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DESTAQUE 1
ESCÂNDALO!
Todo o Ocidente está aí edificado sobre
o mítico Cristo-Vencedor e o seu deus-Ídolo-Todo-Poderoso
1. Só quando Paulo, finalmente, chega a Roma como prisioneiro, é que cai definitivamente do cavalo, os seus olhos da mente e da consciência abrem-se de par em par e ele "vê" Jesus, a quem perseguiu todo aquele tempo de missão feita ao contrário. E porque "viu", como Tomé, o do Evangelho de João, também acreditou, isto é, deu finalmente a sua adesão a Jesus, o do Evangelho de Marcos. Tornou-se, não judeo-cristão, mas um membro mais, das, dos Movimento ou Via Jesus, o do Evangelho de Marcos.
2. Todo o Ocidente está aí edificado sobre o mítico Cristo, o do Poder vencedor, esmagador dos inimigos (todos os que o não reconheçam e porventura denunciem os seus crimes) e sobre o seu Deus-todo-poderoso, que é o pior dos ídolos; não está edificado sobre Jesus, o Ser Humano por antonomásia, o Pão Partido e Repartido que se dá a comer, o Vinho Derramado que se dá a beber para a vida do Mundo, mediante Práticas Políticas e económicas maiêuticas.
Estas são duas oportunas, ainda que contundentes afirmações da reflexão teológica com que o Mário, presbítero da Igreja do Porto, interveio no 13.º Encontro de Espiritualidade Jesuânica, com a Idolatria em fundo, realizado no dia 26 de Outubro 2008, na casa-sede do Jornal Fraternizar. Leiam a reflexão toda. Se escândalo tiver de haver, que seja por sempre nos terem escondido estas e outras coisas essenciais para a nossa vivência de Jesus, também século XXI adiante.
O último Fraternizar (edição n.º 171, de Outubro/Dezembro 2008) já levantou uma ponta do véu, no Destaque1, intitulado “O Livro dos Actos como você nunca o leu!”. Leram o texto? E como reagiram? Chocaram-se? Escandalizaram-se? Com o texto, ou com a realidade que ele desvela, põe a nu, depois de séculos e séculos de Mentira?
Vamos ver se hoje conseguimos, juntos como um só, penetrar mais no âmago do assunto, mais no âmago da Verdade, porque, como sabemos desde Jesus e com Jesus, só a Verdade nos faz livres, por isso, plenamente humanos, não Poder, ao serviço da “Besta”, se somos das diversas minorias que o exercem; ou “Minhocas”, se somos das maiorias que o suportamos, financiamos, nos submetemos a ele, votamos nele e ainda por cima o aplaudimos, quando ele invade as nossas vidas, o nosso chão e nos rouba as filhas, os filhos, depois de nos ter também roubado o fruto do nosso trabalho, quando não até a alma ou a identidade.
Depois que conheceu Jesus, o do Evangelho de Marcos, sem dúvida, o mais antigo dos quatro Evangelhos canónicos e, porventura, também o primeiro testemunho escrito (anos 42-44), a dar-nos notícia, boa notícia de Jesus e do Movimento-Jesus (todas as vozes oficiais teimam em afirmar que o primeiro documento escrito do NT será a 1.ª carta de Paulo aos Tessalonicenses, datada do ano 50, mas, certamente, fazem-no por razões corporativa, portanto, interesseiras, que não haveremos de acatar!), Lucas, ou melhor, as Comunidades que escreveram o Evangelho com este nome, meteram ombros a uma empresa que ainda hoje não fomos capazes de entender, muito menos, fomos capazes de acolher e, menos ainda, viver-praticar-prosseguir. Meteram-se a redigir um novo Evangelho, mais completo e exaustivo, em dois volumes. São as únicas comunidades de Jesus que o fazem. O Evangelho de Marcos, porém, é a sua fonte inspiradora, o paradigma do qual se não afastam nunca.
No primeiro volume, apresentam-nos Jesus, o de Nazaré, e ao seu Programa ou Projecto Político, não Religioso, do Reino / Reinado de Deus. Um resumo desse Programa ou Projecto Político pode ler-se em Lucas 4, 16-30.
Diz a narrativa em causa que tudo se terá passado na Sinagoga de Nazaré, a aldeia onde Jesus nasceu e cresceu, na sua qualidade de “o carpinteiro” e de “o filho de Maria” (é assim que testemunha o Evangelho-fonte, Marcos), e onde permaneceu até, já homem feito, se ter tornado discípulo de João, o Baptista, mas apenas até ao dia em que se experimentou totalmente “apanhado” pelo Espírito de Deus e pela Missão que Ele está empenhado em levar por diante na História. Nessa altura, deixou João e foi por toda a Galileia a dar corpo à Missão em que o Espírito de Deus-Abbá o havia investido. Fê-lo com todos os riscos que isso acarretava. É, é claro, logo no final da sua primeira intervenção pública na Sinagoga de Nazaré, acabou expulso por toda a gente que a frequentava e teve de cuidar-se, para não ser ali mesmo linchado, tão surpreendente o Projecto Político de Deus-Abbá era! O relato dessa sua intervenção na Sinagoga de Nazaré não pode ser mais explícito.
O segundo volume, mais conhecido por Livro dos Actos dos Apóstolos, apresenta-nos Jesus, juntamente com o seu Projecto Político que é o Projecto Político de Deus-Abbá, a chegar às pessoas e aos povos do Mundo, fora da Palestina, até alcançar a Roma, a capital do Império romano que, então, era toda a Ecumene. É acolhido por alguns, recusado por muitos e amenizado / adaptado / distorcido / traído por muitos mais.
No primeiro volume - é um escândalo que sempre nos têm escondido! – concluiu-se que nenhum dos “Doze”, todos de origem israelita, apesar de chamados e escolhidos, um a um, pelo próprio Jesus, o chegou a entender! Todos, a começar em Simão Pedro e a acabar em Judas Iscariotes, se lhe opuseram e ao seu Projecto Politico e tudo fizeram para obrigar Jesus a mudar de ideias e de postura, para aderir ao projecto deles de restauração do reino de Israel. Na sua febre messiânica e nacionalista-imperialista, ainda chegaram a descobrir / dizer que Jesus era, é, o Messias (= Cristo), o Enviado de Deus, o das Vitórias e o destruidor dos inimigos, não o Deus-Abbá de Jesus. A verdade é que a Jesus, nunca o aceitaram, nem ao seu Projecto, muito menos ao Deus dele, seu e nosso Abbá, e de todos os povos.
Continuaram todos fiéis e fanaticamente agarrados a Moisés, à Lei de Moisés, ao Deus de Moisés, à Teologia oficial do Judaísmo, ao Sistema teocrático messiânico da casa real de David / Salomão, cujos chefes esperavam (ainda esperam?!) a vinda do Messias-Poder de Deus das Vitórias, invencível sobre todos os inimigos de Israel, que, finalmente, realizaria o Grande Dia da Vingança sobre todos os seus opositores ou inimigos, que o eram também dos próprios Judeus, enquanto o seu “Povo eleito”!
Os "Doze" sempre quiseram que Jesus fosse o Messias ou o Cristo desse Deus-todo-poderoso, vitorioso, não o Homem em plenitude, o Filho-do-Homem, o Ser Humano por antonomásia, o homem-para-os-demais-e-com-os-demais,família-com-todas-as-famílias-e-para-todas-as-famílias, povo-com-todos-os-povos-da-terra-e-para-todos-os-povos-da-terra, como sempre havemos de ser todos nós, os seres humanos que nos prezamos de o ser, e recusamos ser outra coisa, Poder, por exemplo, ou Dinheiro, ou meros Funcionários às ordens do Poder Económico-financeiro, do Poder Político ou do Poder Religioso.
Como não conseguiram nunca fazer a cabeça de Jesus, todos os "Doze" o traíram, negaram e abandonaram. E, depois da sua Morte vergonhosa na Cruz, quando voltaram a congregar-se - é já o segundo volume do Evangelho de Lucas que o revela - fizeram-no pelas piores razões: para se servirem do seu nome, da sua memória e, à sombra dele, dela, se assumirem como herdeiros dele, na linha dinástica do rei David, porque assim entenderam o facto histórico de Jesus, ele próprio, antes de ter sido assassinado, os ter constituído a eles como os “Doze” (o número 12 remetia para as 12 tribos de Israel e para os 12 patriarcas e, por isso, esta eleição de Jesus estava carregada de intenção e de força política simbólicas; só por si, significava / dizia que Jesus desistia definitivamente do Israel histórico e criava / fundava um novo Israel que incluiria, desde a origem, todos os povos até aos confins do Universo, em radical igualdade entre si, sem que algum deles, alguma vez, tivesse sido ou viesse a ser mais do que os outros povos, como até então (e ainda hoje?!) cada povo, também o Povo Judeu da altura, pensava que era, em relação aos demais povos!
Com base neste facto, os “Doze” tinham-se na conta, inclusive, após a Morte Crucificada de Jesus, de serem uma espécie de “pais fundadores” do novo Israel nacionalista, sempre na linha davídica, a do Poder vitorioso e do Privilégio, tal e qual como o antigo Israel. E, para conseguirem ter algum sucesso, tiveram de andar da perna, porque, entretanto, os familiares de sangue de Jesus, depois que se começou a difundir entrre o povo que o Crucificado havia ressuscitado, isto é, era, no errado entender deles, o vencedor, e vencedor até da Morte, “o último inimigo” a ser vencido, no dizer do judeu Saulo / Paulo, em carta aos Coríntios, e que o seu Deus sempre era o Deus-Vingador dos inimigos, também se puseram logo à frente, como os seus herdeiros dinásticos, na linha do sangue. (Quando cheira a Poder e a Privilégio, não faltam candidatos, ainda hoje é assim e, por isso, este nosso Mundo continua como se sabe e se vê!).
Se Reino de Deus haveria, e para breve, então seriam eles, os familiares de sangue de Jesus, a ter os melhores e os mais influentes lugares de Poder. Nem o facto histórico e incontornável da Morte ignominiosa de Jesus na Cruz, como o maldito dos malditos, lhes abriu os olhos, nem a eles, nem ao grupo dos “Doze”, então, “Onze”, depois que Judas abandonou de vez a via-Jesus, pois, como se pôde ver nos acontecimentos do Calvário, nem o Deus dele, o Abbá, serviria para nada, uma vez que não interviera para o “safar” da mão dos seus inimigos. Semelhante Deus, como o Abbá de Jesus, não lhe interessava para nada (não seremos todos, hoje, ainda como Judas?! Não cremos / queremos Deus, mas apenas no das vitórias, não no frágil Abbá de Jesus que, ao contrário do que sempre nos disseram, não faz nunca “milagres”, pelo menos sem nós a trabalhar na primeira linha da frente, apenas age-misteriosamente-em-nós-e-connosco, sempre que nós lhe damos oportunidade?!).
Todos eles - diz o segundo volume do Evangelho de Lucas - regressaram a Jerusalém, e Jerusalém entendida em sentido sagrado, não em sentido geográfico / profano; e regressaram ao Templo, esse mesmo que Jesus havia simbolicamente destruído, assim como ao seu Tesouro que sacrilegamente bebia o sangue dos pobres, como fez, para escândalo de Jesus, àquela viúva pobre, a quem ele viu arrancar até o único e último cêntimo de que ela dispunha para viver!
Todos eles regressaram às rezas rituais do Templo, que Jesus-em-Missão nunca fizera, às tradições dos antigos e até ao Deus dos sumos-sacerdotes, em nome do qual e para sua glória, Jesus havia sido crucificado por eles, em coligação com o Império romano. De tudo isto nos dá testemunho o segundo volume do Evangelho de Lucas, logo no primeiro capítulo (está lá tudo, mas nós, até hoje, temos sido impedidos de ver, graças às catequeses da Cristandade e das outras Igrejas cristãs filhas dela e tão perversas quanto ela, senão mesmo ainda mais).
Na sala de cima (sabiam que até esta era uma dependência do Templo de Jerusalém?), estão, de um lado, Pedro, o líder ou chefe dos “Doze”, então “Onze”, devido ao auto-afastamento definitivo de Judas, e, do outro lado, Tiago, o irmão de sangue de Jesus e os outros irmãos com as respectivas mulheres, mais as irmãs de Jesus, juntamente com Maria, a mãe de Jesus (referida no texto pelo nome próprio, o que indica um facto histórico e não só teológico!).
Os dois grupos ou partidos estão ali, em tensão, a defender os seus interesses dinásticos de Poder, não estão com a mínima vontade de serem outros Jesus e de prosseguirem o seu Projecto Político Universal e a sua via que eles nunca aceitaram, até ao momento da sua morte na cruz (o relato da Paixão de Jesus, no primeiro volume, não deixa margens para dúvidas).
O que os seduzia, a um e outro grupo ou partido, não era Jesus, a quem crucificaram, mas o Cristo ou Messias de Deus Vencedor dos inimigos, o Deus do Templo, o Cristo / Messias das vitórias, o esmagador dos seus inimigos e dos inimigos de Israel e o restaurador pela força do reino de Israel, à semelhança do que, em seu tempo, havia feito a casa real de David / Salomão.
Tudo, como se o facto histórico de Jesus ter sido Crucificado, em nome de Deus, o do Templo, e do Império, o romano, não tivesse sido verdade, ou, no máximo, tivesse sido uma pequena distracção de Deus, ou um lapso, ou uma estratégia errada e infeliz de Deus que, depois, arrependido, havia corrido a emendar a mão, ao ressuscitá-lo dos mortos! E foi assim, nestes precisos termos teocráticos, que ambos os bandos, o Grupo dos “Doze” e os familiares de sangue de Jesus, interpretaram a notícia que já corria entre o povo acerca do Ressuscitado Jesus!
Viram nela, não que Deus, nosso Abbá e de todos os povos da terra, dava razão a Jesus; que era com Jesus a quem crucificaram que Ele estava, e não com os sumos-sacerdotes, seus verdugos e algozes, nem com o Templo-covil-de-ladrões que eles exploravam e geriam como um Banco nacional, nem com as rezas, nem com as Tradições dos antigos, nem com a Religião, nem com os sacrifícios de animais que tinham lugar no Templo, a toda a hora do dia e da noite, nem com o Império romano ou outro qualquer, qual deles o mais perito em produzir vítimas humanas, crucificados, queimados vivos, assassinados, peritos todos em genocídios e ecocídios.
Daí a pressa de Pedro (o seu nome é Simão, mas aqui no início do 2.º volume do Evangelho de Lucas aparece sempre como Pedro, para, desse modo deixar bem claro que é o chefe do Grupo / Partido, o buscador de Privilégios e de Poder que actua, não o ser humano, simplesmente, como sempre deveria ele ser e seria, se, nessa altura, já tivesse acolhido Jesus e prosseguido a sua via e o seu Projecto) em restaurar o grupo simbólico dos “Doze”, o novo Israel, para, desse modo, fazer frente a Tiago, o chefe dos familiares de sangue de Jesus, onde se incluía a sua mãe, Maria, então ainda sem se ter tornado das, dos de Jesus, a quem crucificaram e fizeram o maldito dos malditos, como depois, mais tarde, terá acontecido, se bem que não haja notícia do facto no Novo Testamento, embora ele chegue a ser sugerido pelo Evangelho de João, no relato teológico do Calvário, junto à Cruz, onde se fala expressamente da presença da “mãe de Jesus”, mas não se diz nunca “Maria”, e, como sabem todos os exegetas que se prezam, as duas expressões, embora pareçam, de facto não são sinónimas!
O conflito entre o bando chefiado por Tiago e o bando chefiado por Pedro acabou num acordo, num consenso, como ainda hoje sucede muitas vezes entre candidatos ao Poder e aos poleiros que o Poder garante a quem estupidamente o serve.
Tiago ficou chefe da Igreja de Jerusalém (uma espécie de sumo-sacerdote ou de papa, no nosso dizer de hoje), a reunir sempre no Templo, esse mesmo Templo que o seu irmão Jesus simbolicamente destruíra, do qual se afastara para sempre e que, não só por isso, mas também por isso, o condenou à morte e o crucificou (vejam bem toda esta contradição!). E Pedro, juntamente com João, agora, convertido no seu braço direito (já no primeiro volume, ele e seu irmão Tiago, denominados “Filhos do Trovão” por Jesus, tamanhas eram as suas ambições, pretendiam ocupar os dois principais lugares do Reino, um à direita e outro à esquerda de Jesus-rei-presidente!!!), sempre em tensão com Tiago, o irmão de sangue de Jesus, lá acabou confirmado como chefe do restaurado Grupo dos “Doze” (Matias preencheu a vaga criada pelo auto-afastamento definitivo de Judas), uma restauração feita totalmente à revelia do querer de Jesus, que nunca mais fez nada para o restaurar, como os factos teológicos que imediatamente se sucederam, após a sua Morte Crucificada, depressa se encarregaram de revelar e o próprio Espírito Santo, pela boca dos profetas jesuânicos que o Movimento das, dos Jesus fez despoletar, também vieram cabalmente a confirmar).
