavam desde as mais pavorosas fantasias ao hedonismo desenfreado. Desprendida da alma, a imaginação se ensoberbece e cavalga, alada, o carrossel da luxúria. A razão desalinha, as ideias esvoaçam, os propósitos atolam-se na lassidão do espírito fenecido.
É preciso pôr-se de joelhos e, reverente, escutar o silêncio. Como Elias, não aguardar o trovão, o rugir dos ventos, a voracidade flamejante do fogo. Apenas a brisa suave, assim como o navegador, finda a borrasca, recebe contente a chegada da calmaria. Mas isso custa. Isso é inesperado, indescritível, mistério dos mistérios. Para chegar lá, urge amansar leões, enfrentar dragões, conviver, destemido, no ninho das serpentes. E saber perder. Vão-se as ilusões, as máscaras; vai-se aquele outro que insiste em se disfarçar de eu. No fogo tímido da lenha húmida, todas as falsas verdades são lentamente queimadas. Então, instaura-se a nudez. É a hora da vertigem.
No duelo com o anjo, apenas na hora da vertigem me dei conta de que não brotava de minhas forças o ímpeto que me fazia atingir a terceira margem do rio. Alguém soprava o vento que inflava as velas de meu barco. Alguém movia as águas. Essa consciência de que uma estranha energia me impelia sem que eu pudesse identificá-la, tornou-se progressivamente aguda. Sim, minha vontade havia dado o primeiro passo; minha razão denunciara, insistente, a insensatez da travessia; meus atavismos resistiram a abandonar a margem de origem.
Havia, porém, um outro factor que só percebi ao perder de vista a margem que deixara sem, no entanto, vislumbrar a oposta. A queda transmutou-se em ascensão; o abismo, em montanha; a vertigem, em enstase. (Atenção: o termo teológico é este mesmo, enstase, e não êxtase)
O anjo depôs armas, afastou-se da porta do Éden e deixou que Ele se me apossasse. Fiquei visceralmente apaixonado. Tudo em mim e à minha volta transluzia amor. E nada me atraía mais fortemente do que perder tempo na alcova. Outra coisa eu não pensava nem queria ou desejava do que sentir-me abrasado de amor. As entranhas queimavam; o peito ardia em febre; a mente, calada, observava a razão tragada pela inteligência. Eu me encontrava em alguém fora de mim que, no entanto, se escondia no recanto mais íntimo do meu ser e, de lá, projectava a sua luz sem se deixar ver ou tocar. |
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Lília Azevedo, a Santa
Catarina dos nossos dias
Jelson Oliveira, Comisão Dominicana
de Justiça e Paz do Brasil
Entre os grandes personagens que a Família Dominicana ofereceu à Igreja e à cultura do Ocidente, sem dúvida se destaca o nome de Santa Catarina de Sena. Leiga, filha de família de posses, dizia-se sempre com e em Cristo. Cuidou dos enfermos e abandonados até quando Cristo lhe revelou que ela deveria trabalhar pela paz. A partir de então empenhou-se pela unidade da Igreja através do retorno do papa Gregório XI a Roma, o que ocorreu em 1378. Analfabeta, ditou centenas de cartas para as mais diferentes personalidades da época, entre papas, reis e líderes do povo, indistintamente. Algumas dessas cartas estão reunidas na obra Diálogo sobre a Divina Providência, um grande testemunho de sabedoria, teologia e mística, que se tornou o seu legado. Entre os grandes personagens que a Família Dominicana ofereceu à Igreja de base do Brasil, sem dúvida destaca-se o nome de Lília Azevedo. Leiga, filha de família de posses, mostrava-se sempre com e em Deus, a quem nos seus últimos tempos se referia simplesmente com o sereno epíteto de “Deusa”. Acompanhou os movimentos sociais e as pastorais, as greves e as mobilizações do povo, porque Cristo lhe havia revelado a missão de trabalhar pela solidariedade. Empenhou-se pela unidade dos povos, através do apoio solidário e do intercâmbio de informações, do estudo e da luta pelos direitos humanos. Poliglota, traduziu e escreveu centenas de cartas para as mais diferentes personalidades de sua época, entre autoridades, políticos e líderes do povo, indistintamente. Algumas dessas cartas estão reunidas na obra Cartas da África do Sul, uma experiência do apartheid e o recente Cartas Solidárias, dois testemunhos de sabedoria, teologia e mística que se tornaram o seu legado.
Nascida em 1929, Lília Azevedo dividiu com Catarina, mais do que uma biografia. As duas mulheres leigas tiveram em comum os desafios e a coragem, a mística e o empenho, o jeito próprio de entender a fé, a Igreja, as pessoas e o seu tempo. Ambas tiveram grande destreza no uso da palavra, a escrita e a falada: ainda que uma, analfabeta, e a outra, poliglota, dividiram com outros, solidariamente, os resultados dos seus temores, das suas esperanças e utopias. Escreveram aquilo que viveram. Escreveram porque viveram. Por isso, o escrito de ambas não poderia ter outra forma literária que as cartas. Porque nelas não soam teorias fechadas e áridas, teologias desencarnadas ou crenças estéreis. O que se comunica é o que se vive e o que se acredita. As duas mulheres traduziram em palavras as suas paixões. E para quê? Ora, cada carta é uma convocação e uma dádiva. Por elas somos alertados e convidados ao compromisso com a paz e a solidariedade, a justiça e os direitos de gentes com as quais nunca falamos e que por elas falam connosco. Por elas somos presenteados com o encontro dessas causas que nos tornam melhores e mais humanos, porque nos dão a chance de realizar a nossa vocação para o encontro.
Mas não pense que há nessas cartas algum culto pessoal ou a expressão subjectiva da banalidade daqueles que buscam honras. Lília, como Catarina, falou pouco de si mesma. Tinha notícias mais importantes que isso. E também se encontrava nessas notícias, confundia-se com elas de tal forma que ao falar do outro, falava mesmo de si mesma. No seu amplo apartamento da rua Haddock Lobo estão suas relíquias em forma de livros, bibelôs, preciosidades de penas e de barros. Muito além de títulos, diplomas ou jóias, essas lembranças resumem o mundo em pequenas formas e são a prova candente do compromisso de uma mulher que, ao buscar-se a si mesma, se encontrou com o mundo e teve a rara e grandiosa compreensão do que é ser cidadã, cristã, humana. O doutorado de Lília, como o de Catarina, foi conquistado nessa descoberta. Isso não a faz doutora da “Igreja dos poderes”, mas doutora da solidariedade dessa nossa “Igreja dos amores”, que ultrapassa fronteiras, todas as fronteiras, tal como unicamente o amor é capaz. Não envelhece aquele que acumula esse tipo de tesouro. Talvez isso explique porque Lília permaneceu perturbadoramente jovem, contra as corrosões da doença. No corpo e, principalmente na alma, a exultação e a ternura, a calma e a serenidade de suas palavras não se alteraram. E é dessa fonte que nós todos e todas pudemos beber. É essa água que animou nossas pessoas e nossas lutas. As ideias e o amor de Lília estão por detrás de muitos dos projectos que hoje dão sentido ao nosso trabalho e à nossa vida, entre os quais está a nossa Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil.
