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PALAVRA DO DIRECTOR A ABRIR
Com esta edição n.º 176, entramos no ano 23 de publicação consecutiva do Jornal Fraternizar. O facto é motivo de intensa e fecunda Eucaristia. Não a dos altares, mas a da vida feita Pão Partido e Repartido e Vinho Derramado pela vida do Mundo. Queremos prosseguir. Com Vocês que, trimestralmente, nos acolhem, partilham de algum do vosso dinheiro, nos estimulam com as vossas críticas e com os vossos aplausos. Sobretudo, com as vossas práticas maiêuticas. Entre uma edição e outra, façamos acontecer Fraternizar ao vivo. Digam e o Director irá encontrar-se convosco nas vossas terras. Bastam 2 ou 3 e haverá Fraternizar vivo. Fico no abraço. E à espera. |
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DESTAQUE
O Livro mais odiado e mais silenciado de Portugal
ENTREVISTA AO AUTOR
Um muro de silêncio e de Ódio abateu-se sobre o meu Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação apresentado, dia 17 de Outubro 2009, no Barracão de Cultura, em Macieira da Lixa, pelo escritor angolano, LUANDINO VIEIRA. Desde logo, nenhum órgão de comunicação social, apesar de todos terem sido expressamente convidados pela Editora AREIAS VIVAS e por mim próprio, se fez representar na sessão. E todos, à porfia, como a revelarem bem que estão totalmente domados /domesticados pelo amo /senhor /patrão Dinheiro, têm prolongado no tempo esse seu silêncio. O mesmo fizeram os órgãos de comunicação social da Igreja. O Livro é tão incómodo e tão desmascarador da Idolatria que se continua a fazer à sombra dos templos do Poder Religioso e dos palácios do Poder Político, que todos preferem ignorá-lo, fazer de conta que ele não está aí, a abrir os olhos da mente e do coração a muitas, muitos. Até as (poucas) livrarias que o aceitam, escondem-no nas prateleiras, para que ninguém que entre o descubra e se deixe seduzir-apaixonar por ele e o leve para casa. Só mesmo quem já sabe dele e o deseja adquirir é que o encontra. Mas depois de muito perguntar por ele!!! Para cúmulo, a única entrevista, conduzida pelo jornalista ANTÓNIO VERÍSSIMO, que um semanário de Lisboa aceitou publicar, acabou por não ver a luz, porque o referido semanário auto-suspendeu-se precisamente na semana anterior à publicação (vê-la, na íntegra, aqui, já a seguir). Por isso, se ainda não tiverem o livro e quiserem que ele seja a luz dos vossos olhos da mente e do coração, o melhor é dirigirem-se directamente a mim, seu autor, ou à Editora. Com razão, afirmou LUANDINO VIEIRA, na sessão de apresentação: "Ninguém pode ler um versículo que seja deste livro, sem logo se sentir réu". Por isso ele é tão odiado e silenciado.
Consideras o Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação desde já editado, como “livro póstumo”, uma jogada de marketing ou a antevisão da tua morte?
R. Nem jogada de marketing, nem antevisão da morte, ainda que a referência à minha Morte esteja lá de forma explícita, concretamente, no Prólogo-ao-Amanhã-que-vem, com que o livro de 140 capítulos e de 670 páginas conclui /começa. Marketing é coisa que não está, nunca esteve, nunca estará nas minhas práticas. Sou ferozmente anti-capitalista e anti-Mercado Global e contra todos os seus usos e costumes intrinsecamente perversos. O ministério presbiteral de Evangelizar os Pobres e os Povos, em que estou eclesialmente investido, tem a ver com o anúncio da Boa Notícia de Deus e do seu Reino, paradigmaticamente visualizada nas Práticas Maiêuticas de Jesus e nos Duelos Teológicos Desarmados que ele desenvolveu contra a Idolatria institucionalizada, e que lhe valeram a Morte violenta na Cruz do Império de turno. É por aí que procuro ir. Sempre. O jornalista profissional que sou ajuda-me bastante a fazer passar a Mensagem e a torná-la mais acessível ao comum das pessoas. É um ministério de alto risco, em que se pode perder a vida e quase sempre o bom-nome. Como tal, não tem nada a ver com operações de marketing. E, quanto à Morte, vejo-a com a mesma naturalidade e com o mesmo espanto /assombro com que vejo a minha própria concepção no útero de minha mãe e o meu parto, nove meses depois. Quando ela acontecer, só posso PASSAR por ela com serenidade, de modo a tornar-me definitivamente vivo na mesma Fonte da Vida que um dia me fez misteriosamente acontecer, irrepetível e único, no decurso da Evolução.
Que papel é que este livro pode ter para mudar a forma como a maioria vê a igreja e o seu papel no mundo?