Cada qual no seu galho, lá se suportaram um ao outro, sempre na expectativa de que o Cristo ou o Messias davídico viesse de novo, agora triunfante sobre as nuvens do céu e, com ele, viesse o Reino de Deus, acontecimento que ambos os bandos pensavam para daí a dias ou semanas. Então, ser-lhes-iam atribuídos pelo Messias vitorioso e vingador dos inimigos dos Judeus, os melhores lugares e os melhores postos.
Só que o Messias ou o Cristo vitorioso, na linha da casa real de David / Salomão, que ambos os bandos esperavam, não veio nem por aqueles dias, semanas, meses, anos e nunca virá. Porque não existe. Não passa de um Mito que, na força idolátrica que o Poder do Grande Dinheiro, do Império e do Templo, os três como um só, simbolicamente lhe atribuem e conferem, até tem servido, para destronar da Memória dos Pobres e dos Povos, Jesus, o de Nazaré, a quem essa sua perversa Trindade, exemplarmente crucificou como o maldito dos malditos, para que ele nunca mais o incomode, nunca mais se intrometa nos seus assuntos, como se atreveu a intrometer daquela vez em Jerusalém e por isso ela de imediato o matou da forma infamante que se sabe.
Segundo este volume dois do Evangelho de Lucas, erradamente chamado Livro dos Actos dos Apóstolos, Tiago, o irmão de sangue de Jesus, nunca mais terá tido emenda. Nunca terá chegado a dar a sua plena adesão a Jesus, a quem crucificaram, nem ao Movimento das, dos de Jesus que prosseguiam as suas mesmas Práticas maiêuticas. Ficou sempre fanaticamente agarrado ao Cristo ou Messias, o do Poder davídico-imperial. Nunca passou do mítico Cristo, para o Ser Humano em plenitude, Jesus, o seu irmão de sangue. Nunca reconheceu Jesus, o de Nazaré, nem o Deus de Jesus, o Abbá de todos os povos sem distinção. E, como ele, a esmagadora maioria da Humanidade através dos séculos que, ainda hoje, continua ainda a não o reconhecer, apenas ao mítico Cristo das vitórias, o dos poderosos.
Mas a verdade é que só Jesus, o de Nazaré, do qual dá testemunho o Evangelho de Marcos e, com ele, os outros três Evangelhos canónicos, Mateus, Lucas e João, é o Homem histórico por antonomásia, o Ser Humano que o Templo e o Império não suportaram e por isso, juntamente, com os do Grande Dinheiro, então representado pelo Sinédrio, mataram sem apelo nem agravo. E é este Jesus, apenas ele, o inspirador-anunciador-praticante até ao limite e até para lá do limite do Projecto Político de Deus-Abbá, que consiste em fazer de todos os Povos do mundo, o seu Povo, em quem Ele misteriosamente habita em permanência, um povo de muitos povos, sem templos nem altares, sem sacerdotes e sem cultos ritualizados, apenas com Mesas Partilhadas e Práticas Maiêuticas que façam de cada ser humano e de cada povo, sujeito, protagonista, senhor dos próprios destinos, constituídos em estado de maioridade e em comunhão permanente uns com os outros, o único que anda carregado de Futuro, por isso, é o Nosso Alfa e o nosso Ómega.
Como se vê, já por aquela altura, logo nos começos, após a Morte Crucificada de Jesus, o mítico Cristo depressa teria conseguido “comer” definitivamente Jesus e hoje nem sequer saberíamos da sua existência histórica, muito menos, do seu Projecto Político universalista, e menos ainda do seu Deus-Abbá que o é de todos os povos. Semelhante desgraça só não se consumou, graças aos dois ou três, elas e eles, mais elas do que eles, que depois de tudo consumado, continuaram a encontrar-se clandestinamente e longe de todas estas guerras do grupo dos “Doze” e dos familiares de Jesus, pela conquista do Poder davídico.
Fizeram-no, não, obviamente nalguma dependência do Templo de Jerusalém que havia assassinado Jesus, nem sequer na Jerusalém sagrada, entendida como espaço sagrado, mas na casa de uma das Mulheres que, desde a primeira hora, tinham andado com ele e até tinham livremente passado a partilhar com ele e com o seu Movimento de Missão os seus próprios bens materiais (Lucas 8, revela que Maria Madalena é a principal animadora deste Grupo, nos antípodas de Pedro e do grupo dos “Doze” que ele liderava, sempre contra Jesus).
Havia sido na Galileia onde toda a Subversão / Conspiração Jesus, o de Nazaré, começou, até concluir na constatação teológica do seu “túmulo vazio”, porta aberta para elas, e nós com elas, chegarmos ainda hoje a dar pela misteriosa Presença do Ressuscitado Humanado Jesus, o Ser Humano em plenitude, em quem Deus Criador e Ressuscitador, seu e nosso Abbá, sempre habita e se revela, esse mesmo em quem esses dois ou três, elas e eles, entre os quais João Marcos, o do Evangelho que leva o seu nome, haviam visto não o Messias, o Cristo vencedor e vingador sobre todos os inimigos, mas o Homem cheio de graça e de verdade, a quem Deus-Abbá deu razão, o Homem cheio do Espírito Santo, o Homem Sopro, Vento, Movimento, Subversão, Conspiração, que Poder algum, político, religioso-eclesiástico, económico-financeiro jamais poderá prender, por mais que o não suporte. E só ele é, até agora, o Ser Humano Definitivo, em plenitude.
A casa em questão era a de Maria, mãe, não de Jesus, mas a de João Marcos, o do Evangelho do mesmo nome, sem o qual não saberíamos de Jesus, o de Nazaré, “o carpinteiro”, “o filho de Maria”, apenas saberíamos de Cristo, o mítico Cristo vitorioso, esse mesmo que está na origem do Cristianismo. Ali, naquela pequenina Comunidade-Movimento de Jesus, não se discutia Poder, nem se discutiam lugares, privilégios, tronos, hierarquias, apenas se praticavam Serviços Maiêuticos, bem na linha, não do Messias-rei David, mas na do Servo Sofredor de Javé.
Quer isto dizer que todas, todos eram militantes políticos, não Poder político ou religioso, todas, todos eram prosseguidores das mesmas Práticas Maiêuticas de Jesus, anunciadores e realizadores do seu mesmo Projecto Político do Reinado de Deus até aos confins do mundo, o qual incluía todos os povos sem discriminação de nenhum deles.
Pois bem, é à porta desta pequenina Comunidade-Movimento de Jesus, a quem crucificaram, a viver congregada longe do templo e sem sacerdotes, que um dia, muito mais tarde, inesperadamente, Simão Pedro foi bater, precisamente, depois que finalmente se converteu a Jesus e ao seu Projecto Político do Reinado de Deus e se libertou para sempre do Messias ou Cristo do Poder vitorioso dos inimigos, na linha do rei David, e reconheceu que Jesus, a quem crucificaram, é quem tinha razão e, por isso, decidiu ser com ele outro Jesus e integrar o Movimento das, dos de Jesus.
A boa Notícia ou Evangelho - uma Revolução em toda a linha e com a força de um tsunami - vem relatada no segundo volume do Evangelho de Lucas (Actos 12. Vale a pena ler na Bíblia. Mas não esqueçam que o relato é sobretudo teológico. A “prisão” de que aí se fala é a ideologia do Cristo / Messias davídico, um Mito que, sob múltiplas formas históricas, tem levado à prática de todas as barbaridades que se conhecem, por parte do Poder, religioso-eclesiástico incluído, ao longo da História. O contraste com a Igreja de Jerusalém presidida por Tiago e esta pequenina Comunidade-Movimento das, dos de Jesus, é total. Esta comunidade-Movimento de Jesus situa-se nos antípodas da outra que hoje está aí bem representada no Vaticano e na sua Cúria romana. Com lágrimas o escrevo).
Pedro, uma vez convertido a Jesus, a quem crucificaram, desaparece praticamente das páginas deste segundo volume. Sai de cena. Só a ocupou, enquanto resistia à Acção do Espírito Santo, o de Jesus e à sua via de não-Poder, de não-Idolatria, a via da total Entrega da própria vida pela vida do mundo, feito Pão Partido e Repartido, Vinho Derramado. Sai Pedro de cena e entra em cena Saulo, também chamado Paulo.
O segundo volume do Evangelho de Lucas conta no capítulo 13, logo a abrir: “Havia em Antioquia [longe de Jerusalém e do Templo!], segundo o uso da comunidade local, profetas e doutores, a saber: Barnabé, Simeão, o Negro, e Lúcio, o de Cirene, assim como Manaen que tinha sido educado com o tetrarca Herodes, e Saulo.”
Infelizmente, sempre nos levaram a ler os textos do Novo Testamento como piedosas anedotas, estórias de encantar, relatos maravilhosos de encher o olho e o ouvido. E eles são textos altamente teológicos e maiêuticos que pretendem despertar em nós que os ouvimos ler, a mesma Fé de Jesus que, lá onde existir bem activa, depressa dispensa e expulsa a Fé religiosa, feita de Medo e de intermediários comerciantes, para fazer de nós outros Jesus, em cada tempo e lugar.
Neste aspecto, as nossas traduções e edições da Bíblia, com as suas anotações a negrito e notas de pé de página, são verdadeiros atentados à inteligência humana e até causa de ateísmo, tamanha é a infantilidade que os atravessa. Um autêntico vómito que, por sua vez, só pode fazer gente vomitada, caso as pessoas, as aceitem e reproduzam, tal e qual, acriticamente. O que sucede, fatalmente, à maior parte das pessoas das Igrejas e, muito em especial, às Testemunhas de Jeová. Um vómito.
Ora bem, desta comunidade de cinco membros (os números na Bíblia indicam qualidade, não quantidades!), três eram provenientes do Paganismo, por isso, não-Judeus, e eram todos profetas, isto é, especialistas em ler os chamados Sinais dos Tempos; e os dois restantes são de origem judaica, ambos doutores, especialistas em Moisés e nos Profetas bíblicos, portanto, peritos em Judaísmo, na linha davídica vitoriosa e da Lei de Moisés, portadores de um projecto nacionalista-imperialista de Povo eleito que, com o Messias triunfador, haveria de esmagar os inimigos de Deus e os seus próprios, para impor o seu domínio e o do seu Deus a todos os povos.
A maioria, como se vê, era de origem pagã e os seus membros eram profetas. Foi o que valeu. Diz o relato - ele é fundamental para entender o resto deste segundo volume até ao final, capítulo 28 - que o Espírito Santo invadiu a celebração semi-judaica que estavam a realizar e deu cabo dela e até daquele grupo ou comunidade. A intervenção terá sido, obviamente, pela voz e pela vez de algum dos três profetas, ou pelos três, ao mesmo tempo, que naquela ocasião, “partiram a louça” e se levantaram contra a pretensão e o domínio dos doutores e contra a sua tentativa de dominarem ideologicamente a Profecia, como ainda hoje sucede nas Igrejas paroquiais e nas catedrais, onde até é proibido alguém ter voz e vez, a não ser o presidente clérigo e celibatário à força, intérprete e defensor do ponto de vista do Poder de Roma, da Cúria romana e do seu papa!
Mandou o Espírito Santo - vejam só! - que separassem Barnabé e Saulo, por esta ordem (o profeta à frente do doutor) para a Missão aos Pagãos, a que os tinha destinado, em lugar de continuarem todos ali no bem-bom do culto judaizante. Não os envia aos Judeus, então demasiado fechados a Jesus, Judeu como eles, mas Dissidente e Blasfemo, Samaritano e Possesso do Demónio no dizer-testemunhar oficial dos seus opositores, teólogos credenciados, conforme se pode ver nos Evangelhos, e todos totalmente contrários ao seu Projecto Libertador e universalista, devido ao Judaísmo ensinado nas Sinagogas e no Templo, como hoje, entre nós, devido ao Catolicismo Romano ensinado nas Paróquias e nas Dioceses territoriais, no interior das quais o Espírito não chega nunca a ter voz nem vez, e, no seu todo, até de Deus fizeram e fazem um ídolo, justificador e canonizador das suas prepotências e arbitrariedades.
E lá vão Barnabé e Saulo em Missão, sem saberem bem por onde iniciar. Aos dois, virá juntar-se quase logo, João Marcos, o único que sabe garantidamente de Jesus a quem crucificaram e do seu Projecto libertador do Reinado de Deus, e não confunde Jesus com o mítico Cristo vitorioso, da casa real de David / Salomão, o Cristo vencedor e destruidor dos inimigos de Deus.
Quem lê o segundo volume do Evangelho de Lucas com olhos de ler-entender, logo se dá conta de que Saulo, doutor da Lei, toma, desde a primeira hora da ida em Missão, de imediato a dianteira sobre Barnabé, profeta, contra a manifesta vontade do Espírito Santo. O doutor, de origem judaica, fariseu de escola, sobrepõe-se de imediato ao profeta, de origem pagã. Como podiam ir em Missão aos Pagãos, se a Lei silencia a Profecia, o Judaísmo silencia os Povos não-Judeus, o mítico Messias davídico mata Jesus, o da Boa Notícia de Deus? Manifestamente, o seguidor do mítico Cristo davídico, triunfador dos inimigos, fica sobre o seguidor e o prosseguidor de Jesus, a quem crucificaram. E a prova é que, onde quer que o grupo de enviados pelo Espírito Santo chegue, dirige-se invariavelmente, não aos Pagãos, como lhe tinha sido ordenado, mas à Sinagoga dos Judeus. E quem toma habitualmente a palavra na Sinagoga é Paulo, doutor da lei, não o profeta Barnabé, menos ainda João Marcos, o do Evangelho de Jesus.
Em consequência, a Missão anuncia o Cristo / Messias triunfador, o esperado pelos Judeus, e silencia Jesus, a quem crucificaram. Anuncia o Messias triunfador dos inimigos (a morte será o último inimigo a ser vencido, diz!) que vem vencer e esmagar os inimigos (para isso Deus o ressuscitou dos mortos e ele está aí breve a voltar - assim se pensava e ensinava - sobre as nuvens do céu para consumar a sua obra!), não anuncia Jesus que arrasou o Judaísmo, como Sistema teocrático, a concepção de Messias ou Cristo do Poder davídico; não anuncia Jesus, o Político libertador de Deus e do Reinado de Deus, empenhado, desde o início da Humanidade em fazer de todos os povos o Povo de Deus, feito de muitos povos, a viverem em redor de Mesas Partilhadas com o melhor de cada qual.
Barnabé dá-se conta do golpe de mestre de Paulo, da traição de Paulo a Jesus e ao Evangelho de Deus-Abbá que Jesus é, mas contemporiza, por um tempo, sempre na esperança de ver Paulo mudar radicalmente. Marcos, porém, não está pelos ajustes e afasta-se pouco tempo depois e definitivamente. Melhor, é obrigado a afastar-se, porque Paulo assim o exige.
Mais tarde, noutra das viagens em Missão, também Barnabé fica de fora, por decisão do mesmo Paulo. É trocado por outros, à revelia do Espírito Santo. Paulo fica, assim, rei e senhor, a pregar um Cristo que não tem nada ou quase nada de Jesus, o do Evangelho de Marcos e que está na origem do Cristianismo que hoje impera no Ocidente e um pouco por todo o mundo. Um Cristianismo, fundado sobre um Cristo mítico, vencedor dos inimigos, um Cristo todo-poderoso, cujo Deus exigiu o sacrifício do próprio filho para, desse modo, redimir / salvar a Humanidade. Uma monstruosidade teológica, à luz da Teologia de Jesus. Por isso, o anti-Evangelho de Jesus, o de Marcos, cuja Morte Crucificada ocorreu, não por determinação de Deus-Abbá, obviamente, mas apenas por Jesus se ter dado conta e logo se ter oposto ao projecto de Poder político que já vinha da casa real de David / Salomão; ter anunciado e feito presente no seu viver o Reinado de Deus que inclui todos os povos em radical igualdade, sem que nenhum deles seja povo eleito; ter-se oposto a todo o tipo de sacrifício, a todo o tipo de culto religioso e, sobretudo, por ter revelado, por parábolas e pelas suas Práticas Políticas e Económicas Maiêuticas a favor das populações oprimidas e excluídas do país, que o Deus do Templo de Jerusalém e dos sumos-sacerdotes era um ídolo, um explorador dos pobres, um vampiro, mentiroso e assassino.