Lília foi visitada pelo Senhor que a convocou para traduzir e escrever as suas próprias cartas a toda gente com quem anda com dificuldades de comunicação. Há gente que não ouve a sua voz e há gente que não se deixa convocar por ela, nessa nova Babel do nosso mundo das dívidas e das divisões. O Senhor sabe mesmo o que faz. Caberá a Lília continuar escrevendo cartas e traduzindo em língua alada as mensagens que nos indiquem os caminhos da solidariedade com os pobres e excluídos da sociedade. Seus informes de vida falarão das lutas dos negros da África, dos indígenas de Chiapas e dos sem-terra brasileiros, das mulheres das periferias e das vítimas de tantos regimes ditatoriais mundo afora. Do alto, sua voz torna-se mais pujante, embora mais subtil. A nós o que restará senão continuar atentos às suas notícias, abrindo os ouvidos para ouvi-la, convocá-la em orações e em lembranças mil, deixar que seus informes solidários nos desacomodem. Lília, essa mulher sem divisas, agora ultrapassou a última das fronteiras. Invisível, parece ainda mais próxima. Para o resto das nossas vidas, ao abrir a caixa de entrada dos nossos e-mails, fiquemos atentos: haverá sempre por lá uma carta solidária enviada por essa nossa querida e inesquecível amiga. |
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OUTRAS CARTAS
Desculpe-me, Paulo
Caro sr padre Mário, já o vi algumas vezes na tv, a última foi há dias [9Junho2008] na Praça da Alegria na RTP. Eu concordo consigo em muitas coisas, mas quem está em desacordo com a igreja católica como o Sr. e muitas outras pessoas e eu próprio, não seria melhor fazer como nós? Ou seja mudar de religião? Eu chamo-me Paulo, tenho 28 anos e fui em pequeno educado na religião católica, mas conforme fui crescendo, até à idade adulta, nunca me identifiquei com a religião católica. Achava e hoje tenho a certeza de que algo não esta certo. Actualmente considero-me Cristão adventista do 7º dia, pois considero esta a verdadeira igreja de Deus, que guarda a fé em Jesus e guarda todos os mandamentos, ou seja os 10, pois como Jesus diz em Mateus 5:17, não vim abolir a lei mas cumpri-la. E uma igreja que quer seguir a Deus e honrá-lo tem que cumprir o que diz a Bíblia, pois foi para isso que Deus nos deu esse livro.
Como o Sr deve saber, a igreja católica deu-se ao luxo de mudar a lei de Deus. E a mais flagrante heresia foi mudar mandamentos, como ser permitido adorar estátuas (coisa que Deus detesta) e substituir o Sábado (que é o verdadeiro dia do Senhor e único dia santo), para o domingo, no império romano, pois se o Sábado é o sinal entre Deus e o Homem, o dia que Deus abençoou e santificou como diz em Génesis. E se Jesus e os apóstolos guardavam o Sábado, como pode alguém dizer que o domingo é que é o dia do Senhor? É que para além dos católicos, os protestantes, infelizmente, também guardam o domingo. Dizem que guardam o domingo porque Jesus ressuscitou nesse dia, mas assim dão-nos razão, porque se Jesus reviveu nesse dia quer dizer que descansou no Sábado. A maioria das pessoas católicas e as que se dizem católicas, são-no superficialmente, pois pensam que basta ir à igreja. E na igreja católica, os católicos não levam a Bíblia, muitos nem a lêem em casa. E já cheguei a ouvir de algumas pessoas que não se interessam da Bíblia para nada. Se assim é como podem saber o que Deus quer para nós, como devemos viver a vida e como Lhe agradar. Além do mais, os padres católicos não explicam as escrituras depois de as lerem, assim o povo fica a saber o mesmo, ou seja, nada. Nunca oiço católicos a falar em arrependimento dos pecados e em conversão. Dizem que vivem á sua maneira, conforme lhes parece melhor, afastando-se assim de Deus. Hoje em dia, parece para a maioria das pessoas que isso do pecado não existe, e na minha opinião a igreja católica tem uma certa condescendência e desculpabilização do pecado, algo que agrada as pessoas, como é óbvio. São católicos ou dizem-se católicos não por uma questão de fé, mas sim por uma questão cultural. Veja-se o caso dos casamentos e dos funerais, porque seja que pessoas forem, parece pelo sermão do padre que vão todos para o céu, basta pagar umas missas pela alma do morto. Mas, como você deve saber, Deus não se vende nem se deixa comprar. Já para não falar nos baptismos. Baptizar bebés? Como pode um bebé saber o que é Jesus, e converter-se? O baptismo como é óbvio deve ser feito em adulto, assim como o próprio Jesus o fez. E como Deus quer o nosso bem isso aplica-se em tudo, como por exemplo: a comida, como está escrito em Levítico 11. E Jesus também não aboliu isso, como dizem. Espero que o sr padre concorde comigo, pois o que digo é verdade e baseado na Bíblia. Aconselho-lhe a leitura de livros de Ellen G. White e ir ao site www.adventistas.org
Aguardarei um comentário seu. Com os melhores cumprimentos.
N.D.
Paulo: Agradeço o seu contacto e as suas palavras. Obviamente, não sigo o seu exemplo e o de outros como o Paulo. Nunca trocarei de Igreja. Foi nesta Igreja que descobri Jesus e a Boa Notícia de DeusVivo que ele é. Ela é carne da minha carne, sangue do meu sangue. Não se muda de Igreja como se muda de camisa. Sei dos defeitos dela, mais do que muitos. Mas também sei dos meus próprios defeitos. Amo demais a Igreja, para alguma vez a deixar. E, se a critico é ainda porque a amo. Se ela me deu o Evangelho, agora sou eu que lho dou também a ela. Grande número de irmãos católicos persegue-me e ostraciza-me por isso? Tudo estou disposto a suportar por amor dela, a Igreja, e por amor do Evangelho. Também conheço as outras Igrejas. E não vejo que sejam melhores. Todas são como as sete Igrejas da Ásia, às quais o autor do Apocalipse se dirige, logo a abrir o livro. Todas têm o que se lhes diga… Aquela Igreja que estiver sem pecado, atire a primeira pedra à Igreja católica.
Acho a sua mensagem bastante infeliz. Parece que me quer conquistar para a sua Igreja. Proselitismo, para quê? Veja o tom de fariseu convencido com que me escreve. São Vocês a Igreja e o resto é paisagem?! Um pouco mais de humildade, só lhe ficava bem. A humildade é caminho para chegar à Verdade, melhor, para que a Verdade chegue a nós. Assim, será difícil ser outro Jesus. E se não é para se ser outro Jesus, para quê fazer parte duma Igreja? O seu discurso já me é familiar. Parece quase uma cassete. Já o ouvi e li em muitas outras pessoas da sua Igreja. Inclusive, no meu livro – gostava tanto que o lesse, melhor, que já o estivesse a ler – há várias mensagens de membros da sua Igreja. Falam tal e qual o Paulo. Mas não convencem. Porque, como sabe, não é esta ou aquela Igreja que é importante para a Humanidade. Importante, só mesmo Jesus. As Igrejas quase sempre só estorvam e impedem que Jesus chegue até nós. Mas todas, não apenas a Igreja católica.