R. Como dizem as duas palavras do título principal, “Apocalipse ou Revelação”, o livro pretende ajudar maieuticamente as pessoas a perceberem a Sociedade e os múltiplos tipos de Institucional que a condicionam e condicionam os nossos quotidianos. Em cada capítulo, em cada versículo, o Texto-com-Espírito tira sempre o véu ideológico e até o véu teológico-idolátrico com que todo o Institucional, também o Religioso-Eclesiástico se cobre, para, assim, melhor se fazer passar por bom, quando, por sua natureza, é mentiroso e assassino, como tal, vive só para roubar, matar e destruir. E quando não rouba, nem mata, nem destrói, oprime que se farta as pessoas e os povos, para que elas e eles sejam por toda a vida pessoas e povos infantilizados /anestesiados /alienados, clientes mais ou menos fanáticos de estádios de futebol, o dos Milhões, de cultos em igrejas, basílicas e santuários de nomeada, como os de Fátima S.A., S. Bento da Porta Aberta e Lourdes, em França. Uma lástima. Mas não só faz isto. O meu novo livro também nos abre a Jesus, o da História, e nos mostra o caminho que ele é, não só para a Igreja, mas para a Humanidade, já que Jesus não fundou nenhuma Igreja, muito menos, uma Religião e com o que está dia e noite empenhado é com a edificação do que ele, em seu tempo histórico, chamou Reino /Reinado de Deus, que mais não é do que uma Ordem Mundial outra, com as pessoas e os Povos em estado de liberdade e de maioridade e como protagonistas, todos em redor da mesma Mesa, na mais radical igualdade e na mais radical diversidade. Neste particular, o livro é uma surpreendente e fecunda Revolução Teológica que urge conhecer /divulgar e… praticar todos os dias, em toda parte!
Fátima, nunca mais tem sido, até agora, um campeão de vendas. Pelo assunto que refere, poderá afirmar-se que o chamado “terceiro segredo de fátima” é essa obra que escreveste?
R. Não, não é, até porque não há, nunca houve, nunca haverá qualquer “segredo de Fátima”. Isso é tudo delírio de mentes perturbadas e aterrorizadas. O meu livro Fátima nunca mais é um livro essencialmente teológico, na linha da Teologia de Jesus que quase ninguém conhece nem quer conhecer, a começar pela própria hierarquia da Igreja e os seus muitos párocos mais ou menos mercenários e eunucos, isto é, celibatários, por força da lei /disciplina eclesiástica, não por opção pessoal livre e alegre. Em seu lugar, a hierarquia católica e a generalidade das católicas, dos católicos preferem a chamada fé religiosa, cheia de devoções, de ritos, de sacrifícios, de banalidades /venalidades, as mais vergonhosas, horríveis e humilhantes. É, por isso, uma obra profundamente séria que põe a nu toda a Mentira e todo o Crime que Fátima é. Aparições de nossa senhora a três crianças da paróquia de Fátima, de Maio a Outubro de 1917, são coisas que nunca houve. O que houve foi uma tosca montagem concebida e realizada pelo clero da região, habilmente orquestrada pelo Cónego Formigão que agora, em recompensa, até querem beatificar, e que, na altura, se fez passar por Visconde de Montelo. Essa montagem clerical foi historicamente facilitada /contextualizada pelas aterrorizadoras pregações da chamada Santa Missão, realizada nas aldeias da região, inspiradas, todas elas, no livro católico mais terrorista de então, que dá pelo nome de Missão Abreviada, da autoria de um tal Padre Manoel do Couto, capelão de freiras em Chaves. Há também, mas bastante mais tarde, precisamente, a partir de 1935 em diante, uma outra Fátima, que é a que se veio a impor ao Mundo mais ou menos aterrorizado, a Fátima das chamadas Memórias da Irmã Lúcia, sequestrada, por toda a vida, pelo mesmo clero, pouco tempo depois da morte dos seus dois primos Francisco e Jacinta Marto, vítimas da pneumónica que assolou a região, e aos quais, pelo que se vê, nem mesmo a senhora de Fátima valeu!!! E como havia ela de lhes valer, se a senhora de Fátima não existe? Se ela não passa de uma imagem de caco ou de madeira, fabricada por um conhecido santeiro de Braga, uma imagem cega, surda e muda que, para sair de um sítio para outro, tem de ser levada em ombros por ingénuos devotos? As duas crianças irmãs, arregimentadas, juntamente com a prima Lúcia, pelo clero para a montagem das “aparições”, acabaram por morrer no mais completo abandono, por parte desse mesmo clero, o qual, entretanto, todos estes anos depois, já conseguiu que ambas fossem beatificadas pelo Estado do Vaticano e não desiste, até que elas venham a ser também canonizadas. O clero sabe muito bem que o facto de as duas crianças serem declaradas oficialmente beatas pelo Estado do Vaticano, dá-lhes muito mais dinheiro a ganhar. E muito mais dinheiro lhes dará a ganhar, se elas passarem à categoria de santos canonizados. Mas não é só o clero que sabe disto. Também o Estado do Vaticano sabe e, por isso, não deixa de vir regularmente a Fátima pelo dinheiro de que necessita para manter todo aquele seu fausto. Igualmente, as grandes cadeias do Turismo religioso nacional e internacional sabem disso e não querem, de modo algum, perder este rendoso negócio da china português. Ou será que não temos olhos para ver?!