Paulo é incansável na sua missão, de cidade em cidade. Mas o que o faz correr, não é a Missão que o Espírito Santo pretendia e pretende. É praticamente o seu oposto, a sua negação. Resiste uma e outra vez e sempre ao Espírito Santo e faz tudo ao contrário do que Ele pretende.
O segundo volume do Evangelho de Lucas di-lo claramente. E só quando, finalmente, Paulo chega a Roma, como prisioneiro, onde, apesar de tudo, goza de uma certa liberdade, é que ele cai definitivamente do cavalo, os seus olhos da mente e da consciência abrem-se de par em par e ele “vê” Jesus, a quem perseguiu todo aquele tempo de missão feita ao contrário. E porque “viu”, como Tomé, o do Evangelho de João, também acreditou, isto é, deu finalmente a sua adesão a Jesus, o do Evangelho de Marcos. Tornou-se, não cristão, mas um membro mais, das, dos Movimento ou Via Jesus, o do Evangelho de Marcos.
Quando esta sua conversão sucede, o segundo volume do Evangelho de Lucas também acaba. Já não tem nada mais a dizer, porque já tinha mostrado à saciedade como não havemos de fazer, se quisermos vir a ser das, dos da Via ou Movimento Jesus, a quem crucificaram como o maldito dos malditos.
Ora, é deste Cristo mítico de Paulo e, antes dele, de Pedro até à sua radical e definitiva conversão a Jesus, o do Evangelho de Marcos e, ainda antes de Pedro, do grupo dos “Doze”, que as Igrejas todas continuam aí hoje a falar com destaque para a nossa Igreja católica que, para cúmulo, continua a ser mais Cristandade do que Igreja-Movimento das, dos de Jesus. Não nos falam nem anunciam - nisso, as chamadas Missões católicas e protestantes são um desastre, com dimensões de genocídio, inclusive, cultural - Jesus, o do Evangelho de Marcos e o dos restantes Evangelhos, todos inspirados no de Marcos e no mesmo Espírito que inspirou Marcos.
Por isso, vinte séculos passados sobre a Morte Crucificada de Jesus, escândalo para todos os seguidores do mítico Cristo do Judaísmo de Paulo, antes da sua definitiva conversão, fundamento de todos os imperialismos e de todo o tipo de Poder, e loucura para os filósofos e todos os ateus ilustrados do nosso tempo que sempre confundem Jesus com o Cristo das Igrejas eclesiásticas e das Religiões, quando não apenas com o da Cúria Romana e da sua corte imperial, temos hoje aí o Cristianismo, mas (quase) não temos Jesus, nem Movimento das, dos de Jesus, mais Vento e Sopro do que grandes estruturas eclesiásticas. Há aí os cristãos, elas e eles, mas quase não há as, os de Jesus.
Todo o Ocidente está aí edificado sobre o mítico Cristo, o do Poder vencedor, esmagador dos inimigos - todos os que o não reconheçam e porventura denunciem os seus crimes - e sobre o seu Deus-todo-poderoso, que é o pior dos ídolos; não está edificado sobre Jesus, o Ser Humano por antonomásia, o Pão Partido e Repartido que se dá a comer, o Vinho Derramado que se dá a beber para a vida do Mundo, mediante Práticas Políticas e económicas maiêuticas.
Com o Poder que o Cristo mítico fundamenta e abençoa, está também o ídolo do Grande Capital ou o Grande Dinheiro. E está, sempre, infalivelmente, o Religioso, hoje até servido pelas Igrejas que, envergonhadamente, ainda se reclamam, por vezes, de Jesus, e quase sempre apenas de Cristo!
Há lugar no nosso Mundo para todos estes ídolos. Só não há lugar para os seres humanos, mulheres e homens, livres, criadores, cultos, sábios, poetas, profetas, todos em estado de maioridade, bem ao jeito de Jesus. A Idolatria é, pois, completa e total. É ela que domina / esmaga / tolhe / mata os Povos. Esta é a sua hora. A hora do Poder da Treva.
Missão precisa-se. A das, dos de Jesus. Não a do mítico Cristo de Paulo antes de se ter convertido definitivamente a Jesus.
Vem, Senhor (= o Ser Humano na sua plenitude) Jesus! Vade retro, Cristo, Vencedor, o mítico fundamento de todo o Poder, sempre mentiroso e assassino.
Felizmente, até Paulo acabou por desistir do mítico Cristo davídico / vencedor e tornou-se das, dos de Jesus, como antes dele, já havia feito Pedro.
Mas as Igrejas que falam tanto de Paulo e de Padro e, este ano paulino, sobretudo de Paulo, ainda não foram capazes de dar este decisivo Passo ou PÁSCOA para Jesus que eles, finalmente, deram.
Ainda vão mais pelo mítico Cristo de Paulo, antes da sua definitiva conversão a Jesus, do que por Jesus, o do Evangelho de Marcos. Para mal delas. Para mal das populações de que elas se pensam guias. Para mal dos Povos. E, muito particularmente, para mal dos Pobres! |
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DESTAQUE 2
É tão mentiroso, que quer convencer-nos de que não existe!...
O anúncio pode nem chegar a circular nos autocarros de Londres. Pode ser que, à última hora, algum dos zelosos crentes em Deus (que Deus?, pergunta sempre quem partilha da mesma Fé de Jesus) consiga embargar o anúncio. E com isso ficamos todas, todos a perder. Porque é importante que as pessoas e os povos descubram quanto o Deus-Ídolo do Religioso, que dá cobertura ao Deus-Ídolo Dinheiro e ao Deus-Ídolo Poder é perverso, mentiroso. Porque a existência de tão Perversa Trindade é hoje tão obscenamente visível e activa no Mundo, que ela tem necessidade de vir fazer constar urbi et orbi que provavelmente não existe. Olho vivo!
“Provavelmente, não há Deus, por isso, deixa de preocupar-te e goza a vida”. Este é o teor de um anúncio que, neste mês de Janeiro 2009, os autocarros de Londres “gritarão” aos londrinos, elas e eles, e ao Mundo.
Não sei se os ateus portugueses se atreverão a outro tanto. Tão pouco sei se os administradores dos autocarros da Carris, em Lisboa, estarão pelos ajustes. Mas, como se trata de ganhar dinheiro - a publicidade faz-se pagar caro e este anúncio, pelo que tem de provocador, deve sair ainda mais caro que os que anunciam produtos de beleza ou comida para cães e gatos - é bem possível que, se houver quem pague, o mesmo anúncio ou outro ainda com mais sal e pimenta de provocação, poderá vir a circular também nas ruas de Lisboa.
Pensam que eu, como presbítero da Igreja do Porto, estou preocupado com esta manifestação de agressivo ateísmo? De modo algum. Por mim, digo até mais:
Pena é que não tenha sido já no anterior mês de Dezembro, mentirosamente dito de Natal, que o anúncio começou a dar-se a ler aos londrinos nos autocarros que circulam nas ruas da capital do Reino Unido. E pena é que esta provocadora proclamação de ateísmo não apareça escrita, da noite para o dia, nas paredes de todas as igrejas e capelas de Lisboa, do nosso país e da Europa, também e sobretudo, na nova basílica de Fátima, a dos 80 milhões de euros pagos a pronto, e na velha basílica de S. Pedro, a do Papa de Roma.
Já agora, também - e porque não?! - nas paredes de todos os Bancos portugueses, da Europa e do resto do Mundo. E nas paredes dos palácios de governo. E nas paredes dos quartéis-generais que pensam as guerras e dão as directrizes de como elas devem ser feitas, ao mesmo tempo, que fornecem os carros de combate e os soldados armados até aos dentes, carne para canhão e para minas e armadilhas. E ainda nas paredes das grandes superfícies a abarrotar de produtos para venda, esses mesmos que faltam em milhões e milhões de bocas e de barracos onde os corpos dessas bocas sobrevivem por muitos poucos anos, já que a maior parte morre antes de tempo. De fome. De fome, ouviram?!
E, já agora, coloquem esta proclamação escrita também nas paredes das sedes das transnacionais que nos bebem o sangue e comem os ossos e ainda ganham fortunas com os funerais dos cadáveres dos que, em vida, conseguem escapar ao seu insaciável, demente e descontrolado apetite.
Os donos de todas estas instituições, aparentemente, tão díspares entre si, têm todos um denominador comum: todos são ateus, mas apenas de Deus-Abbá, o de Jesus, que nunca ninguém viu nem verá, porque, entretanto, todos são adoradores do Deus-Ídolo que se vê e que subsiste aí sob a forma de trindade, o Grande Dinheiro, como pai, o Grande Poder Político e Económico-financeiro, como filho, e o Grande (Poder) Religioso como espírito santo, ao qual compete, a este último, a decisiva missão histórica de (en)cobrir com a sua sombra e com a sua escabrosa Hipocrisia religiosa os outros dois e todos os seus crimes, os mais hediondos.
Ora, o anúncio que, a partir de deste mês de Janeiro 2009, vai circular, em grandes cartazes afixados nos autocarros, pelas ruas da cidade de Londres é exclusivamente deste Deus-Ídolo que fala. Só que o anúncio é uma grande mentira, como de resto, toda a publicidade que se faz pagar bem paga é sempre mentira.
E porque o digo eu com tanta certeza? Ora, porque o Deus a que o anúncio se refere existe mesmo! E porque ele existe e é hoje tão visível a sua existência, é que o anúncio vai dizer que ele provavelmente não existe. Mas ele existe. Está aí bem à vista de todos. Obscenamente! Aliás, é até ele que (escrevi "que", não "quem") paga o anúncio a dizer que provavelmente não existe.
Pensam então que ele é um Deus-Ídolo suicida? Se pensam, só podem ser ingénuos. Ele paga bem pago para fazer circular este anúncio, a dizer que provavelmente não existe, primeiro, porque é mentiroso e pai gerador de mentira. Segundo, porque convém-lhe que as novas gerações que estão hoje a chegar à idade de tomar as rédeas do Mundo, dominado e governado por ele, cresçam na convicção de que ele não existe. Assim, ele tem-nas ainda mais na mão, no papo.
Serão capazes de vender até a própria mãe, o próprio pai, ou de matar até a própria mãe, o próprio pai, de desgosto, de vergonha, ou de vaidade e de orgulho, só para conseguirem - vejam lá! - um lugar ao sol à frente de algum dos muitos executivos de que ele necessita para se expandir e se multiplicar em progressão geométrica, de modo a controlar todos os povos e cada indivíduo, dia e noite, ininterruptamente.
O nosso Cristiano Ronaldo, por exemplo, é, neste momento, um dos rostos destas novas gerações que é preciso convencer que este Deus provavelmente não existe. Cristiano Ronaldo podia continuar a fazer bem o que sabe fazer, jogar futebol como poucos ou nenhuns serão tão capazes, por sinal, uma actividade que não está a contribuir para tornar mais humano o nosso mundo, apenas contribui e muito para mantê-lo alienado, ainda mais do que o que ele já está, mas podia continuar a fazê-lo apenas pelo prazer pessoal de o fazer. Não, como ele actualmente o faz, escravo da fama, do Dinheiro, do Poder, dos Milhões, da Vaidade. Podia fazê-lo como jovem, como homem, como atleta. Mas sem jamais se deixar “apanhar” pela máquina trituradora da Idolatria, a da perversa trindade que domina e intoxica as mentes e as consciências das pessoas e dos povos. Sem jamais fazer o jogo dessa perversa trindade. Sem jamais se deixar comprar por ela. Sem jamais se deixar prostituir por ela e com ela. Sem jamais se lhe vender. Sem jamais se prestar a ser o seu anjo perverso ou mensageiro que, com o seu nome, o seu exemplo e as suas declarações, até com os anúncios em que entra como protagonista, ajuda, como nenhum mais, neste momento da História, a fazer passar, para as novas gerações, a dele e as que vêm atrás da dele, a Mentira de que a Idolatria da trindade mais perversa é que é a salvação dos povos, quando é a sua mais completa ruína.
Cristiano Ronaldo seria super-humano, super-herói - e eu seria o primeiro a abraçá-lo e a congratular-me com ele e com a sua família - se, ao invés do que está a fazer, recusasse tudo isso, desprezasse tudo isso, dissesse, lúcida e corajosamente, ao Mundo que tudo isso é esterco e que só serve para ajudar a esconder os crimes de lesa-Humanidade, de lesa-Povos, de lesa-Pobres, de lesa-Natureza que essa Idolatria trinitária está aí, dia e noite, a cometer. Impunemente. Sem que ninguém lhe vá à mão, meta na cadeia os seus gestores, executivos, clérigos e pastores, numa palavra, a decapite duma vez por todas.
Infelizmente, não é por aí que o jovem Cristiano Ronaldo vai. Pelo contrário, vemo-lo estes dias a fazer tudo para se vender por um preço que até hoje nenhum dos que o precederam na habilidade de jogar a bola de futebol, conseguiu vender-se. Porque só assim, ele será o maior, como qualquer prostituta de luxo, enquanto tem um corpo viçoso. E ser o maior é o sonho que ele acalenta, desde que nasceu na Madeira. Nem que seja o maior na prostituição futebolística dos Milhões, na Idolatria da trindade mais perversa que hoje domina o mundo e mantém subjugados / castrados / domesticados todos os povos da terra.
É este Deus-Ídolo que se vê a olho nu e, hoje, está aí mais exposto do que nunca, nos seus podres, na sua mentira, nas suas corrupções, nos seus crimes, nos seus assassínios, nos seus roubos, nos seus desfalques, nas suas provocadas falências, e mais devorador do que nunca, mas que, por isso mesmo, também está manifestamente interessado em fazer constar que provavelmente não existe.
Assim, tem ainda mais abertos os caminhos para nos beber o sangue e comer os ossos. A todos, os que recusamos vender-nos a ele, colocar ao seu serviço as nossas vidas, as nossas capacidades, os nossos saberes. Todos os que recusamos ser Cristianos Ronaldos nas múltiplas áreas - para lá da dos divertimentos, onde entra o Futebol dos Milhões - de que é feita a vida dos povos e das sociedades.
Deste ateísmo idolátrico, que é um incondicional adorador e servidor da perversa trindade constituída pelo Grande Dinheiro, como o pai, do Grande Poder Político e Económico-financeiro, como o filho, e do Grande (Poder) Religioso como o espírito santo, tenho eu de estar em guarda. E estou. Em guarda e em duelo teológico e desarmado como um menino. Nunca, obviamente, como Cruzada. Apenas como Missão, como presbítero da Igreja do Porto, ordenado para Evangelizar os Pobres e os Povos.
Quando virem notícias do anúncio que os autocarros de Londres vão “gritar” à cidade e ao mundo, já sabem a que tipo de Deus é que ele se refere e que faz tanta questão de fazer constar que “provavelmente não existe”. E não acreditem em mais essa Mentira dele, paga por ele próprio. Porque ele existe mesmo, ele é a trindade mais perversa do nosso Mundo, e está aí em força, hoje, sob a forma de Idolatria.
Quanto ao Deus-Abbá, o de Jesus, saibam que nunca ninguém O viu nem verá. Por isso, nem que queiram, nunca podem negá-lO. O mais que podem fazer é virem a ser surpreendidos por Ele, como um ladrão, que, do mais dentro de vocês onde misteriosamente vive, vos salta ao caminho da vida, abre os olhos da vossa Mente e da vossa Consciência e os ouvidos do vosso Coração, faz-vos ver toda a Idolatria da perversa trindade que hoje domina o Mundo e mantém os Povos domesticados / castrados, e cujos clamores por Pão, por Liberdade e por Beleza, escutareis, finalmente. E, então, nunca mais tereis sossego.
Andem, pois, atentos e vigilantes. Quando ouvirem rebentar dentro de vocês as perguntas: Onde está o teu irmão, a tua irmã? O que fizeste do teu irmão, da tua irmã?, saibam que é Ele a meter-se provocadoramente convosco. Se então mudarem de Deus, passarem do Ídolo da perversa trindade, para Deus-Abbá, o de Jesus, este mesmo que faz perguntas como aquelas, também deixarão de continuar a servir a perversa trindade e passarão, nos sítios onde estiverem, a fazer uma só carne com as suas inúmeras vítimas.