Sim, DeusVivo detesta os ídolos, mas olhe que os mais inofensivos ainda são as imagens de caco ou de madeira ou de bronze. Estes ídolos são como os mosquitos. Ora, há quem filtre estes mosquitos, mas entretanto engula camelos. E por esses, que filtram mosquitos e engolem camelos, é que eu choro, porque pensam que estão no caminho e estão a ir a pique para a desumanização. Sabe que sinto muita desumanização nas suas palavras?! Tenha cuidado, Paulo. Porque, no tempo de Jesus, os fariseus tinham-se na conta de puros e de cumpridores da Lei, da Bíblia de Moisés, e Jesus diz-lhes, olhos nos olhos, que o Deus deles é o Diabo, mentiroso e pai de mentira e assassino! A propósito: Já alguma vez leu o capítulo 23 de Mateus todo de um fôlego? Tente lê-lo, mas a pensar nas Igrejas todas que conhece, a começar pela sua. Eu sempre que o leio/escuto, penso na Igreja que integro. E estremeço. Porque, quanto mais me tiver na conta de puro, mais estarei entre aquela raça de víboras, sepulcros caiados, guias cegos que se sentam na cátedra de Moisés, mas fazem tudo ao contrário de DeusVivo. Sim, porque há por aí um tipo de santidade eclesiástica que tem tudo de víbora, nada de misericórdia, tudo de fariseu, nada de Jesus.
Veja, Paulo, o que me escreve, logo nesta sua primeira mensagem. Releia o seu texto e ponha-se no meu lugar. Não se arrepia com o que me diz? Não se interroga: Como é que fui capaz de dizer todas estas coisas ao padre Mário, depois que o vi a falar e a testemunhar a Fé que move montanhas no programa Praça da Alegria, da RTP? Parece que para si nada do meu testemunho mexeu consigo. Só lhe interessou fazer propaganda da sua Igreja e atacar a Igreja católica que eu integro. Chega a convidar-me a fazer o que o Paulo fez. Acha-me assim tão sem convicções? Tão sem razões para estar onde estou e para ser Igreja na Igreja católica?
Não vou meter-me a responder às suas questões. Parte delas já estão respondidas por mim no livro que fui apresentar à RTP, QUANDO A FÉ MOVE MONTANHAS, Edições Magnólia. Apenas lhe digo que uma das razões fundamentais por que Jesus foi assassinado, foi as suas sucessivas acções de flagrante desrespeito da sagrada Lei do Sábado, então, o preceito mais sagrado e resumo de toda a Lei. Por sucessivas vezes, Jesus o desrespeitou. E de propósito. Até ao ponto de formular, em sua própria defesa, este princípio subversivo e conspirativo: O Sábado foi feito para o Homem, não o Homem para o Sábado!
Desculpe-me, Paulo, mas veja se escuta mais os seus irmãos da mesma Igreja e os das outras Igrejas irmãs. Não excomungue ninguém. Inclua todos os excluídos, sem nunca pretender fazer deles prosélitos da sua Igreja. Basta que sejamos humanos e sororais/fraternos. O resto vem por acréscimo. Sabe que Deus, o de Jesus, não fundou nenhuma Igreja, nem gosta propriamente de nenhuma? O próprio Jesus não fundou nenhuma Igreja. Com o que se preocupou foi com anunciar e tornar presente, mediante práticas políticas e económicas maiêuticas a favor dos mais excluídos e marginalizados pela Lei de Moisés, o Reino/Reinado de Deus na História. Por aí havemos de ir, quantos nos reclamamos do seu nome. Vamos, Paulo. Como companheiros de jornada. Dou-lhe a minha mão. O meu afecto. E a minha paz. Seu, Mário |
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DOCUMENTO
Imperdível, este testemunho duma ex-Opus Dei
que revelamos, com autorização da Editora Campo das Letras
O Deus da Opus tem tudo de demoníaco!
A Opus Dei (= Obra de Deus), fundada pelo Pe. Josemaria Escrivá de Balaguer, já beatificado e canonizado pelo Papa João Paulo II - uma das maiores vergonhas, senão mesmo a maior que a Cúria Romana fabricou nos últimos anos - tem tudo de Obra Demoníaca. A conclusão decorre muito legitimamente da leitura do livro "Opus Dei Secreta", de Ferruccio Pinotti, um dos mais importantes jornalistas europeus na área da investigação, traduzido para portugês por Carlos Aboim de Brito e acabado de editar pela Campo das Letras, Porto. São 438 páginas, cheias de cerca duas dezenas de depoimentos de pessoas que foram vítimas de semelhante inferno religioso e que, muito a custo, conseguiram sair dele, não sem terem de pagar um alto preço por isso, cada uma o seu. Do livro, reproduzimos aqui, com vénia, o segundo desses depoimentos, Mariagrazia Zecchinelli, Verona (Itália). Leiam-no e, depois, corram pelo livro, antes que esgote. Depois de o lerem só poderão concluir que a Opus Dei é de facto Demência Organizada.
Mariagrazia Zecchinelli, psicóloga, vinte e nove anos, natural de Verona, Itália, ex-cooperante da Opus Dei, é uma jovem profissional inteligente e crítica. Está a acabar uma pós-graduação. Paralelamente à actividade laboral, frequenta um curso de cinco anos no Instituto de Terapia Familiar de Florença. Por essa razão, a sua análise como ex-pertencente à Opus Dei é particularmente interessante: analisou o período em que frequentou a Opus Dei, quer numa perspectiva estritamente pessoal, quer utilizando as categorias próprias da análise psicoterapêutica. Entre outras coisas, a Opus Dei é frequentemente comparada pelos seus membros a uma “família”, como um núcleo onde vigoram ligações particularmente fortes. Assim, é justo partir, no relato deste testemunho humano, precisamente da dimensão da família. A de origem de Mariagrazia.
«A minha família é uma família comum, como tantas outras que existem na província de Verona. O meu pai era comerciante, começou como empregado aos catorze anos e depois iniciou uma actividade com o pai e o irmão, que acabou quando decidiu trabalhar sozinho. A minha mãe era cabeleireira e vinha de uma família paupérrima, como muitas outras no final da guerra. Ela, última de oito filhos, tinha um sonho: aprender bem aquele ofício e com ele contribuir para resolver a sorte dos seus. Casaram-se e nascemos nós, duas filhas com dez anos de diferença uma da outra. Eu sou a pequenina da casa. Os meus pais estão agora reformados. O meu avô paterno ainda é vivo. Os meus pais são tradicionalistas, católicos portanto, mas por tradição, no caso do meu pai. A minha mãe é devota.
Alguém era ou é simpatizante da Opus Dei?