Serão Paz, mas sempre em Revolução desarmada, em Conspiração desarmada, em Duelo desarmado. É por aí que ando, procuro andar, todos os dias e desde há muitos anos, sem me importar para nada do preço que tenho de pagar por me recusar a servir a perversa trindade.
Sejam, então, fontes que engrossam este Rio de Resistência Activa e de Práticas Políticas Maiêuticas, todos os dias. E deixem o pobre-rico do Cristiano Ronaldo com a sua idolatria e com o vazio da sua demência idolátrica, até que um dia ele acorde de semelhante pesadelo e parta todos os grilhões de ouro que hoje fazem dele um anjo mentiroso, totalmente apanhado pela perversa trindade que domina o mundo e o tem incondicionalmente ao seu serviço.
A sua Vaidade é a nossa vergonha, como Humanidade, nomeadamente da mais empobrecida e oprimida que, de tão alienada em que criminosamente é mantida pela perversa Trindade, ainda é capaz de o aplaudir e - vejam lá! - até invejar! |
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EDITORIAL
“O que vem aí?”
“O que vem aí?” - perguntou o último programa televisivo Prós e Contras 2008, de Fátima Campos Ferreira. O denominador comum a todos estes programas é a Treva ilustrada que por eles perpassa do princípio ao fim. Quando necessitamos tanto de Luz, mais ainda do que de pão para a boca, o programa serve-nos, semanalmente, Treva ilustrada, overdoses de Treva ilustrada.
Essa Treva Ilustrada nasce nas Universidades, com destaque para a Católica, a campeã neste ramo, entre as demais, pelo menos, no que concerne aos países do Ocidente, e cujo principal objectivo é prolongar, século XXI adiante, a perversa Teologia / Ideologia da Cristandade e da Idade Média, que assim continua disseminada nos nossos genes, como envenados virus, a impedir-nos de sermos nós próprias, nós próprios, em estado de maioridade.
A Treva Ilustrada chega a este e a outros programas do género, via hierarquia da Igreja católica, ou seus colaboradores eclesiásticos, sempre que as temáticas em debate entram pelas áreas da chamada Moral /Ética. São convidados bispos, biblistas, professores da Católica, teólogos do Poder Religioso e Eclesiástico Romano.
O último programa de 2008 não deixou os seus créditos por mãos alheias e contou com a presença maior do Cardeal Patriarca de Lisboa, a quem a conhecida jornalista de serviço começou logo por dar a palavra, na abertura do debate. Ora, o cardeal patriarca de Lisboa - não confundir nunca com o homem e o cidadão José Policarpo - é, fatalmente, para o comum das pessoas, o rosto do Poder Eclesiástico em Portugal (e não é que, desta vez, até ele próprio se assumiu como tal?!). Porém, da banda do Poder, também do Religioso e Eclesiástico, nunca pode vir a Luz de que tanto necessitamos como seres humanos e povos. O mais que vem é a Treva Ilustrada que nos encandeia, cega, aliena, anestesia, paralisa, domestica, desmobiliza.
E a verdade é que a resposta à questão “O que vem aí?” não chegou a abalar o país, não fez o país sair para a rua, não despertou esperança bastante em bastantes pessoas, para que aquela noite e as que se lhe seguiram fossem de parto colectivo e de mobilização política, numa palavra, de Insurreição Cívica Desarmada. Pelo contrário, depois do debate, o país continua a suportar o insuportável José Sócrates-Magalhães como primeiro-ministro e todos os seus ministros assessores-magalhães a dizer-lhe yes, amén, sim, oui, mande-sempre-que-nós-cá-estamos-para-executar-as-suas-dementes-decisões-e-satisfazer-todos-os-seus-caprichos, contanto que não nos tire o tacho que nos deu.
É óbvio que a RTP e todos os outros canais de tv que estão aí a emitir dia e noite, ininterruptamente, são propriedade do Grande Capital que sempre tem no Poder Político o seu braço esquerdo e no Poder Religioso-eclesiástico, o seu braço direito. Por isso, ainda que pergunte, num longo debate televisivo “O que vem aí?”, é apenas nele próprio que está a pensar. E quanto mais parece preocupado em encontrar uma saída para o problema desta hora de aflição generalizada criada por ele, é, obviamente, uma saída para ele, Grande Capital, e os seus fiéis servidores, os do Poder Político e os do Poder Religioso-eclesiástico, cada vez em menor número, como hoje tanto lhe convém. Porque, nesta hora do Poder da Treva, o Grande Capital mais não pretende do que reforçar-se, concentrar-se cada vez mais em cada vez menos mãos, sem sabermos nunca quais e onde estão. E se, para conseguir este objectivo maior, for necessário introduzir no discurso oficial umas dicas de “Ética”, de “Moral”, o Grande Capital não hesita. Passa até a ser o primeiro a falar de Ética e de Moral.
Neste último programa de 2008, já o fez e - vejam só o seu descaramento - fê-lo precisamente pela boca institucionalmente mais credenciada e também mais hipócrita, a do Cardeal Patriarca de Lisboa (volto a dizer, não confundir o cardeal patriarca com o homem e cidadão José Policarpo). E sua Eminência (os cardeais, tratam-se por Eminência, não por Excelência, porque eles acham que são a Eminência da Excelência!...) não se fez rogado e respondeu afirmativamente ao convite de Fátima Campos Ferreira, “com muito gosto” (sic). Ele sabe muito bem que, assim, pôde aparecer como o rosto da instituição religiosa-eclesiástica que sempre se faz passar aos olhos da Sociedade Civil, como a sua “reserva moral”, quando, efectivamente, mais não é do que a instituição de Poder religioso, a mais hipócrita de todas!
Viram /ouviram, como o senhor Cardeal Patriarca de Lisboa se apresentou naquelas pose e voz de instituição-Igreja-Católica-Romana que, em seu próprio dizer, “sempre defende os “valores” da Ética e da Moral? Se as populações que o ouviram, se tiverem deixado ir na onda, tudo, de repente, ficou branqueado. Quando, afinal, o Poder eclesiástico romano é intrinsecamente perverso (é tão perverso, que até a Igreja, a de Jesus, ele persegue e mata, como fez em seu tempo o Templo de Jerusalém a Jesus, na pessoa dos sumos-sacerdotes, teólogos oficiais, biblistas, escribas e fariseus hipócritas).
O cardeal patriarca apresentou-se a falar de Ética e de Moral, sem que ninguém o contraditasse e lhe dissesse que dessa ética eclesiástica sem Ética e dessa moral moralista e imoral Eclesiástica sem Moral está a Humanidade cheia. Ou elas não sejam as que estão aí, como de facto estão, na origem do Pecado Organizado e Sem Perdão que é o Capitalismo, o Neoliberalismo, o Mercado total e global. E sabem porquê? Porque na origem do Capitalismo e do Grande Capital está a Teologia católica romana, essa mesma que justifica o Estado do Vaticano e o Poder monárquico absoluto do seu papa-chefe de estado. Trata-se duma teologia idolátrica que se refere a um Deus-Ídolo que premeia o vencedor e castiga o vencido; premeia o crucificador e castiga como maldito o crucificado; premeia o rei vencedor, David ou Afonso Henriques, por exemplo, que esmagaram os seus opositores para chegarem ao Poder, e esquece sistematicamente as suas vítimas; premeia Pinochet que derrubou o socialista Salvador Allende, eleito pela maioria do Povo chileno e matou-o, e está sempre, sempre, mas mesmo sempre ao lado dos verdugos, dos algozes, e dos grandes do Grande Dinheiro, cujas lautas mesas frequenta, e leva os seus próprios hierarcas religiosos-eclesiásticos a viverem permanentemente rodeados de privilégios, nem que, para tanto, seja necessário arrancar o último cêntimo à viúva pobre que frequenta os seus cultos e os seus ritos, realizados com pompa e circunstância, nos Templos e Catedrais, Basílicas e Santuários, e que, coitada dela, uma vez lá dentro, já não consegue mais sair sem deixar lá o seu último cêntimo na caixa do Tesouro, para o fazer crescer e engordar cada vez mais. E ele, até hoje, já engordou tanto, que se tornou planetário! (Alguém faz ideia de toda a riqueza católica romana no Mundo?!)
“O que vem aí?” Pelo andar da carruagem, com o Grande Capital a trabalhar dia e noite, e com as suas inúmeras vítimas completamente desmobilizadas e até já com pena dele, só pode vir aí a sua mais retumbante vitória, nesta 1.ª Grande Guerra Mundial Financeira em que ele, estes dias, anda envolvido. Teremos, então, a breve trecho, o Grande Capital ainda mais concentrado em muito poucas mãos. Num Planeta povoado de sobreviventes robotizados, humanóides. Até que - e essa é a minha Esperança teológica crucificada - quando tudo mais parecer definitivamente perdido, se levante um Tsunami-Sopro-Movimento que nada nem ninguém controla, mediado, só o próprio sabe como e por quem. É o terceiro dia; mas o primeiro do resto das nossas vidas e da vida da Humanidade e do Planeta. Saibam que esse Sopro-Vento-Tsunami-Movimento já anda por aí (olhem para a Grécia, por exemplo) e só espera que mais corpos humanos se lhe abram e deixem que ele os habite e trabalhe neles, com eles e através deles.
Por mim, há muito que já deixei. E continuarei a deixar, até passar a ser todo eu, no Momento da minha Explosão final, definitivamente Sopro-Vento-Movimento, ora brisa, ora tsunami, mas sempre desarmado. Porque só o Vento-Sopro-Movimento-Tsunami Desarmado é que anda carregado de Presente e de Futuro. Como anda já carregado de Passado!
Venham, pois, daí viver também na Trincheira. Atrevam-se a viver todos os dias em Deserto, aí onde já vivem. E será para vocês o Terceiro Dia, o Primeiro do resto das vossas vidas.
Abraço-vos. Mário, Presbítero da Igreja do Porto |
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ESPAÇO ABERTO
Prof. Manuel Sérgio,
Reitor do Instituto Piaget
A mentira do neoliberalismo
Dos dinossauros, só os ossos ficaram. Os maiores e mais fortes animais que a terra já conheceu desapareceram. A força e o tamanho não lhes serviram para nada. Ao contrário, as lagartixas, suas parentes pobres, escaparam ilesas e assistiram, incrédulas, aos funerais dos primos que mandavam na Terra.
Às lagartixas, por refeição, bastavam umas poucas moscas e umas formigas. Por isso, por aí rastejam e, num abrir e fechar de olhos, desaparecem. Mas estão vivas, frescas e contentes.
Os dinossauros, bocas enormes, estômagos descomunais, corpos gigantescos comiam demais e ocupavam muito espaço – foram vítimas de uma crise de combustíveis!
Há grandes semelhanças entre os dinossauros e os capitalistas. É que, também estes, comem demais e é bem possível que estejam prestes a desaparecer, por diabetes, obesidade e doenças das coronárias. E porque a injustiça social é uma bolha de sabão que vai rebentar, mais tarde ou mais cedo.
A teoria do capitalismo de crescimento linear ininterrupto sofre de uma contradição, pois que o crescimento constante quer realizar-se num planeta de recursos limitados. Relação harmoniosa com a natureza é coisa que o capitalismo desconhece. Mas também os povos do Sul vão revoltar-se inevitavelmente, sabendo que uns morrem de fome e outros de comer demais. E não só: porque também os pobres já sabem que, no capitalismo, tudo o que é humano se reduz à quantidade, ao lucro!
Embora muitos capitalistas assistam à missa, eles criaram um novo evangelho: “Buscai, em primeiro lugar, o reino do lucro e tudo o mais vos será dado por acréscimo”. Karl Marx tinha razão: “A desvalorização do mundo humano aumenta, na razão directa do aumento do valor do mundo das coisas”. Para que a quantidade cresça, a qualidade tem de diminuir.
O que fazer, num mundo que a todos nos ameaça, porque nem o rico poderá fugir à revolta da natureza e dos mais pobres? Há que fazer um mundo outro. O neoliberalismo deve ser erradicado da face da Terra. É o próprio Jesus a dizê-lo: “Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, nem vinho novo em odres velhos”. É necessário um recomeço, ou seja, reconstruir a sociedade em alicerces novos.
Segundo Thomas Kuhn, muitas vezes o conhecimento científico chega a situações de impasse e, então, é imperioso e urgente uma revolução. Kuhn entendeu que a sua tese alcançava outros domínios, para além da ciência. E por isso escreveu: “Do mesmo modo que as revoluções científicas acontecem quando se consciencializou que o paradigma existente deixou de funcionar de maneira adequada, as revoluções políticas tornam-se necessárias quando cresce um sentimento de que as instituições deixaram de resolver convenientemente os problemas.
Só que os instalados, os carreiristas, os exploradores pensam que estão bem e não vêem que há necessidade de fazer o novo e consideram até a criatividade um acto proibido. Eles desconhecem aquela frase célebre de Ernst Bloch que diz: “o que é não pode ser verdade”.
Mas os ricos, os poderosos não têm alternativa: eles querem que tudo continue como está! A História não regista um único caso no qual o poderoso abdique dos seus interesses. O presente realiza o que lhes convém e portanto a transcendência não lhes interessa.
Na tradição religiosa, os demónios não são aceites; são expulsos. Os ídolos não são convertidos; são destruídos. A esperança de um futuro diferente depende da possibilidade de se destruírem ídolos e de se expulsarem os demónios. A terapia é declaradamente ética e política.
A mentira do neoliberalismo está aí, à vista de toda a gente! A Bíblia dá-nos, a propósito, a lição que o teólogo Leonardo Boff resume, no último número do Fraternizar: “A economia não se pode independentizar da sociedade, pois a consequência será a destruição da própria ideia de sociedade e de bem comum. O ideal a ser buscado é uma economia do suficiente, para toda a comunidade de vida”.
Se bem entendo o que a Bíblia nos ensina, é preciso morrer para o fausto, para o luxo, para o supérfluo, para que possamos renascer para a fraternidade, para a igualdade, para a solidariedade. Crescimento não pode ser sinónimo de exploração, de cegueira pelo ter que se acumula em detrimento dos pobres, dos miseráveis, dos excluídos.
Crescer é, para mim, encontrar a urgência do amor e da justiça, que decorre da mensagem que nos explicita por que Jesus nos amou e por que deu, por nós, a própria vida – mensagem que, digamo-lo, sem receio, é também de conteúdo verdadeiramente social e político.
Eu sei que Jesus é “a forma suprema e insuperável do compromisso de Deus com o mundo e pelo mundo”, que não se deixa absorver por qualquer ideologia política, por mais magnânima que ela se apresente. Mas também sei quem são (e têm sido) os defensores de um neoliberalismo que é um perfeito (e pernicioso) logro.
No entanto, o grande desafio à solidariedade, no mundo de hoje, não pode limitar-se à condenação do capitalismo neoliberal – tem também a ver com todos e cada um de nós! De facto, em que espécie de pessoa, em que espécie de gente nos queremos todos transformar?
A desigualdade na distribuição do rendimento pressupõe corrupção no coração da política, “rambificação” do entretenimento popular, desinteresse pelo bem-estar do nosso próximo.
Há quem, vítima embora da sociedade injusta, também defenda o lucro sem freios e o consumismo. Assim se caminha para a falência civilizacional, para um universo sem valores, para um mundo transformado num centro comercial. Onde os culpados são muitos e... nós!
Um ponto ainda a salientar: a morte do fundamentalismo do mercado ditatorial não deve fazer esquecer-nos que também já morreu o fundamentalismo de um Estado ditatorial. Este é um tema a que espero voltar, dado que é preciso criar o novo, sem disfarces, e não o velho mascarado de novo.
Há muitos “treinadores de bancada” que, perante a crise do capitalismo neoliberal, querem voltar ao capitalismo de Estado. Até eu, um pobre conhecedor destes assuntos da Economia, venho lutando, no limite das minhas poucas forças e há um bom par de anos já, contra o neoliberalismo. Só que, porque já tenho 75 anos, sei bem quais são as taras e os vícios do capitalismo de Estado. E onde nunca há progresso, inevitavelmente... |
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Pe. Mário Tavares
(Madeira)
Carta Aberta ao Bispo do Funchal, António Carrilho
Ex.mo Senhor D. António Carrilho
Como as questões públicas devem ser tratadas publicamente, trago o caso público “Padre Martins – Ribeira Seca” e algumas reflexões sobre o mesmo.