«Nem eu, nem os membros da minha família tínhamos ouvido falar da Opus Dei. Nenhum de nós sabia da sua existência, nem do que era. Uma boa dose de sã ignorância envolvia as nossas mentes. Acontece que aos dezassete anos uma amiga minha de infância, beata e bondosa, me convidou para participar num curso para estudantes do ensino secundário, organizado por uma residência universitária, para a preparação do exame de maturidade. Naquela idade, quando enfrentamos pela primeira vez na nossa vida uma prova e nos parece o momento mais importante, determinante, assustador e difícil da vida, estamos ansiosos que alguém nos proponha algo para aliviar as nossas ânsias e sentirmo-nos menos sozinhos! E assim foi. Mas nunca ouvi falar da Opus Dei, nem por ela nem por outros; ou se ouvi falar não prestei atenção a isso. Não era importante, ou talvez, sabendo agora as consequências, era importante que não fosse! Considero que faz parte da “técnica” da Obra agir de maneira que se associe um determinado mundo ao título Opus Dei, quando o encontro já ocorreu, quando as reacções foram suscitadas e a “conquista” está realizada. Como quem diz: Pois bem, tudo isto – aquilo que vês, aquilo que sentes e aquilo que experimentas – chama-se Opus Dei. Só queríamos dizer isso, mas o nome não é importante, chama-lhe como quiseres.
Que aspectos da educação podem ter influído na aproximação de Mariagrazia da Opus Dei?
«Creio que fui desde o início uma pessoa atípica para aquele mundo, mas com boas potencialidades. Atípica pela falta daqueles aspectos de poder que tornam interessante uma pessoa e a sua família aos olhos da Opus Dei. Conotações que se encontram matematicamente em cada pessoa que encontrei e que conheci naquele ambiente. No entanto, era uma figura potencialmente útil pelas minhas características psíquicas, que foram depois o motor do meu grande envolvimento: tinha fome de arrebatamentos e de grandes ideais, como sempre naquela idade; fome de amor, que podia facilmente ser transformada em fome de Amor, mais gerível, mais controlável e mais aceitável, em suma, o ideal. Depois tinha necessidade de reconhecimento, de pertencer a algo ou a alguém, de motivação, de confronto – verdadeiro ou ilusório que fosse – de autonomia da família, mas sem correr riscos e sem me tornar verdadeiramente autónoma (demasiado medo). Digamos que havia a vontade de mudar de casa, de mudar de dependência, mantendo o equilíbrio da infância, com a ilusão do crescimento. O que pode haver de mais belo do que crescer sem riscos e sem perdas, como se isso fosse possível? Na Opus Dei, subitamente, tudo parecia possível; bastava apenas uma coisa: acreditar, acreditar. Tinha necessidade de falar, de comunicar comigo mesma. Em suma, era uma adolescente.»
Quanto às modalidades de abordagem da Obra
Mariagrazia explica: «Creio que a modalidade foi a tradicional: o apostolado da amizade, ou seja: fazerem-nos acreditar que encontrámos compreensão, aceitação, afecto, acolhimento; mesmo que na realidade não seja assim e a única coisa que conta é compreender e se necessário modificar, orientar o que pensamos! Na minha opinião, isto é, em síntese, o apostolado da amizade na Opus Dei. Não só a minha escolha não foi livre, como nunca foi uma escolha».
Ao frequentar aquele curso de preparação para a maturidade era claro para si que se tratava da Opus Dei?
«Nada. Inicialmente, só lá ia por aquilo. A amiga que me levou também não tinha uma visão clara do que acontecia. Frequentava a Opus Dei, depois iniciou o caminho neocatecumenal. Na Opus Dei colocaram-na diante de uma opção seca: ou uma coisa ou outra, não podia fazer as duas. Esta opção é-lhe colocada de uma maneira muito pesada e ela escolheu a outra via, a neocatecumenal. Depois também abandonou aquela. No quarto ou quinto encontro disseram-me: “Vem, vamos mostrar-te a casa”. Levaram-me a um oratório. Naquele momento não tinha ideia que pudesse haver um espaço assim, dentro de uma normal residência universitária. Para mim era uma coisa completamente nova. A partir daquele momento, houve uma série de pequenas mudanças. Cada vez que me dirigia à residência da Opus Dei procuravam fazer-me frequentar novas actividades, que se aproximavam cada vez mais das actividades principais do Centro, aquelas mais secretas, que dizem respeito às numerárias. Quando fui fazer o curso, pensava que se tratava de uma normal residência onde as estudantes estavam alojadas. Não tinha percebido todo o resto, nem tinha uma compreensão clara disso. A primeira impressão foi de uma dimensão extremamente acolhedora, onde se podia estar muito bem. Um ambiente humano muito tranquilo, muito protegido. Naquela idade, encontrar um ambiente assim pode ser perigoso, porque induz a criar uma dependência. Há sempre uma infinidade de sorrisos à nossa volta, um sentido de aceitação completa. Nunca mais deixei de ir ao Centro. Comecei a frequentar outras actividades, novos encontros para estudantes universitárias. Era um local acolhedor, um espaço onde se podia estar todo o tempo que se queria. Havia a máxima disponibilidade e amplos horários de abertura: podia-se estar ali das 8 da manhã às 10 da noite. Comecei então a estudar ali para os exames de ingresso na universidade, estudei ali todos os dias. Comecei a fazer parte daquele ambiente e nunca mais consegui afastar-me. Nos três anos em que frequentei a Opus Dei, penso que passei trezentos e sessenta e cinco dias por ano lá dentro. Não faltei um único dia, fui sempre à sede da Opus Dei, mesmo que apenas para uma saudação. Devo dizer que, oficialmente, as pessoas da Obra nunca me encorajaram a frequentar a “casa” tão assiduamente; tratava-se de uma exigência que nascia em mim em consequência dos mecanismos desencadeados nas minhas relações juntamente com a fragilidade típica de uma rapariga daquela idade. Assim, existia uma forte contradição entre o que era dito e aquilo que se queria realmente fazer captar.»
Mariagrazia inscreveu-se na faculdade de Psicologia.
«Sim. Em Pádua. Mas só fiquei lá os primeiros três meses. Não conseguia estar ali, não me encontrava: talvez influísse também esta coisa da Opus Dei, no sentido em que agora sentia necessidade daquele ambiente, das pessoas que lá estavam. Dava-me uma grande segurança. Frequentar aquelas actividades e aquelas pessoas dava-me uma sensação de omnipotência, no sentido em que poderia fazer qualquer coisa. Era como ter alguém forte a apoiar-me.» - Alguém que te quer bem? - «Isso um pouco menos. Digamos que é dizer demasiado. Era eu que queria que gostassem de mim, havia essa necessidade. E depressa se desencadeou um estranho mecanismo psicológico: a coisa principal, na Opus Dei, é fazer aquilo que esperam de nós. Antes de frequentar a Obra tinha sido uma adolescente problemática, ainda que oficialmente não o fosse. Ninguém via nada, mas como todos os adolescentes vivia a minha dose de problemas. Creio que o processo mais difícil na minha adolescência tenha sido, como muitas vezes acontece, o da separação e de independência em relação à figura da minha mãe. Estava muito, muito ligada a ela. Demasiado. Foi difícil separar-me dessa relação de maneira saudável e encontrar a minha identidade. Vivia este conflito. E creio que o ambiente da Opus Dei contribuiu para manter este tipo de relação, transferindo-o para fora de casa. Havia a ilusão de conseguir vencer, de separar-me da figura materna, de uma relação simbiótica. Procurei mesmo aproximá-la da Obra, mas da sua parte, ou da parte da minha família, nunca houve um grande interesse por aquele ambiente. Lembro-me de uma conversa entre a minha mãe e uma numerária antiga, desejada por esta última, em que lhe perguntou tudo sobre a sua família de origem, sobre a sua história. A minha mãe lembra-se que, a partir daquele momento, a atitude das pessoas “internas” em relação a ela mudou. Deixaram de mostrar o mesmo interesse de antes. Evidentemente, deixara de ser uma pessoa potencialmente útil ou válida!»