Em Portugal, viveu-se a vestimenta político-religiosa “Estado Novo” durante 46 anos. As duas forças, poder político e poder religioso, mantiveram de pé a cara nacional “Estado Novo”, cada uma segurando-a do seu lado. Houve de facto o caso D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto. Sabemos como foi doloroso o seu percurso. Embora terminando bem, deixou ambas as partes viciadas, doentes. Ao mesmo tempo e felizmente houve outros casos. Temos que admirar e honrar os corajosos heróis, que mantiveram a coluna vertebral não dobrada, embora forçados a viver em pequenas vielas, à parte da circulação social.
A panela de pressão “Estado Novo” explodiu a 25 de Abril de 1974 e deu-se o derrame da liberdade para os direitos da cidadania, na busca de novos rumos para a Nação Portuguesa. O Movimento das Forças Armadas elegeu um Governo Provisório, com a missão de fazer aprovar uma Nova Constituição que serviria de base para a Nova Governação Democrática.
Porém, assim como as virtudes se levantam, também os vícios se colocam de pé e de frente, armados com vírus potentes, adaptados ao meio.
D. Francisco Santana, bispo eleito do Funchal, veio logo tomar posse da responsabilidade diocesana a 12/05/74 e trouxe a receita: ”Eu venho exercer a «diaconia da autoridade, isto é, um serviço de unidade»”*. Por isso abrigou e organizou à sua volta as forças da retoma, não a retoma religiosa, que nunca esteve em causa, mas a retoma política, ao abrigo do religioso. “…sou o bispo de todos. Posso criticar os erros, posso defender teimosamente a verdade, posso até ser duro”*. Colocou o Jornal da Madeira, órgão diocesano, ao serviço da nova causa, nomeando para seu director aquele que ganharia a chefia de toda esta caminhada monopolizadora da política regional. Depois orientou a pastoral religiosa, na ideia de congregar todos os madeirenses e portossantenses, escolhendo, como ponto alto para a manifestação pública, a festa do Corpo de Deus, celebrada no Estádio dos Barreiros, e o cortejo processional até a Sé. Foi um reacender das grandes celebrações da Igreja, com o mesmo cariz político e religioso, celebradas durante tantos séculos nos tempos passados. Ao mesmo tempo desapoiou todos os movimentos de Acção Católica, desacreditando os seus sacerdotes assistentes.
Este trabalho não foi difícil. O povo, vivendo num meio social fechado em que o político e o religioso circulavam de mãos dadas, encheu-se de motivação participativa nos comícios do PPD, feitos nos adros das igrejas. E, congregado para defender Deus e a Pátria, embora disso nada percebesse, transformou-se numa garantia de votos com maioria absoluta.
O povo madeirense foi tão ingénuo, que até consentiu, como acólitos nos actos religiosos e como dirigentes em actividades paroquiais, aqueles que se tornaram os líderes e militantes do novo controlo social e acção política, mesmo que antes tivessem sido raros frequentadores da igreja.
Resumindo: D. Francisco Santana foi o promotor, o professor e o padrinho do PPD/Madeira e colocou nas mãos do afilhado o povo cristão da Região Autónoma da Madeira.
Nem todo o clero teve o mesmo comportamento. Houve sacerdotes que leram mais profundamente a importância do 25 de Abril. Um deles, com certeza o mais activo na análise dos acontecimentos e no ensaio de oportunidades para novos rumos, foi o Pe. Martins na Ribeira Seca e em todo o Machico. Uma das suas primeiras bandeiras, como apóstolo libertador na linha de Moisés, Cristo, Joana d’Arc, Luther King, foi libertar o povo de Machico do sistema agrícola da Colonia, que obrigava a todos os colonos a trabalhar a terra por metade da produção, embora fossem donos de todas as benfeitorias do terreno.
D. Francisco Santana, sentindo que não conseguia domá-lo e trazê-lo para a sua causa, foi ao arsenal da guerra, ainda não desmantelado de todo na Igreja, e puxou da “suspensão a divinis”, num gesto de anulação de toda a sua actividade sacerdotal e numa atitude de atirá-lo para a desclassificação social de desordeiro político perigoso, merecedor da exclusão da comunidade.
Foi um gesto de repressão e de guerra, muito aproveitado pela Diocese e pela actividade política dominante, unidos em cartel. “A nossa época não permite hesitações ou atitudes ambíguas; a Igreja não pode ser conduzida por crianças imaturas”*
A luta foi difícil, numa travessia longa de perigos, difamações e armadilhas, mas o povo de Machico sempre esteve pelo lado do Pe. Martins, pela defesa da sua mensagem, de modo eficiente, protegendo-o, defendendo-o e elegendo-o.
A igreja da Ribeira Seca sempre funcionou como o centro de estudo, da reflexão, da oração, das celebrações, das festas e cantares, em todo este caminhar de coragem na vivência da mensagem e publicidade da mesma, tudo vivido e celebrado numa Eucaristia igual a todas e sob o patrocínio da Mãe de Jesus, a Senhora do Amparo. O cristianismo lá sempre esteve de pé, com Jesus e Maria como colunas da segurança e do rumo.
De quem é o pecado?
No mundo civil do poder, curam-se as chagas sociais e, em tempo, promovem-se os corajosos. No mundo da Igreja os corajosos, os abridores de portas só são recuperados depois de mortos. Ao contrário, os “beatos”, esses têm velas desde muito cedo. Isto não é testemunho de Mensagem. Não faz parte das propostas de Jesus.
Ribeira Seca já tem publicados os CDs “Machico Terra de Abril”, “Viva a Vida” e o pequeno livro “Entre Dezembro e Janeiro de Cada Ano”, retratando “o desiderato de Cristo: nascer em toda a parte, em todas as casas, em todos os corações" (Pg.37). Lembro duas quadras do livro: ”No império dos engenhos/ Meu Menino-moedor/ mói as mágoas traz doçura/ ao povo trabalhador” (pg.28); “A «Ceranda» e a «Padeirinha»/ cantando fazem-lhe escolta/ ao «Sério» deitou-lhe a bênção/ ao «Ladrão» deu «Meia-volta»” (pg. 32).
Estas publicações são textos, que funcionam como bandeiras de testemunho, retratando a mensagem vivida e cantada nos tempos dolorosos e ensombrados pela “suspensão a divinis”
D. Teodoro, ao princípio, ainda derramou alguma esperança. Mas, depois que entrou em parceria com o Governo, foi o que foi. Temos em memória o gráfico dos acontecimentos.
Senhor Bispo, caminhamos para o Advento. E é de toda a conveniência que o presépio da Ribeira Seca esteja pastoralmente reconhecido pela Diocese neste Natal, porque sempre foi de Cristo e sempre fez parte da Igreja Madeirense.
É urgente deitar para o lixo tudo quanto foi símbolo de guerra. Fazer Natal é derramar paz, amor, solidariedade.
Funchal, 23 de Novembro de 2008, dia de Cristo Rei, o Rei da Coragem, da Liberdade, da Justiça, do Amor e do Testemunho.
O padre da Diocese
Mário Tavares Figueira
Nota: O asterisco (*) regista frases da Saudação Pastoral aos Madeirenses, proferida na Sé a 12/05/74 por D. Francisco Santana, dia da tomada de posse. Diário de Notícias, 13/05/ 74, pg. 3. |
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André,
Padre Casado (Brasil)
Sempre me diziam o que eu devia fazer
Esta reflexão em forma de carta vem do Brasil. É de André, Padre casado com Débora. Foi enviada ao coordenador do site Padres-Casados. No Brasil, são muitos e muito activos / reivindicativos. Não se contentam como os de cá, da Associação Fraternitas, com uns retiros e uns cantos gregorianos. Leiam e meditem. E coremos de vergonha!
Olá, Padre João Tavares!
Em primeiro lugar, minhas saudações pela tua luta e trabalho. Adonai [Deus] será a recompensa de teu zelo e de tua dedicação.
Permita que me apresente: tenho 32 anos e recebi o Sacramento da Ordem do Presbiterado na Igreja Romana, aos 25 anos (como dizem aqui no sul: era um piazinho ainda). Exerci o ministério presbiteral apenas três anos e depois pedi dispensa de meus ofícios e voltei a morar com meus pais e isso pelas seguintes razões: uma de ordem psicológica e outra de ordem eclesial.
A razão de ordem psicológica é que percebi que nunca tinha exercido a minha liberdade e autonomia. Entrei na Sociedade do Apostolado Católico (Padres e Irmãos Palotinos), com 14 anos, e sempre me diziam o que eu deveria fazer (terminar os estudos secundários, fazer dois anos de noviciado, estudar Filosofia, estudar Teologia, ser ordenado em tal dia, em tal lugar, pela imposição das mãos de tal bispo, ir para tal paróquia, realizar tal tarefa, ser transferido de tal paróquia, realizar tal tarefa, etc... e, quando me dei conta, sentia-me um menininho que tinha uma enorme função e sem a mínima estrutura para ser eu mesmo e muito menos maturidade afectiva e na fé para ser o presbítero (o mais velho) da comunidade e, além, claro, do desejo de ter uma companheira e ter filhos, quando percebia meus amigos de infância e companheiros de vida religiosa que haviam feito a belíssima opção pelo matrimónio de estarem com suas famílias constituídas.
A razão de ordem eclesial é o facto de que comecei a minha caminhada de Igreja numa pequena comunidade (CEB) e, quando deveria ser o pastor de uma comunidade, “transmitiram-me” uma Igreja do espectáculo, etérea e sem compromisso com o principal dogma da fé cristã: a encarnação.
Sentia-me mais um funcionário da Igreja que deveria realizar os seus papéis de acordo com as rubricas e de maneira esplendorosa, pois, numa sociedade do espectáculo reina a máxima: “Apareça ou pereça”.
Entrei em conflito comigo mesmo, a partir de minhas funções clericais: entrei na vida religiosa para ser profeta e estava sendo funcionário; ingressei na vida sacerdotal para servir e estava sendo servido; quis ser padre para ser sinal de unidade e de doação e era pago para isso.
Com toda essa confusão para um “piazinho de estola”, resolvi deixar o ministério. Fui completamente abandonado pela congregação dos palotinos, impedido de ir ao seminário onde me havia formado (pois iria dar mau exemplo aos meninos, no dizer do reitor da época), voltei a morar com meus pais e recomeçar a vida, a partir dos 28 anos.
Saí apenas com R$ 200,00 [reais] no bolso, sem curso superior reconhecido, mal falado, excluído, mas com o coração pleno de esperança de que a vida estava sendo assumida com todas as suas contradições e, por isso mesmo, era o espaço para que o Verbo se fizesse carne.
Passado um ano em que somente trabalhei e trabalhei e corri atrás para revalidar meu curso de Filosofia, conheci minha actual companheira (Débora). A partir desse momento, recuperei o norte de minha existência e tenho a certeza de que o Verbo se faz carne onde vivemos realmente a beleza da integridade humana, onde reconhecemos que a primeira bênção de Adonai é a fecundidade e que Ele mesmo não nos quer ver sós e incompletos (Não é bom que o homem fique sozinho).
Quando deixei o ministério, resolvi fazer um hiato na comunidade eclesial, pois tinha grande dificuldade de perceber a beleza do cristianismo do “outro lado do rio”. Não encontrava - como creio que é a dificuldade de todos os que deixam o ministério - um espaço aonde pudesse “produzir trinta, sessenta e até cem”.
A partir disso comecei a frequentar a Igreja Ortodoxa e, para mim, isso foi fundamental para rever minhas concepções eclesiásticas e para perceber que a Igreja de Cristo é muito maior do que a Igreja Romana.
Mas a minha “peregrinação” pela família ortodoxa foi de curto espaço, pois mudei-me de cidade e onde estou morando não há comunidade ortodoxa. Apenas “assistia” as celebrações, sem vínculo canónico com a comunidade ortodoxa.
A partir da reportagem do Fantástico [tv-Globo], e da postura do nosso colega Osiel, eu me questiono, querido João: eu realmente seria capaz de voltar a exercer o ministério com esse modelo de presbitério que a Igreja Romana possui? Não seria necessário repensar outros modelos de padres para que pudéssemos lutar por um “dever” que é nosso de tornar-se “pontífices”? E quando eu falo modelo de presbitério ou padres não me estou a referir à questão da obrigação do celibato, mas da maneira como o ministério é exercido nas comunidades (centralizador, clerical, às vezes déspota, simples funcionários da cúria, sem liberdade para pensarmos, a partir do que o Espírito nos diz na Tradição da Igreja).
Talvez muitos de vocês discordem de mim, mas tenho plena certeza de que falo a partir da experiência de ministério que tive: um ministério numa Igreja “Neoliberal”.
Sempre brincava com meus amigos de Teologia que deveria ter sido ministro ordenado no recente Pós-Concílio... Confesso que tentei mudar quando estava no activo, pensar uma comunidade cristã diferente, num modelo de padre diferente, mas sozinho não pude ir longe.
Confesso, ainda, que assim que deixei o ministério, o nosso colega de Curitiba, Joarez, me procurou, via e-mail e telefone, para participar dos encontros do MPC de Curitiba e não fui por duas razões: não era ainda casado e achava que não valia a pena lutar para que padres casados exercessem o ministério nesse modelo de Igreja que, perdão pela palavra, me causava ranço.
Porém, o tempo muda e as convicções igualmente. Hoje percebo que o caminho para a mudança do modelo de presbitério se dá, também, pela abertura de homens casados ao Sacramento da Ordem nos demais graus, além do diaconato.
Que a luta de vocês possa ser o pequeno grão de mostarda que um dia abrigará muitas aves em busca de seus destinos. Contem comigo para o que precisarem. |
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Frei Betto (1)
Teólogo
Somos todos pós-modernos?
A resposta é sim, se comungamos essa angústia, essa frustração frente aos sonhos idílicos da modernidade. Quem diria que a revolução russa terminaria em gulags, a chinesa em capitalismo de Estado; e tantos partidos de esquerda assumiriam o poder como o violinista que pega o instrumento com a esquerda e toca com a direita?
Nenhum sistema filosófico resiste, hoje, à mercantilização da sociedade: a arte virou moda; a moda, improviso; o improviso, esperteza. As transgressões já não são excepções, e sim regra. O avanço da tecnologia, da informatização, da robótica, a gloogletização da cultura, a telecelularização das relações humanas, a banalização da violência, são factores que nos mergulham em atitudes e formas de pensar pessimistas e provocadoras, anárquicas e conservadoras.
Na pós-modernidade, o sistemático cede lugar ao fragmentário, o homogéneo ao plural, a teoria ao experimental. A razão delira, fantasia-se de cínica, baila ao ritmo dos jogos de linguagem. Nesse mar revolto, muitos se apegam às “irracionalidades” do passado, à religiosidade sem teologia, à xenofobia, ao consumismo desenfreado, às emoções sem perspectivas.
Para os pós-modernos, a história findou, o lazer reduz-se ao hedonismo, a filosofia a um conjunto de perguntas sem respostas. O que importa é a novidade. Já não se percebe a distinção entre urgente e importante, acidental e essencial, valores e oportunidades, efémero e permanente.
A estética faz-se esteticismo; importa o adorno, a moldura, e não a profundidade ou o conteúdo. O pós-moderno é refém da exteriorização e dos estereótipos. Para ele, o agora é mais importante que o depois.
Para o pós-moderno, a razão vira racionalização, já não há pensamento crítico; ele prefere, neste mundo conflitivo, ser espectador e não protagonista, observador e não participante, público e não actor.
O pós-moderno duvida de tudo. É cartesianamente ortodoxo. Por isso não crê em algo ou em alguém. Distancia-se da razão crítica, criticando-a. Como a serpente Uroboros, ele morde a própria cauda. E refugia-se no individualismo narcísico. Basta-se a si mesmo, indiferente à dimensão social da existência.
O pós-moderno tudo desconstrói. Os seus postulados são ambíguos, desprovidos de raízes, invertebrados, sensitivos e apáticos. Ao jornalismo, prefere o shownalismo.
O discurso pós-moderno é labiríntico, descarta paradigmas e grandes narrativas, e em sua bagagem cultural coloca no mesmo patamar Portinari e Felipe Massa; Guimarães Rosa e Paulo Coelho; Chico Buarque e Zeca Pagodinho.
O pós-modernismo não tem memória, abomina o ritual, o litúrgico, o mistério. Como considera toda paixão inútil, nem ri nem chora. Não há amor, há empatias. Sua visão de mundo deriva de cada subjetividade.
A ética da pós-modernidade detesta princípios universais. É a ética de ocasião, oportunidade, conveniência. Camaleónica, adapta-se a cada situação.
A pós-modernidade transforma a realidade em ficção e remete-nos à caverna de Platão, onde nossas sombras têm mais importância que o nosso ser, e as nossas imagens que a existência real. |
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Frei Betto (2)
Eu, Mercado, peço desculpas
Estou gravemente enfermo. Gostaria de manifestar publicamente as minhas desculpas a todos que confiaram cegamente em mim. Acreditaram no meu suposto poder de multiplicar fortunas. Depositaram nas minhas mãos o fruto de anos de trabalho, de economias familiares, o capital dos seus empreendimentos.
Peço desculpas a quem assiste às suas economias evaporarem pelas chaminés virtuais das Bolsas de Valores, bem como àqueles que se encontram asfixiados pela inadimplência, os juros altos, a escassez de crédito, a proximidade da recessão.
Sei que nas últimas décadas extrapolei os meus próprios limites. Arvorei-me em rei Midas, criei em torno de mim uma legião de devotos, como se eu tivesse poderes divinos. Os meus apóstolos – os economistas neoliberais – saíram pelo mundo a apregoar que a saúde financeira dos países estaria tanto melhor quanto mais eles se ajoelhassem aos meus pés.
Fiz governos e opinião pública acreditarem que o meu êxito seria proporcional à minha liberdade. Desatei-me das amarras da produção e do Estado, das leis e da moralidade. Reduzi todos os valores ao casino global das Bolsas, transformei o crédito em produto de consumo, convenci parcela significativa da humanidade de que eu seria capaz de operar o milagre de fazer brotar dinheiro do próprio dinheiro, sem o lastro de bens e serviços.
Abracei a fé de que, frente às turbulências, eu seria capaz de me auto-regular, como ocorria à natureza antes de ter seu equilíbrio afectado pela acção predatória da chamada civilização. Tornei-me omnipotente, supus-me omnisciente, impus-me ao planeta como omnipresente. Globalizei-me.
Passei a jamais fechar os olhos. Se a Bolsa de Tóquio silenciava à noite, lá estava eu, eufórico, na de São Paulo; se a de Nova York encerrava em baixa, eu me recompensava com a alta de Londres. O meu pregão em Wall Street fez de sua abertura uma liturgia televisionada para todo o orbe terrestre. Transformei-me na cornucópia de cuja boca muitos acreditavam que haveria sempre de jorrar riqueza fácil, imediata, abundante.
Peço desculpas por ter enganado a tantos em tão pouco tempo; em especial aos economistas que muito se esforçaram para tentar imunizar-me das influências do Estado. Sei que, agora, suas teorias derretem como suas acções, e o estado de depressão em que vivem se compara ao dos bancos e das grandes empresas.
Peço desculpas por induzir multidões a acolher, como santificadas, as palavras de meu sumo pontífice Alan Greenspan, que ocupou a sé financeira durante dezanove anos. Admito ter ele incorrido no pecado mortal de manter os juros baixos, inferiores ao índice da inflação, por longo período.
Assim, estimulou milhões de norteamericanos à busca de realizarem o sonho da casa própria. Obtiveram créditos, compraram imóveis e, devido ao aumento da demanda, elevei os preços e pressionei a inflação. Para contê-la, o governo subiu os juros... e a inadimplência se multiplicou como uma peste, minando a suposta solidez do sistema bancário.
Sofri um colapso. Os paradigmas que me sustentavam foram engolidos pela imprevisibilidade do buraco negro da falta de crédito. A fonte secou.
Com as sandálias da humildade nos pés, rogo ao Estado que me proteja de uma morte vergonhosa. Não posso suportar a ideia de que eu, e não uma revolução de esquerda, sou o único responsável pela progressiva estatização do sistema financeiro. Não posso imaginar-me tutelado pelos governos, como nos países socialistas.
Logo agora que os Bancos Centrais, uma instituição pública, ganhavam autonomia em relação aos governos que os criaram e tomavam assento na ceia de meus cardeais, o que vejo? Desmorona toda a cantilena de que fora de mim não há salvação.
Peço desculpas antecipadas pela quebradeira que se desencadeará neste mundo globalizado. Adeus ao crédito consignado! Os juros subirão na proporção da insegurança generalizada.
Fechadas as torneiras do crédito, o consumidor se armará de cautelas e as empresas padecerão a sede de capital; obrigadas a reduzir a produção, farão o mesmo com o número de trabalhadores. Países exportadores, como o Brasil, verão menos clientes do outro lado do balcão; portanto, trarão menos dinheiro para dentro de seu caixa e precisarão repensar suas políticas económicas.
Peço desculpas aos contribuintes dos países ricos que vêem os seus impostos servirem de bóia de salvamento de bancos e financeiras, fortuna que deveria ser aplicada em direitos sociais, preservação ambiental e cultura.
Eu, o mercado, peço desculpas por haver cometido tantos pecados e, agora, transferir a vocês o ônus da penitência. Sei que sou cínico, perverso, ganancioso. Só me resta suplicar para que o Estado tenha piedade de mim.
Não ouso pedir perdão a Deus, cujo lugar almejei ocupar. Suponho que, a esta hora, Ele me olha lá de cima com aquele mesmo sorriso irónico com que presenciou a derrocada da torre de Babel. |
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L. Boff
Teólogo
Crise de Humanidade
A crise económico-financeira, previsível e inevitável, remete a uma crise mais profunda. Trata-se de uma crise de humanidade. Faltaram traços de humanidade mínimos no projecto neoliberal e na economia de mercado, sem os quais nenhuma instituição, a médio e longo prazo, se aguenta de pé: a confiança e a verdade.
A economia pressupõe a confiança de que os impulsos electrónicos que movem os papéis e os contratos tenham lastro e não seja mera matéria virtual, portanto, fictícia. Pressupõe, outro sim, a verdade de que os procedimentos se façam segundo regras observadas por todos.
Ocorre que no neoliberalismo e nos mercados, especialmente a partir da era Thatcher e Reagan, predominou a financeirização dos capitais. O capital financeiro-especulativo é da ordem de 167 triliões de dólares, enquanto o capital real, empregado nos processos produtivos (por volta de 48 triliões de dólares anuais).
Aquele delirava na especulação das bolsas, dinheiro fazendo dinheiro, sem controlo, apenas regido pela voracidade do mercado. Por sua natureza, a especulação comporta sempre alto risco e vem submetida a desvios sistémicos: à ganância de mais e mais ganhar, por todos os meios possíveis.
Os gigantes de Wall Street eram tão poderosos que impediam qualquer controlo, seguindo apenas as suas próprias regulamentações.
Eles contavam com as informações antecipadas (Insider Information), manipulavam-nas, divulgavam boatos nos mercados, induziam-nos a falsas apostas e tiravam daí grandes lucros. Basta ler o livro do mega-especulador George Soros A crise do capitalismo, para constatá-lo, pois ai conta em detalhe, estas manobras, que destroem a confiança e a verdade. Ambas eram sacrificadas sistematicamente em função da ganância dos especuladores.
Tal sistema tinha que um dia ruir, por ser falso e perverso, o que de facto ocorreu.
A estratégia inicial norte-americana era injectar tanto dinheiro nos “ganhadores” (winners) para que a lógica continuasse a funcionar sem pagar nada pelos seus erros. Seria prolongar a agonia.
Os europeus, recordando-se dos resquícios do humanismo das Luzes que ainda sobraram, tiveram mais sabedoria. Denunciaram a falsidade, puseram a campo o Estado como instância salvadora e reguladora e, em geral, como actor económico directo na construção na infra-estrutura e nos campos sensíveis da economia.
Agora não se trata de re-fundar o neoliberalismo, mas de inaugurar outra arquitectura económica sobre bases não fictícias. Isto quer dizer, a economia deve ser capítulo da política (a tese clássica de Marx), não ao serviço da especulação, mas da produção e da adequada acumulação. E a política se regerá por critérios éticos de transparência, de equidade, de justa média, de controlo democrático e com especial cuidado para com as condições ecológicas que permitem a continuidade do projecto planetário humano.
Por que a crise actual é crise de humanidade? Porque nela subjaz um conceito empobrecido de ser humano que só considera um lado dele, seu lado de ego. O ser humano é habitado por duas forças cósmicas: uma de auto-afirmação, sem a qual ele desaparece. Aqui predomina o ego e a competição. A outra é de integração num todo maior sem o qual também desaparece. Aqui prevalece o nós e a cooperação. A vida só se desenvolve saudavelmente na medida em que se equilibram o ego com o nós, a competição com a cooperação.
Dando rédeas só à competição do ego, anulando a cooperação, nascem as distorções que assistimos, levando à crise actual. Contrariamente, dando espaço apenas a nós sem o ego, gerou-se o socialismo despersonalizante e a ruína que provocou.
Erros desta gravidade, nas condições actuais de interdependência de todos com todos, podem-nos liquidar. Como nunca antes, temos que nos orientar por um conceito adequado e integrador do ser humano: por um lado, individual-pessoal com direitos; e por outro, social-comunitário com limites e deveres. Caso contrário, nos atolaremos sempre nas crises que serão menos económico-financeiras e mais crises de humanidade. |
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OUTRAS CARTAS
Quero dar-te boas notícias
Querido padre Mário! Antes de mais nada, quero dar-te boas notícias:
1º) Escrevo para te dizer de como tuas últimas crónicas teológicas têm sido muito bem aproveitadas aqui pelo Brasil. Teu site (www.padremariodemacieira.com.sapo.pt) tem sido muito divulgado. Eu mesmo sempre vou mandando este endereço para uma lista de mais de trezentas pessoas semanalmente. E o resultado é a formação de um grupo de estudos mensais para discutirmos Teologia da Libertação, á luz das questões que colocas. No último encontro (já foram dois) estiveram presentes 50 pessoas. Eram líderes comunitários, agentes de pastoral e padres que ficaram maravilhados com a vitalidade teológica e política de teu Pensamento. A cada encontro (mesmo que não o saibas) nos unimos a ti no estudo, na reflexão e sobretudo no combate.
2º) Deram-nos um xeque-mate em nossa paróquia. Ou nos conformávamos a uma pastoral inofensiva ou seríamos barrados das reuniões de nossa paróquia central. Optamos pelo enfrentamento carinhoso, mas combativo. Não arredamos pé das reuniões. Nos posicionamos. Exigimos revisão pastoral dos métodos eclesiásticos. E lutamos.
Agora a briga é por uma nova concepção de catequese. E de Eucaristia. E quer saber de uma coisa? Estamos conseguindo muitos frutos... Quer ver um? Uma criança da catequese, de uma de nossas comunidades, nos emocionou a todos: ela não queria que a mãe comprasse um vestido branco para a primeira comunhão. E pediu o dinheiro. A mãe lhe deu, pensando que fosse guardá-lo... Sabe o que a menina fez? Deu para a senhora idosa vizinha, para que esta comprasse o remédio de que tanto precisava... Perguntada porque tinha feito isso, ela respondeu que havia aprendido comigo (seu catequista) que a verdadeira eucaristia era a partilha da nossa vida com os outros... Entâo, ela percebeu que o vestido branco de nada serviria, mas que o remédio seria muito mais importante... Essa menina fez ali sua primeira Eucaristia. E me emocionou profundamente. Resultado: já não precisou participar do ritual da primeira Comunhão. A menina já comunga connosco em nossas reuniões... E foi uma lição para todos nós.
3) Ainda outro exemplo. Em uma de nossas capelas, uma senhora de posses doou um crucifixo de ouro. Mas não para que colocássemos na capela. Até porque não aceitaríamos. Ela ouviu atentamente a leitura de parte de O Outro Evangelho Segundo Jesus Cristo, de tua autoria e percebeu que aquele crucifixo de nada serviria. A não ser para ser vendido e o dinheiro doado ao centro de defesa dos direitos humanos, para pagamento dos advogados que defendem os pobres injustiçados. Ela se converteu aos pobres. E disse que havia entendido o significado de sermos como Jesus. Ou, como dizes, ela passou da fé em Jesus para a fé de Jesus
4) E é assim como eu mesmo me sinto. A cada dia que passa, sinto-me mais livre, pois percebo que estou vivendo a fé de Jesus na construção de uma sociedade politizada. Pude compreender, inclusive, que a morte de Jesus só aconteceu, quando ele se colocou inteiramente livre. Também ele aprendeu a ser livre : percebeu que a liberdade é uma construção que só se realiza quando deixamos de lado a idolatria do poder e nos colocamos maieuticamente em escuta das dores dos outros, dos pobres e excluídos.
E, por último, em nome de nossas comunidades e em meu nome próprio, só nos resta agradecer pela tua coragem libertadora. Teus textos nos fizeram ser mais gente, mais humanos, mais Jesuânicos. Mais aderentes á fé de Jesus. Deixamos a dependência de uma fé em alguém, para aderirmos a fé de Jesus! Obrigado! Muito obrigado! Um abraço na fé jesuânica
Meu Companheiro e Irmão Marcelo
A tua mensagem é toda Evangelho, Boa Nova, a de Deus, o de Jesus. Os testemunhos que partilhas são ACTOS, como os relatados por Lucas, no segundo volume da sua obra, mais conhecido por esse nome. São testemunhos que me (nos) edificam. Por isso, vou partilhá-los no Correio Aberto não-confidencial, para que levantem caídos e mobilizem deprimidos por tanto Religioso que por aí se faz só para fabricar sub-mulheres, sub-homens, abortos de mulher, abortos de homem. Esquecemos que só na Insurreição Desarmada é que somos. Enquanto não chegamos a essa dimensão humana, somos capachos, necessitados de Religioso a rodos. A Fé de Jesus não vai por aí, como bem sabes e bem testemunha mais este teu mail. A Fé de Jesus é a Plenitude do Humano e quem chega lá dispensa todo o Religioso e afirma-se de Insurreição em Insurreição, feitas de Práticas Políticas e Económicas Maiêuticas como as dele. Até que os do Poder, impotentes para fazerem frente a tanta Fragilidade Desarmada, perdem a cabeça e matam-no. No género de morte mais ignominioso que tiverem à mão, hoje, o incruento do desprezo e do ostracismo totais.
Fico feliz e em EUCARISTIA com mais este teu mail. É já assim que sempre vivo cada dia. Mas este teu testemunho sobre o que o Espírito faz acontecer, a partir de certas crónicas teológicas com que se tece o meu DIÁRIO ABERTO na net, ou a partir de algum dos meus livros chegados ao Brasil, deixa-me ainda mais feliz e ainda em mais EUCARISTIA. Na minha fragilidade desarmada, o Espírito de Deus Abbá, Nossa Mãe / Nosso Pai, manifesta-se na abundância dos seus dons e os frutos são os que tão eloquentemente aqui me relatas. Cantemos e dancemos juntos, que o Oceano nos une, tal como o Espírito de Jesus.
Abraço-te, companheiro e irmão. E, em ti, abraço todas essas Comunidades que dinamizas em nome de Jesus e que tanto te alimentam e me alimentam. Teu / Vosso, Mário
E-mail. Érico: Boa noite, o meu nome é Érico e tenho 36 anos. Obtive o seu livro, Quando a Fé Move Montanhas, há uns 3 meses, e só agora é que terminei a sua leitura. Escrevo-lhe para dizer que li e reli e não percebi ainda a parábola do juízo final, Mateus 25,31-46, onde o padre Mário diz, e não Jesus, Vinde, também os da esquerda. Do que eu li do livro todo e muito tempo demorei, é que o padre Mário põe palavras na boca dos discípulos de Jesus. Reparei ainda que o padre Mário distorce o Novo Testamento todo; em que pé é que ficamos? Obrigado.
R.
E eu a pensar que o Érico me escrevia para se alegrar comigo e com a Boa Notícia ou Boa Nova que leu no meu livro, a propósito dessa parábola atribuída a Jesus pelo Evangelho de Mateus. E o Érico, em vez disso, escreve para me “desancar”. Até parece que, se Deus não for um pouco assim como eu digo nessa resposta que dei, o Érico fica muito perturbado / zangado com Ele. Será que é tão sado-masoquista (desculpe esta pergunta, mas tenho de lha fazer), que só gosta de Deus, se Ele condenar a maioria da Humanidade, ou toda a Humanidade ao "fogo eterno do inferno"?! E quem lhe garante, se as coisas fossem assim como se diz na parábola, que o Érico não faria parte desse número dos que, nesse momento, estariam à esquerda de Jesus?