Mariagrazia começa a criar, no mundo da Opus Dei, relações afectivas profundas.
«Havia algumas pessoas na Opus Dei que para mim contavam muito mais do que outras. Até porque sempre fui uma pessoa com tendência para aprofundar as coisas, para criar relações que tenham uma certa densidade. E esta característica não encontra grande consenso num ambiente como o da Obra. Com a reflexão posterior, compreendi, entre outras coisas, que o afecto que me dedicavam era uma técnica para me conquistar. Quando me afastei, muitas coisas se esboroaram. Isto significa que muitas manifestações de afecto eram falsas. Naquele ambiente tão estranho havia duas ou três pessoas importantes para mim. Uma, em particular, foi o fulcro da minha experiência na Opus Dei, tanto pelo positivo como pelo negativo. Inicialmente foi a minha relação mais forte, em termos de amizade. Depois foi a pessoa através da qual se iniciou o meu afastamento. Comecei a fazer demasiadas perguntas àquela numerária. Queria compreender. Tinha reparado que havia algo de estranho na sua maneira de ser minha amiga e de ser amiga de tantas outras pessoas da mesma maneira. Fazia demasiadas perguntas. Aos seus olhos comecei a transformar-me: de pessoa que podia ser boa por certas características, para pessoa já não desejável ou mesmo potencialmente perigosa. Inicialmente começaram a considerar-me menos interessante; depois prejudicial, no momento em que comecei a falar das minhas dúvidas e das minhas perplexidades com diversas pessoas da Obra. Encontrava pessoas e procurava comunicar com elas em termos honestos e verdadeiros. Não tinha o sentido do secretismo, da obediência, da pertença, da falta de sentido crítico, coisas dominantes na Opus Dei. Queria ter um papel ali, na Obra. Era eu que queria entrar. Subitamente, tornou-se claro que não era uma pessoa que se comportava 100% bem. A família donde provinha não era a família ideal. Porque não tinha contactos, não tinha poder. Imagino que, dado o meu background, se me tivesse tornado numerária, estaria destinada a ser auxiliar, isto é, uma espécie de dona de casa. Mas eu queria estudar, licenciar-me, passava regularmente nos exames. Propuseram-me então que fosse uma cooperante. Oficialmente ainda o sou, dado que me disseram que uma pessoa permanece como cooperante para sempre, até pedir à Obra para deixar de o ser. Houve um momento, a partir do qual a minha presença na residência começou a constituir mais um problema do que qualquer outra coisa. Havia algo que não tinha funcionado comigo, por isso tornara-me, pelas minhas perguntas, pela profundidade e complexidade das questões que levantava, uma pessoa não desejável. Além disso, não tinha grandes possibilidades económicas, logo era “uma pessoa de quem não se podia esperar nada! Assim, o interesse nas minhas relações devia cessar, mas sempre com estilo. A minha directora espiritual comportava-se aparentemente de maneira normal, mas na realidade eu dava-me conta de que não era verdade. Compreendia que havia algo de estranho. O clima era artificial. Isto fez galopar a minha compreensão e multiplicou o número de interrogações que nasciam na minha cabeça. Pouco a pouco, via cada vez mais claramente as muitas coisas estranhas que havia naquele mundo afastado e escondido dentro de quatro paredes. Esta numerária comportava-se como uma pessoa normal, mas na realidade eu dava-me conta de que não era assim. Fui eu que compreendi que havia coisas estranhas. O clima era artificial. As numerárias que viviam ali eram todas sorridentes, disponíveis, alegres, extremamente gentis, distantes das suas famílias. Tinham um estilo de vida rígido, marcado por regras férreas.»
Também é pedido a Mariagrazia que se afaste da família?
«Decididamente. Quando começámos a falar da relação com a minha mãe, do facto de ela não achar bem que eu estivesse todo o tempo ali, começaram a pressionar-me. De uma maneira muito subtil, pediam-me que tivesse sentido crítico quanto à relação com a minha mãe. Em relação ao que via de estranho na Opus Dei não devia ter sentido crítico, mas em relação à minha mãe sim. O sentido do seu comportamento era o seguinte: A tua mãe tem alguns problemas, gosta muito de ti, logo, é justo que te afastes... Em determinado momento, dizem-me mesmo para não falar muito do que fazia ali e de qual era o ambiente. Eram muitos os detalhes dissonantes que me perturbavam, ao observar a vida das numerárias. Não tinham uma vida privada própria. A sua existência era inteiramente absorvida pelo seu papel. Não podiam estar fora de casa para lá de uma certa hora, eram oprimidas por uma enorme quantidade de regras. Exteriormente, apresentavam-se todas da mesma maneira: com o mesmo olhar, com a mesma expressão. Nem a instituição universitária escolhida por mim estava bem. Havia o perigo que eu adquirisse instrumentos de compreensão, que aprendesse a raciocinar pela minha cabeça, que penetrasse as lógicas da manipulação. O facto de estudar Psicologia criou-me muitos problemas, não queriam que continuasse aquele curso. Tinham-me “aconselhado” a mudar de faculdade. Foi-me pedido várias vezes, explicitamente, que não estudasse certos livros que me eram propostos na universidade. Quando, por exemplo, tinha que ler livros de Freud, diziam-me para não ler os originais, mas uma recensão fotocopiada pela Obra. Tinham uma lista com todos os livros autorizados ou não autorizados pela Obra; e uma recensão já feita e pronta para cada um deles. Para todos os temas, de todos os tipos. Face a esta atitude tinha compreendido muitas coisas. A minha reacção foi de enorme curiosidade, de querer indagar, de querer revirar todo este sistema da Opus Dei. Sobretudo, queria compreender. Foi essa a minha reacção. Fiquei lá dentro para sublinhar até ao fim certas contradições. O seu pedido para não ler certos livros revelava-me todo um mundo. Esta reacção foi a parte saudável, aquela que consegui manter fora da participação emotiva. A reacção lúcida. O resto, a outra parte de mim, estava extremamente envolvida, infelizmente; e foi o que depois mais me fez sofrer. Magoa-me fortemente o facto de trabalharem tanto sobre a emotividade, sobre a afectividade, sobre as partes mais frágeis de uma pessoa. O seu apelo à fé, à espiritualidade, às emoções. Tudo isso é