As palavras que escrevi e escrevo no livro não são de Jesus? São apenas minhas? Mas o Érico ainda acha que as palavras dessa parábola mateana (só ele é que a apresenta!) foram ditas tal e qual por Jesus? Já havia gravadores na altura para gravar?! Os 4 Evangelhos canónicos não são, basicamente, uma criação das Comunidades? Como explicaria então a abissal diferença entre os três Sinópticos e o Evangelho de João? A força e o valor dos 4 Evangelhos não vêm do facto de as comunidades terem conseguido estar tão-no-Espírito-e-com-o-Espírito de Jesus, que o fazem dizer, anos depois da sua Morte Ressuscitada, aquelas palavras que os respectivos destinatários deles mais precisavam de ouvir, nessa altura, para serem outros Jesus? E não é esta Missão Maior que as Igrejas todas estão desafiadas a fazer, também as Igrejas deste nosso século XXI? Elas não o fazem? Limitam-se apenas a repetir aqueles textos das comunidades do século I? Problema delas. Não me condene a mim, por tentar fazê-lo. Na fidelidade ao mesmo Espírito de Jesus, obviamente.
Em que ficamos então? Por mim, prefiro ir por esta via, a da fidelidade ao mesmo Espírito de Jesus, em vez de continuar a fazer das palavras do Novo Testamento mera letra sem Espírito, uma espécie de objecto de museu, um ídolo, no fim de contas. E nunca se esqueça que a letra mata, só o Espírito é que vivifica. É claro que o Érico seguirá a via que entender. Experimente, ainda assim, ir pela via do mesmo Espírito de Jesus. De contrário, arrisca-se a ficar só com a letra do NT. E ela, sem o Espírito, acabará por o matar, pelo menos, por o não deixar crescer em SER e em LIBERDADE. Que me diz?
O meu abraço, Mário |
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PÁGINAS CENTRAIS
DOCUMENTO
A intervenção da teóloga do Brasil, Nancy Cardoso Pereira (não conhecem, pois não?!...)
que tirou do sério o XXVIII Congresso de Teologia de Madrid e a Teologia (ou Idolatria?!)
que se ensina nas Universidades católicas do Ocidente
Contribuições das lutas de libertação da AL para o Cristianismo
"...porque [o Cristianismo] me matou tão mal e eu continuei a cantar!"
1. Por que tinha eu, por fim, de ser cristão?
Para me organizar para esta conversa com vocês fui reler meus livros mais queridos... revisitei minha biblioteca, procurando vozes do passado que gostaria que me ajudassem a iniciar a reflexão sobre “contribuições do cristianismo libertador na América Latina”. Não queria os textos óbvios! Queria os textos difíceis, porque este é um tema que precisa ser complicado, fugir das respostas acomodadas e simples. Fui buscar textos em que a teologia da libertação pergunta pelo cristianismo na América Latina, sem respostas prontas... sem truques epistémicos ou genealogias domesticadas.
Encontrei o texto de Raúl Vidales de 1982: Volveré... y seré millones [Hei-de regressar e serei milhões], editado por CELADEC – Comissão Evangélica Lationamericana de Educação Cristã. O título do livro recupera a expressão atribuída a Tupac Katari, liderança indígena na luta contra a violência colonial.
Raul Vidales apresenta uma reflexão sobre O sujeito histórico da Teologia da Libertação e abre o debate com Enrique Dussel, Hugo Asmmann, Jurgen Moltmann, Luis Rivera Pagan e outros (num tempo em que nós, as teólogas, ainda não existiamos, eles diriam!). As perguntas e os debates são extremamente honestos, quase severos, difíceis. Nada fica intacto! Tudo pode ser criticado!
Dussel dispara: Se a teologia parte da teologia, então eu pego no Worterbuch, de Kittel. Se a teologia parte da comunidade cristã, então eu parto da história da Igreja. Mas se a teologia quiser partir da realidade concreta, da acção dessas maiorias oprimidas, o problema é muito mais complexo e exige uma precisão categorial maior também.
Moltmann pergunta: Por que tinha eu, por fim, de ser cirstão? Se começo por este método, não vejo razão de me fazer cristão.
Responde o jovem Hugo Assmann: Aqui, torno-me materialista. Trata-se da última instância material da vida real. Nem Marx, nem eu, jamais dissemos outra coisa: a vida, a produção da vida real, a reprodução da vida real, a reprodução das condições da vida real. A consciência é material.O funcionamento de tudo o que implica a capacidade da alegria, a capacidade de pensar, a capacidade real de apreciar a beleza, tudo isso é material, porque se inscreve no ser material dos seres humanos. Essa última instância da vida para mim… não pode ser contestada sem a intromissão de uma transcedentalidade no seio da vida real… no encontro entre o materialismo hístórico e os requesitos mais originais da tradição judeo-cristã.
Mesmo sabendo que o último Assmann denunciou as falsas fidelidades à TdL como esclerose e rotinização e a presença de temas sociais nos discursos oficiais das igrejas e dos teólogos, como clara tendência de autoconservação e um fechar-se sobre si mismas...,a afirmação de fé projecta-se até nós hoje: a vida! A vida!
Dussel vai insistir na realidade concreta de acção das maiorias: a vida! A vida!
O tema desta conversa então precisa de ser alterado... porque eu escolho um lugar de significado, eu situo-me numa tradição de fé e teoria: não vou partir da teologia mesmo... nem da história da igreja. Materialista, eu também, vou pensar o cristianismo na América Latina a partir da vida, da realidade... da luta de classes e das intromissões de alegria e de beleza. Assim, a vida dos pobres: homens e mulheres.
Não posso oferecer então, como me propuseram, “as contribuições do cristianismo libertador para América Latina”. Este não pode ser o meu ponto de partida, nem o meu ponto de chegada... Ao invés, quero sugerir este outro:
2. As contribuições das libertações latinoamericanas para o cristianismo.
Como religião imposta, o cristianismo não tem contribuição positiva. Não há maneira de mudar esta avaliação sem comprometer os dados e as interpretações da história já conhecida por todos/as. Volto à pergunta de Moltmann:
Por que tinha eu, por fim, de ser cristão? Se começo por este método, não encontro razão de me fazerr cristão.
O cristianismo deixa de ser religião imposta, quando finalmente olha nos olhos do continente, nas muitas caras de muitos povos... quando aceita ser uma religião entre outras, uma possibilidade salvadora entre outras. Assim... o cristianismo pode deixar de ser religião imposta para ser religião acolhida, apropriação popular marcada pelo sincretismo.
Estas são as contribuições das lutas de libertação na América Latina (AL) para o cristianismo:
* viabilizar o sincretismo e
* radicalizar a alteridade da encarnação
* ampliar criticamente a noção de sujeito.
Estas contribuições devem necessariamente ser entendidas dentro do quadro do conflito, da luta de classes, dramática na AL. Significa dizer que sectores hegemónicos do cristianismo continuam comprometidos com as elites capitalistas do continente e seus interesses globalizados. Neste sentido reafirmo a Teologia da Libertação (TdL) e suas variações e reinvenções como expressão deste cristianismo que se deixa evangelizar pelos pobres, como retomada vital da encarnação, que entre nós chamamos Jesus.
2. 1. ...porque me matou tão mal e eu continuei a cantar!
A nossa possibilidade de reinvenção e superação do cristianismo das elites está na história precária da evangelização na AL: fomos sub-evangelizados, mal-evangelizados, semi-evangelizados. A pressa, a violência e a cobiça inviabilizaram qualquer alteridade, tornando a imposição da religião uma realidade superficial e contraditória.
Como na canção de Mercedes Sosa [aqui a teóloga cantou mesmo com a voz e todo o corpo]: Dou graças à desgraça e à mão com o punhal, porque me matou tão mal
Além da ineficiência da evangelização, a resistência activa e passiva dos povos nativos e africanos escravizados, os mais de 500 anos de persistência cultural e política criaram as condições reais de sobrevivência, de capacidade de gerar processos de autonomia e de enfrentamento do poder imposto. A sub-evangelização deixou lacunas; a má-evangelização produziu uma religião mínima - ou religião popular - latino-americana atravessada de ambiguidades que foram reinterpretadas e re-apropriadas pelos pobres – em sua pluralidade.
O resultado foi um cristianismo selvagem, sincrético, indisciplinado, híbrido... ambíguo. “Ambiguidade” pode ser genericamente definida como: A qualidade de ter mais de um significado. A compreensão acerca da “ambiguidade” no contexto da linguística contemporânea fez com que a ambiguidade passasse a ser tratada como “disjunção”, “problema de recepção”, “problema linguístico” ou “estratégia discursiva”... logo um problema a ser superado. Mas, por exemplo, na poesia e no humor, a ambiguidade é considerada parte essencial do mecanismo discursivo e não uma indeterminação.
Onde a linguagem e a literatura se encontram com a história, a ambiguidade pode aparecer como resistência, escapando do ordenamento funcionalista que vê a linguagem unicamente como instrumento de comunicação subordinado. Ambiguidade não é falha, defeito, carência de um sentido que seria rigoroso se fosse unívoco. Ambiguidade é a forma de existência dos objectos, da percepção e da cultura, percepção e cultura, sendo elas também ambíguas, constituídas não de elementos ou de partes separáveis, mas de dimensões simultâneas que, como dizia ainda Merleau-Ponty, somente serão alcançadas por uma racionalidade alargada, para além do intelectualismo e do empirismo.
A demarcação entre popular e oficial, centro e periferia é inadequada e insuficiente para se entender a situação. As práticas religiosas co-existem, competem, derivam-se e influenciam-se sem que se possa reduzir a um mesmo denominador esta ou aquela prática.
A visão dicotómica entre religião popular e religião oficial, mesmo quando trata de valorizar e se identificar com o que é chamado de popular, acaba obstaculizando o trabalho de reconstrução, uma vez que continua trabalhando com uma percepção de religião como uma entidade monolítica, imutável. O mais apropriado seria identificar o carácter dialéctico, inter-relacional e multidirecional do fenómeno religioso.
Algumas pesquisas vão preferir tratar a delimitação do popular evitando a discussão clássica de ideologia e poder, criando critérios menos conflitivos como folclore, religião familiar, religião comunitária. Tal evitamento cria aparentemente condições para se trabalhar com rituais ligados a questões quotidianas e mais próximas dos segmentos sociais mais distanciados dos aparelhos institucionais do poder e da religião como: nascimento, crianças, festas e peregrinações, ritos funerais, rituais ligados à comida, inaugurações de casa, colheitas, calendários sagrados, adivinhações, magia, encantamentos e, talvez, sacrifício de crianças.
Esta perspectiva, entretanto, incorre num labirinto analítico, uma vez que evitando-se a discussão sobre o poder anulam-se as condições materiais de produção e reprodução de bens simbólicos. Religião popular não pode ser definida por elementos de aparente e suposto isolamento do aparato oficial de poder e religião. De modo especial, tal caracterização acaba idealizando certas práticas rituais, isolando-as num suposto âmbito desprovido de relações de poder e, pela contramão, enfraquecendo o potencial e os elementos de resistência e de contra-poder dos segmentos sociais envolvidos.
São elementos, lugares e presenças de uma religião mágica das massas que convivem e se contrapõem a um esquema de religião burocrático das elites. Seriam fragmentos de uma religião anónima, religião mínima. Estrato e resíduo de uma religiosidade que não desaparece, apesar das pressões centralizadoras e repressoras dos agentes e agências oficiais, senhores decisores da divindade que deve ser cultuada.
O mesmo Raul Vidales, alargando a discussão sobre o sujeito histórico revolucionário na AL, já apontava que:
Dentro da rebeldia possível dos índios, joga um papel importantíssimo a sua vontade, simbolizada em mitos, crenças, tradições. Neles, expressa-se a consciência colectiva de retorno e da acumulação de forças para a reconstrução orgânica da sua sociedade, da sua identidade, da sua história.
A continuidade dos assim chamados “povos profundos” e sua capacidade de resistência expressam-se nas lutas de libertação e de reinvenção da capacidade de produção e reprodução da vida material (voltando ao jovem Assmann): na linguagem, na quotidianeidade, nas formas de organização social e do trabalho, nas festas, nos rituais e de modo muito especial nas lutas pela terra e a luta na terra.
A questão da terra e do povo da terra são os pontos cruciais de avaliação de políticas e teologias... porque são os lugares de avaliação dos instrumentos de interpretação, das mediações políticas, das formas de organização e das qualidades de poder.
“O capital mundializou-se, mundializou seu território. Produziu, construiu, transformou seu território. E qual foi o resultado desse processo? Uma pequena parte da humanidade apropriou-se, de forma privada, do mundo. O território capitalista confiscado historicamente no processo de sua construção agora é contestado. As lutas dos Sem-Terra são marcas visíveis dessa contestação. E, mais do que isso, pequenas parcelas estão sendo retomadas pelos Sem-Terra. Nelas estão semeando a utopia, reencontrando sua identidade e a tornar-se cidadãos”. (FERNANDES, Bernardo Mançano. MST, Formação e Territorialização. São Paulo: Hucitec, 1996).
O MST (ou qualquer outro movimento sócio-territorial) pode ser compreendido fora do processo de reorganização anti-capitalista em curso no mundo, o que nos obriga a pensar o específico de cada lugar e de cada questão específica no contexto das transformações mundializadas e da complexa luta de classes internacional.
“Povos profundos” aqui devem ser entendidos então não só como os povos nativos/indígenas e africanos, como também o campesinato pobre expulso da Europa e refém do mesmo modelo de exploração e violência. Os processos de luta pela terra na AL – entendido como território, como espaço e como modo de vida – têm sido as expressões de luta de libertação mais significativas em nossa história.
São estes “povos profundos” que buscam formas de organização e de disputa que explicam o momento actual da AL de aprofundamento do capitalismo internacional, por um lado (expressão dos interesses das elites burguesas e seus compromissos com o capitalismo globalizado) e as alternativas políticas de poder que atravessam o continente, tanto como expressão nacional (Bolívia, Venezuela, Paraguai), como de dissenso político significativo com os Zapatistas no México, a luta dos Mapuches no Chile, o MST no Brasil, entre outros.
Nas palavras de Bonfill Batalla (Utopia y Revolución - el pensamiento político contemporáneo de los indios em AL, México, Nueva Imagem, 1981), a luta pela identidade étnica, a luta pelo direito de ter formas de vida diferentes das impostas pelo capitalismo não pode separar-se da luta de classes e dos processos de libertação.
Esta não é uma conclusão fácil nem uma utopia apressada. Este é o momento actual das lutas de libertação na AL: processos plurais e contraditórios que redefinem estratégias e tácticas, recompõem as formas de organização popular e de luta, em especial em relação à terra, ao território e às formas de produção e reprodução da vida material e simbólica.
Em alguns momentos na história dos 500 e poucos anos, o cristianismo soube dialogar e aprender destes “povos profundos” e seus processos de resistência e luta. Os exemplos de teologias episódicas e isoladas em defesa de indígenas ou pobres mais reforçam a incapacidade do cristianismo hegemónico. Em minha avaliação, foi a TdL que conseguiu explicitar de modo evidente e necessário o conflito de classes dentro do próprio cristianismo, criando as condições para um cristianismo libertador na AL. Mas tal explicitação não surgiu da teologia mesmo, nem como expressão natural da história da Igreja... foi um processo doloroso e conflitivo (ainda em curso!), fruto da espiritualidade do compromisso de cristãos – homens e mulheres – e de comunidades cristãs que se reconheceram e se organizaram nas lutas de libertação. Momento primeiro: a vida!
“Graças a Deus, choveu no sertão. Graças a Deus, o milho brotou. Graças a Deus, o gado não morreu. Graças a Deus, estou curada. Deus, como chuva, milho, gado vivendo, cura... Deus, como esmola, ajuda, pão. Deus, como pedindo em mim, pedinte nos outros (as). Deus, como comida. Deus, como carência, sem omnipotência nem ciência.... Deus, como trabalho, casa, companheiro... quebra minha solidão, grita comigo, suspira comigo, busca comigo.” (Ivone Gebara)
2. 2. Da desimportância do cristianismo: viva o cristianismo vivo!
A idéia de um continente consensualmente cristão já não resiste a um teste de opinião pública. Somos um continente com pluralidade religiosa. Costumávamos falar da África, da Ásia, como continentes com diversidade de religiões e por isso mesmo marcados por conflitos.
Nós, latino-americanos, não! De certo modo orgulhávamo-nos do nosso cristianismo. A emergência de movimentos de libertação, étnicos e de mulheres ao lado das organizações populares e a tentativa de recuperar a história, a partir dos pobres, de fazer teologia, a partir e com os pobres...revelou um continente atravessado por religiões, deuses e deusas.