utilizado para gerir o resto, ou seja, a nossa existência. As experiências pessoais e íntimas dos indivíduos deveriam ser respeitadas em sentido absoluto. Por trás das suas ênfases sobre a espiritualidade existe uma tendência para se apoderarem das pessoas. Quando nos damos conta de que assim é gera-se uma forte sensação de recusa. Captar o mal-estar em cada uma era difícil, dei-me conta disso no seu conjunto. Tinha realmente vontade de perceber como tudo podia acontecer, mas não era simples. Aparentemente, eram todas raparigas muito bonitas, muito dinâmicas, muito vivas. Perguntamo-nos: por que razão raparigas assim, optam por uma vida deste tipo, uma vida tão sacrificada, uma existência que tentam mostrar como uma vida esplêndida? Por que as vemos sofrer, estar mal e as ouvimos falar de felicidade, temperada de sorrisos improváveis, mas indefectíveis? Conheci uma numerária que teve a coragem de falar comigo de determinadas coisas, de se abrir. E com ela houve uma amizade verdadeira. As barreiras caíram completamente. Foi muito mais bonito e muito mais simples para mim, porque o confronto com ela tornava-se imediato. Juntas discutimos muito do carácter crítico desta dimensão, falámos horas e horas de todo aquele mundo. Isto ainda antes de termos deixado a Opus Dei, ela primeiro e depois eu. Por isso tive nela um observatório privilegiado: sabendo a verdade por uma fonte interna, podia verificar uma série de coisas. Já me interrogava antes, mas naquele período fiquei aliviada e consegui compreender. Pude verificar que tudo o que sentia não era fruto da minha imaginação, mas sim que a realidade podia estar para além das minhas sensações e revelar aspectos ainda mais escondidos. A esta numerária, que tinha posições de responsabilidade, podia perguntar tudo. Ela dava-me os conteúdos profundos, o sentido daquilo que vivia e via. Foi muito belo o percurso que fizemos em conjunto. Embora com objectivos completamente diferentes. O meu objectivo era compreender. A maior parte das raparigas que estavam no Centro da Opus Dei eram filhas de supranumerários, de casais pertencentes à Obra. Lembro-me de um episódio relativo a uma numerária, que depois entrou numa forte crise e que saiu com grandes problemas pessoais. Lembro-me bem de um episódio com ela. Um dia encontrei-a na residência em que vivia e perguntei-lhe: “Como vais?”. A sua resposta foi emblemática. Disse-me: “Bem! Decidi ser feliz”. Percebi nela algo extremamente forçado.Trata-se de uma ex-numerária cujo irmão, um jovem profissional numerário, é director de uma residência da Opus Dei numa grande cidade italiana. O pai da ex-numerária pertence também à Opus Dei, como supranumerário. A jovem saiu da Obra depois de doze anos de pertença. Sofreu de anorexia e problemas psicológicos muito graves. Está agora em tratamento, acompanhada actualmente por um psiquiatra e um psicanalista. Não consegue cortar a ligação com a sua passada experiência na Opus Dei, continua a frequentar os ambientes “opusianos” e a manter vivas relações de afecto e de cumplicidade com numerárias pertencentes à Obra. Não está integrada em nenhuma rede de solidariedade de ex-numerários e recusa decididamente a ideia de ser ajudada. Afirma que nunca poderia falar mal da Opus Dei, “porque seria como falar mal do meu pai e da minha mãe”.
Quanto ao sistema de rígidas normas que causa mal-estar em numerários e numerárias, Mariagrazia conta:
«Quem entra na Opus Dei como numerário passa de uma situação de normalidade para uma espécie de psicose, na qual deixa de se ter contacto com a realidade. Ali dentro não há nada de real. Nem o modo como se vive e se apercebe as coisas normais fica agarrado à realidade. É tudo condimentado e recheado por um milhão de coisas que não fazem sentido. Isto é estudado para criar uma série de pensamentos necessários para desviar-nos de outras coisas. Depois há esta ausência de contacto consigo mesmo. O conceito da crise interior, do questionamento interno, o crescimento pessoal, são coisas que não são consideradas, ou aceites, pelo contrário, são temidas e recusadas. Quer dizer que há qualquer coisa que não está bem connosco, não com o sistema em que nos encontramos. Quer dizer que precisamos de curar-nos. Quer dizer que temos algum problema relacionado com a nossa fé. Mas tudo isto não tem sentido nenhum. É a visão do ser humano, típica da Opus Dei, que é simplificadora, esquematizante, rígida. É seguramente uma família disfuncional e isso vê-se pelas consequências que provoca nas pessoas que lá vivem. Aqui não há apenas um pai e uma mãe que não se amam, como muitas vezes acontece nas famílias problemáticas. Na Opus Dei – admitindo que pode ser comparada a uma família – nem sequer há a necessidade de amar: não é esse o objectivo para que foi criada e continua a existir. O objectivo é outro, na Opus Dei não estamos juntos porque nos amamos. O objectivo da família Opus Dei é puramente funcional: chegar a um resultado. A um produto. É difícil interpretar a Opus Dei em termos de uma família, porque a sua estrutura é muito mais simplificada. No máximo, assemelha-se a uma sociedade por acções, coberta por valores fingidamente familiares.»
Mas na Obra fala-se continuamente da figura do Pai, Escrivá de Balaguer? É idolatrado, amado?
«Sim, mas é um pai-poster, um pai-imagem, que existe apenas para dar uma série de regras. As rígidas normas da Opus Dei poderiam ser as de um outro tipo de estrutura ou de contexto, poderiam ter como finalidade alcançar outros objectivos. Teoricamente, não é necessária nem uma família a fingir, nem uma fé religiosa. Mas isto não se pode dizer, porque senão as pessoas deixariam de se aproximar e, seguramente, de dar a sua vida. Ou então aproximar-se-iam, mas não teriam a fé que é requerida, aquela necessidade de aderir ao modelo e de agradar ao Pai, que é típico da Opus Dei. Por sua vez, sobretudo nas numerárias, há a necessidade psicológica de corresponder a ele. A nível mental, vigora um axioma: se sou uma boa filha, ele amar-me-á. Para a Opus Dei, o importante é obter uma fidelidade absoluta, para a vida. Esta destina-se, do meu ponto de vista, a obter um resultado que muitas vezes nem sequer é conhecido por parte dos aderentes.»
Quando se iniciou o seu processo crítico em relação à Obra?