Esta descoberta tem trazido desafios enormes para o cristianismo-já-não-tão-hegemónico: uns querem resolver esta contradição com um pedido apressado de desculpa e uma rápida justaposição de religiosidades e divindades, dizendo...é tudo a mesma coisa! Deus é um só! Incorpora-se na liturgia e na pastoral das igrejas um ou outro elemento de outros cultos e divindades, fazem-se ajustes e recauchutagens teológicas...tudo rápido e simples num proselitismo disfarçado de ecumenismo Na pressa, acabam reforçando os esquemas de dominação e de exclusão. Roubam os cultos e os deuses e deusas dos outros/outras...para que fiquem, obedientes e contentes, dentro dos limites impostos pelo cristianismo. Muitos chamam isso de inculturação.
Outra possibilidade tem sido a de tratar da religião dos outros/outras, como tema de estudo, exotismo a ser explorado, vídeo a ser feito, terreiro a ser visitado, conferência a ser feita, livro a ser publicado...num exercício de tolerância que, reduzindo a fé-do-outro/a em coisa, foge-se do enfrentamento e crítica do suposto lugar de consenso e liderança que o cristianismo goza nas sociedades latino-americanas. Reduzidos a tese de doutorado, os deuses e deusas do continente continuam encurralados por este olhar aparentemente displicente e desapaixonado, mas que, a partir da objectividade científica, continua servindo os interesses de um cristianismo que come na mesa do poder.
Difícil tem sido aprender que somos uma religião entre outras, que nosso Deus é único, só dentro de nossas tradições, igrejas e credos, mas tem que conviver com outras divindades no dia-a-dia da vida dos povos pobres do continente latino-americano. Difícil tem sido perder a pose de monoteísmo esclarecido, de ecumenismo compreensivo para aprender a conversar e conviver de igual para igual com o sagrado plural.
3. Da saúde da
Teologia da Libertação
Com este deslocamento, quero manter o exercício de fé e teoria, mantendo a fidelidade à vida como intromissão, momento primeiro da teologia. Com este deslocamento, também gostaria de responder e reagir à pergunta insistente sobre a saúde da TdL: “acabou, morreu, esfacelou-se, perdeu coerência, perdeu-se, está enfraquecida, depois da queda do muro, antes da volta de Cristo, o método simplista, o sujeito insuficiente, o projecto inviável, a noção sem noção de estrutura social e: Já morreu! Quem sabe dorme! Enfraqueceu! Perdeu coerência! Bonitinha, mas ordinária.”
Quem pergunta? Um amigo/amiga distante? Um amante saudoso? Quem pergunta? Alguém interessado em transformar a TdL num parque temático? Num museu de exóticas figuras? Quem pergunta? A teologia burguesa apressada em declarar a TdL como episódio particular de uma teologia selvagem e sem futuro?
Ai! valei-me, meu materialismo histórico! Luta de classes, rogai por nós!
Perguntam, querendo exactidões e pensamento sistemático e complexo. Querem uma teologia profunda, reconhecida pelas tramas da universidade, com densidade científica, com reconhecimento de celebridades... Pois... contra a teologia dita profunda... só temos esta vertigem das lutas de classe do continente, o corpo pessoal e social atravessado de dores e de prazeres, estas formas rascunhadas de organização, de contradição e de dignidade.
Dizer de uma história, uma panorâmica da Teologia da Libertação não pode ser um projecto dominado por uma temporalidade ordenada, linear, tratando de alinhavar bem sucedidas prosas teológicas. Não! não será pela lista pródiga de livros e escritos, nem pelo número de conferências e ouvintes. Não se poderia avaliar a Teologia da Libertação, a partir dos nomes dos seus filhos mais ilustres... Parida na luta de classes dos terríveis anos de chumbo, na América Latina, a história da Teologia da Libertação não pode ser uma montagem selectiva de autores, ideias e escritos.
As teologias de compromisso radical não podem ser transformadas em relíquias que se vendem em suas universidades de elite. Contar da Teologia da Libertação, de concílio em concílio, de bispo em bispo, de documento em documento, de livro em livro, de teólogo em teólogo... seria render-se a uma história triunfalista e autoritária.
A TdL sempre vive de elementos preteridos e esquecidos, faz do lugar dos vencidos seu lugar privilegiado de aprendizagem, escuta e escrita. Impossível estar aí neste lugar da fragilidade e do fracasso imposto pela rapina burguesa e não se deixar contaminar pela vulnerabilidade da opção.
A história não é facto... é problema. Por isso, leia-se a TdL pela contra-mão, por suas escolhas radicais, estreitas e difíceis como a vida dos pobres. Daí a sua debilidade, daí a sua força... a sua resistência, a sua pluralidade e grande liberdade.
A teologia diz de Deus entre os vencidos e o lixo, e entre os vencidos garimpa uma, duas e mais bíblias e lê, lembra e afirma e anuncia os viventes de nítido contorno contracultural - longe de possuir um carácter essencialista - é o homem e a mulher, a comunidade dos viventes que lutam por terra, tecto e trabalho. A teologia, como exercício de antropofagia, como rituais de uma postura cultural crítica capaz de compreender a latino-americanidade como algo dinâmico, construído no movimento dialógico entre diferenças culturais: o local, o nacional e o universal, o interior e o exterior, o eu e o outro, a classe-em-si e a classe-para-si.
A/o teóloga/o entre os viventes é o canibal, um ‘polemista’ (do grego pólemos = luta, combate). A teologia, como linguagem polêmica, de luta, deixa de impor um sentido único, automático e viciado da significação. A teologia da libertação não explica: des-explica! Sem carácter descritivo, não se contenta em estabelecer nexo causal entre isto e aquilo, Deus e o mundo. A teologia atrasa relógios, ataca o mecanismo de permanência e constância e desinstala o tic-tac ininterrupto e participa da criação desse tempo de agora, o momento exacto onde é possível intervir, alterar, destruir, transformar. Como narrativa e ritual, a teologia pode fissurar o tempo e estilhaçar o fluxo vazio do tempo passante do “progressismo” burguês.
E Deus também não pode ser “o grande relógio” a marcar o tempo e a história, como mecanismo fora do tempo e da história. A teologia burguesa de um deus intervencionista e omnipotente funcionou e funciona como normatizador do relato dos vencedores.
O Deus de Jesus, encarnado na história, morre na luta dos pobres e ressuscita na luta dos pobres, não como factor certeza e justiça predestinada, mas como exercício constante de radical solidariedade e amor revolucionário, profunda misericórdia e fidelidade à vida.
Assim não há certezas escatológicas nem especulações metafísicas garantidoras de uma acção divina realizadora da justiça... que confortem teólogos e teologias em suas cátedras “rasas e confortáveis”... parafraseando o mesmo Mariátegui:
“A teologia burguesa se satisfaz com uma crítica racionalista do método, da teoria, da técnica das práticas pastorais... Que incompreensão! A força dos agentes eclesiais de base não reside em sua ciência e sim em sua fé, sua paixão, sua vontade. É uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do Mito. A emoção revolucionária (...) é uma emoção religiosa. As motivações religiosas se deslocaram do céu para a terra. Elas não são divinas, mas humanas e sociais” (Mariátegui, El hombre y el mito, em El Alma Matinal, 1925).
4. A contribuição das lutas feministas para a TdL e para o cristianismo
“...aproximou-se dele uma mulher, trazendo um vaso de alabastro cheio de precioso bálsamo, que lhe derramou sobre a cabeça, estando ele à mesa.” (Mateus 26,7)
“Vendo isto, indignaram-se os discípulos e disseram: Para quê este desperdício? Pois este perfume podia ser vendido por muito dinheiro e dar-se aos pobres.” (Mateus 26, 8 e 9)
Para quem se faz aprendiz das teologias do continente latino-americano, para quem se faz mulher e teóloga gerada e crescida nas lutas dos movimentos de libertação, o gesto de invadir a casa aonde se reúnem os homens e derramar o perfume traduz bem o tanto de desafio e tarefa que vem sendo feito e ainda se tem para fazer.
Nós também não fomos convidadas, nem éramos esperadas neste momento de páscoa-confronto, no qual a Teologia da Libertação se fez e se vai fazendo. Prioridades elencadas, lutas fundamentais identificadas, preferências assumidas, agentes sociais privilegiados alimentam o esforço dos teólogos que se sentam na mesa do continente-leproso. E já é muito que estejam sentados nesta mesa. Aí, entra a mulher e derrama seu perfume.
- Desperdício! gritam os senhores teólogos ciosos de suas prioridades. A mediação é o pobre! Insiste entre irritados e indiferentes, sugerindo que o que chamamos de teologia feminista poderia ter, de alguma forma, revertido na direcção hermeneuticamente e politicamente adequada. Tratam de fazer do cheiro que exalamos um tema a mais, entre outros que se subordinam e se ajustam aos parâmetros da mediação do pobre.
As teologias interrompidas vêm derramando e empregnando a casa, a igreja, as editoras, os institutos, as bibliotecas, os seminários, as gavetas, as assembleias e os concílios? Por que é que ouvimos tantas vezes que a teologia que fazemos é desperdício?!
4. 1. Recusamo-nos continuar a pensar o sagrado a partir dos parâmetros patriarcais e mais que isso, denunciamos a teologia feita até aqui como idolátrica, uma vez que incorpora o macho e seus atributos como extensão do divino. Cheiramos a teologias que já não precisam de fundamentos, mas que na exposição de suas motivações revelam o sagrado, com os muitos nomes que Deus pode ter. A Teologia da Libertação ainda não denunciou suficientemente o que nela mesma é patriarcalismo e fetichismo do macho: nem a nível metodológico nem nos desdobramentos eclesiológicos que ainda asseguram o privilégio masculino ao saber e administração do sagrado.
4. 2. Nossas teologias têm cheiro de corpo. Pedimos aqui que a Teologia da Libertação caminhe uma segunda milha. Já foi feito o caminho de construir a teologia, a partir da realidade e seus conflitos, fazendo-o de modo comprometido, na preferência pelos pobres. As teologias feministas insistem que a mediação sócio-analítica não pode esgotar-se no pobre como generalidade e insiste em apontar o corpo como ponto de mediação hermenêutica. O corpo cheira, é contextualizado, datado, situado. O corpo da classe.
Mais que isto, o corpo da classe é sexuado. Raça, classe e género não são portanto meros apetrechos decorativos da reflexão mas, na interacção com o corte sócio-económico, circunscrevem as condições objectivas e subjectivas aonde a interpretação e a formulação do discurso e prática do sagrado acontecem.
4. 3. Queremos que a casa cheire: a Simão, a casa do povo e a casa dos teólogos e teólogas também. A Teologia da Libertação não sabe ficar em casa. O que tem de novo e de libertador só pode ser exalado nos espaços públicos dos movimentos, das organizações e das entidades. Os teólogos da libertação não têm casa: vivem nos aviões ou em suas malas, entre uma viagem e outra, uma assessoria e outra. Inseridos, não moram. Comprometidos, não convivem. Passam pela casa do povo, da congregação ou da igreja local, como seres especiais que não se prendem ao mundo das necessidades. Nisto se parecem aos teólogos mais tradicionais. Daí que a casa continua sendo espaço vazio de dignidade e o quotidiano despossuído de beleza ou valor. As relações homem-mulher, adulto-criança não contam. A economia da casa, a reprodução e o trabalho doméstico não interferem nas análises sócio-económicas que sustentam toda reflexão teológica libertadora. Daí que continuamos a não ter o que dizer e a conviver com a miséria emocional e sexual de nossos povos. E a nossa.
4. 4. As teologias feministas querem mais. Propomo-nos o orgasmo como dinâmica prazerosa que dignifica a pessoa, as relações, a família e a casa. Fazemos teologia por prazer, porque é bom, porque liberta e dignifica a vida. Daí o porquê de nos ocuparmos da discussão sobre culpa e prazer, sexo e poder, sexualidade e política, produção e reprodução. Isto tudo cheira demais e quase sempre o grito - desperdício! é mais forte do que as tentativas e alternativas que vamos tecendo.
5. 5. Cheiramos das muitas jornadas de trabalho que compartilhamos com as mulheres do continente. Privilegiadas pelo acesso ao estudo e à vida académica, convivemos em situações familiares e esquemas de vida religiosa opressoras. Vivemos num continente que respira e convive com a miséria quotidianamente. Entre nós a pobreza tem sexo: são as mulheres e as crianças do continente que sofrem de modo mais imediato e directo com as crises económicas e políticas que arrastam o continente latino-americano por 5 séculos.
5. 6. Temos cheiro de mãe. Mas já não queremos vestir as vestes apertadas e incómodas da maternidade despossuída de dignidade. Entre estas vestes que cheiram a mofo está todo o discurso religioso que mistifica e idealiza a maternidade, em especial no aprisionamento de Maria, mãe de Jesus. Enclausurada numa virgindade absurda e desnecessária, Maria, passa a assumir no discurso da Teologia da Libertação o papel da mãe que tudo sofre, tudo crê, tudo suporta pelo amor dos filhos e do povo na afirmação de um novo tipo de virgindade: a sócio-política. Recauchutam-se os dogmas e Maria e todas nós continuamos a ser depósitos virtuosos e militantes da causa do Reino e do povo. Queremos derramar o perfume do corpo sexuado de Maria e de todas nós, tomando o discurso sobre a maternidade, virgindade, concepção e fecundidade em nossas mãos, em nosso ventre, em nosso sexo. Queremos continuar a engravidar só de ouvir as canções que o sagrado sopra sobre nós. Mas inteiras. Virgens ou não.
5. 7. Mães ou não. Aceitamos o diálogo com outras mulheres, cristãs ou não, que se colocam o desafio de pensar sobre direitos reprodutivos, inclusive o aborto. Conversamos também com os milhares de mulheres que morrem todos os anos em abortos clandestinos desesperados e mal feitos. Recusamo-nos a conversar com o clero e senhores da lei e da moral incapazes de fazer da experiência matéria teológica. Esta conversa tem de ter cheiro de mulher. Ninguém quer o aborto. Mas ele existe e precisa ser descriminalizado, para que a conversa aconteça de modo libertador. Precisa de ser legalizado para que o sacrifício sistemático de mulheres pobres acabe. A Teologia da Libertação tem afirmado o primado da vida como critério regulador das questões morais e éticas. Vamos juntas... mas queremos mais. Não existe a vida, como um valor em si mesmo, fora dos limites e determinantes sócio-culturais. Afirmamos a vida, na sua concretude, nas suas contradições e feixe de relações. Daí que a ética deixa de ser a defesa de absolutos, para ser o discernimento do que é justo e belo nas particularidades.
5. 8. Nossa teologia tem cheiro de criança. E que cheiros uma criança tem! São tantos e todos e nenhum deles perpassa pela teologia. Nenhuma delas... nem a da Libertação. As crianças empobrecidas aparecem como tema, como exemplo de situação de opressão e sacrifício, mas não são afirmadas como agente eclesial e social activos. Merecem as acções libertadoras dos adultos, mas não são entendidas como parte activa e presença profética no meio da comunidade de fé.
5. 9. Também nos gritam - desperdício!, quando derramamos a exigência de democratização e socialização dos sacramentos e ordens. Até mesmo entre as teólogas existe as que fazem coro, dizendo que a luta pela ordenação feminina não é prioritária. Correcto: nossa prioridade não é o púlpito ou o poder de administrar o sacramento. Mas não dá para conviver com formas de organização da vida eclesial que continuam a proibir o acesso de mulheres a esta ou aquela instância da vida interna da comunidade cristã. A luta pela ordenação feminina não se esgota no acesso à ordem e aos sacramentos, mas articula-se com um processo mais amplo de avaliação e na busca de novas formas de ser igreja. Qualquer discussão sobre poder e carisma que não aponte para o acesso inclusivo ao ministério joga água no moinho da discriminação nas igrejas e na sociedade.
5. 10. Torna-se necessário recolocar a religião e seus textos, no horizonte das discussões contemporâneas sobre os modelos exploratórios e de dominação da natureza e seus seres, dos enfrentamentos da base material da existência e dos modelos teóricos e empíricos de experiência e investigação da vida. Tudo se transfigura quando tocado pelo capital: o valor da terra, a direcção da água, a noção de floresta, o interior da semente, a previsão dos imprevistos, a ciranda do clima. Tudo etiquetado e negociado na banca internacional dos violentos deixa de ser “matéria” e “corpo do mundo” para assumir poderes sobrenaturais de objectos inanimados como valor de troca, item de crédito e de débito, que nega as relações de trabalho e cultura com as forças vivas da humanidade. A capitalização da natureza reproduz um campo de acumulação de riqueza que, além de não favorecer formas de distribuição, legitima e acelera formas políticas de exclusão. |
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