«Aos vinte e dois anos comecei a nutrir as primeiras dúvidas fortes sobre a Opus Dei. Depois da fase inicial do enamoramento, em que queria encontrar o meu papel no mundo através da Opus Dei, eles próprios intuíram que eu não era a pessoa certa, que iria incomodar. Como viria a confirmar-se depois. Mas tive a verdadeira crise quando eles me afastaram. Não estava bem, não respondia ao modelo ideal. Criava relações demasiado profundas e verdadeiras. Estabeleci duas relações de amizade fortíssimas com duas numerárias. Disseram a estas numerárias para se afastarem de mim, para não passarem mais tempo comigo. Na Opus Dei, as amizades são puramente funcionais, formais. Não criar ligações é uma regra. Criar ligações verdadeiras é interdito, tal como eu o percebi. A amizade que tinha criado com uma numerária, quando foi percebida, gerou reacções fortíssimas. Disseram-lhe muitas vezes que não devia estar comigo, que não devia ver-me, que não devia passar o tempo comigo. Foi uma sorte o facto de termos tido tempo de manter um diálogo, de tornar o nosso espírito crítico bastante forte. No fim, também ela reagiu como eu: dizendo a si própria que tudo aquilo não era possível. Se na Opus Dei se tivessem apercebido mais cedo que tínhamos estabelecido este nível de comunicação talvez não tivéssemos conseguido, tê-lo-iam impedido. De súbito, eu tornara-me uma pessoa perigosa e senti-me assim durante muito tempo. Esta recusa criou em mim uma péssima reacção, fiquei muito mal. O mecanismo psicológico que eles põem em prática leva-nos – sobretudo quando somos jovens – a identificarmo-nos muito com aquele mundo, com eles, com a sua residência, com a sua espiritualidade, com aquele sistema. Quando deixam de nos reconhecer, é como se fôssemos uma pessoa completamente falhada. Desencadeia-se o sentido de culpa, uma ausência de auto-estima total. Perdemos o sentido. Naquela realidade, identificamo-nos demasiado, definimo-nos totalmente. O que nos ensinam – numa modalidade que considero muito semelhante a uma lavagem cerebral – é que aquilo que fazemos pela Obra, além de nos santificar, corresponde à vontade de Deus. Por isso cria-se uma ligação extremamente forte: quando nos dizem que para eles falhámos, falhámos em sentido absoluto. É uma ameaça fortíssima para nós mesmos, um verdadeiro crime. Eles formam na nossa mente um júri que nos avaliou e condenou. Deste modo, ou retomamos os seus cânones ou temos que partir. Para as pessoas que ali viveram muitos anos, que se identificaram completamente, é muito difícil fazê-lo. É um autêntico drama. Como vamos conseguir encontrar dentro de nós aspectos que não dependam do seu juízo? Encontrar algo em nós que ainda seja autêntico, depois de anos e anos em que tudo é pesquisado, filtrado, roubado. Inevitavelmente, é muito problemático. Acabamos por depender deles, quase totalmente. Nestes casos, a tentação de reprimir a própria independência de juízo e vergar-se ao estilo da Obra pode ser forte. Penso que se não tivesse tido relações verdadeiras com algumas pessoas que me explicaram o seu tipo de vida na Opus Dei, provavelmente isso teria sucedido. Era demasiado forte a sensação de vazio que causava o facto de não ser aceite. No início, eles fazem-nos crer que seremos totalmente aceites, é como se nos dissessem que todas as pessoas “justas” – o conceito do que é “justo” na Opus Dei está muito presente – entram ali sem nenhum problema.»
O que deu a uma jovem de vinte e dois anos como Mariagrazia a força de não ceder, de não se formatar pelo modelo perspectivado?
«O facto de ter descoberto tudo, de ter descoberto o sistema da Obra, tudo o que está por trás das aparências. A vontade de verdade e de autenticidade foi mais forte em mim. O risco de manipulação é forte, para quem se aproxima da Opus Dei. Sim. Existem riscos enormes. De acordo com a minha experiência, na Opus Dei tudo se baseia na manipulação. Na maior parte das situações direi que é consciente. Mas quem pratica este estilo é, por sua vez, vítima de manipulações. Há uma relação vítima-carrasco que se repete. E para quem faz parte da Obra por razões de poder, mais do que de verdadeiro envolvimento emotivo, a consciência do uso de métodos de manipulação é seguramente mais elevada. Considero que cada membro tem uma consciência diferente, consoante o papel que tem e a sua história.»
Que relação existe entre numerários e supranumerários? Quem tem mais poder?
«Depende. Há todo um mundo de poder sobre o qual eu gostaria de saber mais. Os numerários são a máscara, a imagem, o perfil exibido pela Opus Dei, porque são pessoas devotas, disponíveis. Que sorriem. Na realidade, na minha opinião contam muito mais os supranumerários e os seus prováveis jogos de poder económico que estão por trás. Os numerários servem para atrair as pessoas. Para usar uma imagem, são como o porto onde atracam os barcos que chegam do mar. Depois há uma cidade, por trás daquele porto: e é uma coisa completamente diferente.»
Em que condições vive
a mulher na Opus Dei?
«De repressão total. Em todos os planos. De sexualidade, por exemplo, nem sequer se pode falar: a repressão é absoluta. É um aspecto da vida que deixa de existir, quando estão na Obra, as pessoas cancelam-no. Também comigo foi assim. Fiz um milhão de círculos sobre a “santa pureza”. Na Opus Dei também é um problema sentarmo-nos numa cadeira e cruzarmos as pernas: é uma provocação. O mesmo acontece com o vestuário, as posições assumidas, o modo como se fala, até as intenções. Atingem-se elevados níveis de clausura mental, de manipulação, de verdadeira lavagem cerebral.»
Que percurso intelectual e profissional é perspectivado a uma rapariga que se aproxima da Opus Dei?
Os supranumerários talvez tenham maior liberdade de movimento em relação a iniciativas profissionais a desenvolver. Mas a Prelatura, até hoje, nunca quis comunicar ao mundo quantas e quais são as actividades já desenvolvidas. Na entrevista dada ao semanário Specchio, o Prelado Echevarría declara: «Quais são as associações geridas pelos fiéis da Prelatura? É evidente que eu não sei nem os meus colaboradores. Na minha opinião, nem sequer existe esse conceito, é uma quimera. Admitindo que é possível fazer o tipo de inventário de que fala, extrair-se-ia dele um inventário compósito; uma maçã mais duas cadeiras, quantos violinos ou quantas bolas de futebol fazem? No pensamento de Josemaría Escrivá, cada iniciativa deve ser equilibrada no plano financeiro, recorrendo, se necessário, à ajuda de patrocínios e doações regulares. Mas a Opus Dei não intervém nem quer intervir, sobretudo tendo em consideração um princípio de autonomia e respeito pelas competências: “a cada um o seu ofício e cada coisa no seu lugar”». Prometem-nos muitas coisas. Nunca de maneira directa, mas fazem-no. Sim, fizeram-me crer que teria possibilidades profissionais e de crescimento intelectual. Há um grande impulso para o sucesso e para a afirmação do ponto de vista profissional. Enorme. Mesmo ao nível dos estudos. Eu própria fazia muito mais exames do que a média das outras estudantes. Estuda-se muito, trabalha-se muito. É necessário render! Há uma promessa de sucesso, porquanto o sentido da vida reside em dar o máximo, todos os dias, por um objectivo. Porque assim somos santificados. É preciso sermos bons, estudar da melhor maneira possível. Obviamente, isto faz desencadear em nós ideias, expectativas. Dizia para comigo: Se agora faço mais quatro exames por ano do que as minhas amigas, veremos o que farei no futuro. Seria interessante interrogarmo-nos sobre a razão desta ênfase na produtividade, no resultado, na afirmação profissional.»
E como é com as numerárias?
«As numerárias dedicam-se prioritariamente à Obra. Para não falar das auxiliares: são mulheres submetidas a uma exploração total. Da pessoa humana, na auxiliar-tipo, resta muito pouco: é uma doméstica que, com toda a manipulação que sofreu, já não existe como pessoa. Trabalham muito sem ter nada. Acho que as auxiliares são as personagens mais frágeis.»
O que poderia pôr em crise a Opus Dei, como sistema?
«Este sistema assusta-me porque me é difícil encontrar possibilidades de crise. Cada vez vejo mais poder. Isto é terrível. Desejo que haja uma crise, mas ainda não sei donde partirá, qual será o ponto fraco. Se tivesse que referir a minha experiência, diria que o ponto fraco está na informação, na consciência, no espírito crítico de quem entra em contacto com determinadas realidades.»
Que conselho é possível dar a um pai que tem uma filha de catorze anos a frequentar a Opus Dei?
«Precisamente o de mandar ler aos seus filhos os livros críticos sobre a Opus Dei, fazer tudo para que a sua mente permaneça aberta aos estímulos. Procurar cultivar neles o espírito crítico, mesmo face a fenómenos complexos como a Opus Dei.»
De um ponto de vista ético e profissional, não é ilícito o facto de, através dos clubes juvenis da Opus Dei, rapazes ainda adolescentes serem induzidos a realizar escolhas com graves consequências?
«Na minha perspectiva é um delito que deveria ser punido. Um verdadeiro crime. Sem um adequado conhecimento por parte do adolescente e da sua família não devem ser consentidas opções tão decisivas. O que me aborrece é que tudo o que existe por trás da Opus Dei tenha que permanecer desconhecido: o fim de tantas acções discutíveis permanece rigorosamente escondido. Para eles, deste modo torna-se mais fácil agir. Porque assim conseguem, mantendo um estado de mistério, obter novas adesões por parte de pessoas que, mais tarde, muitas vezes correm o risco de arruinar a sua vida. Conheci várias. Isto provoca-me uma grande raiva.»
Pode-se sair indemne de uma experiência semelhante?
«É difícil, mas quando se afasta completamente dos pais supranumerários por um período suficientemente longo, talvez possa. É a única condição. Caso contrário, cai-se numa espécie de condenação que nos deixa forçosamente mal. Muitas vezes, essas pessoas atravessam um período terrível de não retorno: estão mal dentro e estão mal fora da Opus Dei. É a pior situação: pretende-se permanecer na Obra, mas o corpo já não o consente, recusa-se. Ao mesmo tempo, a sensação de culpa que lhes foi instilada é fortíssima. Consegue atingir todas as partes do seu ser, já não consegue agarrar-se a nada: só existe a sensação de culpa. É totalizante.»
Em Itália também se discute uma lei contra a manipulação psicológica, que limite os danos que seitas e cultos possam produzir nas pessoas. A Opus Dei é semelhante a uma seita ou a um culto?
«Na minha opinião sim. Trata-se de uma realidade totalmente anormal no seio do mundo católico, com práticas e situações psicológicas extremas. Existem os mecanismos psicológicos de que falámos: o afastamento da família e das ligações precedentes, a manipulação da consciência e do pensamento, o culto do fundador, a mortificação corporal: na minha opinião, a Opus Dei é como uma seita.»
Espontaneamente, perguntamos a Mariagrazia se alguma vez falou da sua experiência com um sacerdote “normal”, com alguns representantes da Igreja católica.
«Não, nunca. A minha reacção foi de afastamento: ainda que só da Igreja, não da fé. Estou numa fase de análise crítica, em geral. Realizo uma investigação pessoal, mas muito crítica em relação à Igreja católica (precisamente porque consente tudo isto) e a estes aspectos de poder. Infelizmente dei-me conta de que Igreja e poder são uma equação difícil de resolver. Aproximei-me também de outros tipos de igrejas cristãs, tenho uma certa curiosidade em relação a outros tipos de igreja onde o poder conta um pouco menos. Conheci amigos protestantes, que frequentam a Igreja evangélica. É muito interessante a posição que existe nas relações com a Igreja católica. Há maior ética, mais sentido de responsabilidade. No entanto, considero que a Igreja católica deve saber o que acontece na Opus Dei. O facto de a Opus Dei ser plenamente aceite pelo Vaticano faz perder a vontade de ir falar com um sacerdote desta minha experiência. Há qualquer coisa que me travou, já que o facto de a Igreja ter aceite a existência de uma realidade como esta no seu seio me faz reflectir. É como se percebesse a ideia de que a Igreja sabe muito bem o que sucede no seio da Opus Dei, mas para ela está bem assim. Eu creio que sabem perfeitamente o que sucede. Esta sensação cria-me uma necessidade de afastamento total.»
O que significou para Mariagrazia o encontro com a Opus Dei?
«Encontrar a Opus Dei significou para mim perder-me e perder muitas coisas. A liberdade de pensamento: não houve um momento durante aqueles três anos, em que não me tenha questionado se estava a fazer o que devia, independentemente do que estivesse a fazer: vestir-me, conversar com uma amiga, ler uma revista, ver um filme, comer, dormir, sair, estudar. Lembro-me de, todas as manhãs, ao despertar, da necessidade de praticar o “minuto heróico”, isto é, levantar-me da cama imediatamente para poder oferecer aquele esforço a Deus; ou o “plano de vida”, a submeter à minha directora espiritual, necessário para pôr ordem e santificação em todas as actividades quotidianas, sem qualquer exclusão. Ou as jaculatórias a oferecer para “reparar” as faltas de quem estava ao meu lado, quer fossem amigos ou perfeitos desconhecidos. Significa vaguear pelo mundo como um autómato programado, porque todos os pensamentos produzidos pela minha mente eram sugeridos, instilados do exterior; não me pertenciam, mas não era capaz de o perceber.»
Mariagrazia sentiu a falta de muitas coisas depois de ter conhecido a Opus Dei.
«A autenticidade dos encontros: encontrar uma pessoa e perguntar-me automaticamente, sem sequer pensar, se podia ser convertida, o que poderia dar ou fazer por aquele mundo. Logo, na realidade, nunca a encontrar verdadeiramente, nunca questionar-se sobre quem é? O que sente? O que pensa? Por que razão é especial? Faltou-me a sinceridade dos afectos: estar constantemente a dividir quem está ao nosso lado, talvez desde sempre, em duas categorias bem distintas: os “justos” que conhecem a Obra ou fazem parte dela, a aprovam, nos apoiam; e os “falhados” que nos criam obstáculos, que não aprovam, que nos aconselham a perceber e a reflectir, a ter capacidade crítica e dos quais começamos, por isso mesmo, a afastar-nos cada vez mais. Na Opus Dei é subtraído o património das emoções de cada um: vivem-se emoções muito fortes, momentos de grande força espiritual, grandes arrebatamentos de fé que invadem o coração e o enchem de amor; depois, damo-nos conta que é precisamente através deste precioso e único património que se activa a conquista e, em certo sentido, já não nos podemos pertencer verdadeiramente; é-nos confiscado pelo uso criminal que fazem dele. São coisas importantes, no meu caso recuperadas depois num tempo muito curto, porque tive a sorte de não pertencer à “justa” classe social, de não ser muito apetecível. E porque fui capaz de cultivar uma parte de mim que, apesar de tudo, nunca desapareceu e à qual pude agarrar-me para sair da realidade que fora construída à minha volta. Mas nem todos conseguem recuperar o que perdem e, em qualquer caso, a recuperação é difícil. Tempo, cansaço, sofrimento e raiva. E em certos casos, infelizmente, nem sempre é completa. |
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