Depois de tantos títulos editados, achas que valeu a pena a luta, ou o balanço nem é assim tão positivo?
R. Obviamente, que valeu a pena. A Sociedade portuguesa, hoje, não é mais a mesma que era antes de os meus livros e o Jornal Fraternizar, já com 22 anos de existência, andarem por aí à solta. Tenho consciência de que esta profunda mudança não se deve apenas aos meus livros. Era o que faltava. Mas não tenho dúvidas de que também se deve, e muito, aos meus livros e ao Fraternizar, o único jornal em Portugal que pratica o que se pode chamar com propriedade teojornalismo. Aliás, os efeitos positivos dos meus livros hão-de ser ainda muito mais visíveis, daqui a uns 20 /30 anos. Quem cá estiver há-de ver e contar.
Há quem ache que o facto de te considerares ainda padre é um abuso da tua parte, tendo em conta as posições desalinhadas que tens face á igreja católica. O que tens a dizer sobre isso?
R. Quem diz semelhante disparate a meu respeito, mostra bem que não sabe o que diz. As minhas posições podem ser, e são, muito desalinhadas face às da hierarquia da Igreja católica. Mas as posições da hierarquia da Igreja católica são ainda muito mais desalinhadas das de Jesus e do Evangelho de Jesus. E ninguém vem dizer, muito menos exigir, que a hierarquia da Igreja católica deveria deixar de se considerar hierarquia da Igreja. E, se alguém o diz, por exemplo, eu próprio, neste meu novo livro, a hierarquia da Igreja católica não faz caso e prossegue na dela, para escândalo dos fiéis, condenados por ela a terem de ser Igreja sem voz nem vez (basta ver, por exemplo, uma missa de domingo. Quem, a não ser o clérigo presidente, tem voz e vez, do princípio ao fim?! E isto há séculos e séculos!)! O que constitui um absurdo. De resto, não são as minhas posições desalinhadas das cúpulas da Igreja católica, em consequência de serem, procurarem ser, alinhadas pelo Evangelho de Jesus, que são causa, hoje, de ateísmo cada vez mais generalizado. Causa de ateísmo cada vez mais generalizado, são precisamente as posições desalinhadas do Evangelho de Jesus, por parte da hierarquia da Igreja católica. Sou padre /presbítero da Igreja do Porto, para Evangelizar os pobres e os Povos e ninguém me pode acusar de o não fazer, oportuna e inoportunamente, desde Agosto de 1962, quando fui ordenado presbítero. Por causa de o fazer e de forma bem rasgada e sem paninhos quentes, é que, ao fim de poucos meses, deixei de ser coadjutor da Paróquia das Antas; fui compulsivamente afastado de professor de Religião e Moral em dois Liceus do Porto; fui expulso, ao fim de quatro meses de actividade, de capelão militar na Guiné-Bissau, ao tempo da Guerra Colonial; fui compulsivamente afastado, ao fim de 14 meses, da paróquia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses) pelo Bispo Administrador Apostólico da Diocese, Florentino de Andrade e Silva; fui duas vezes preso político em Caxias e outras tantas julgado no Tribunal Plenário do Porto; e, finalmente, desde 21 de Março de 1973, fui compulsivamente afastado da Paróquia de Macieira da Lixa, por decisão puramente arbitrária do Bispo António Ferreira Gomes. Desde então, fiquei na canonicamente anómala condição de presbítero da Igreja do Porto, sem qualquer ofício pastoral oficial. Fosse eu um padre virado para o devocionismo, para a beatice, para a caridadezinha, para o milagrismo, para o moralismo mais obtuso e imoral, para as missas sem Eucaristia e sem Profecia, e que, ainda por cima, rendem muito dinheiro a quem a elas preside, e seria um hoje um mero funcionário eclesiástico mais, como tantos outros. Mas não sou. Felizmente. E sabem porquê? Porque não foi para isso que eu fui chamado desde o ventre de minha mãe. Bem pelo contrário. Na peugada de Jesus, também eu nasci e vim ao mundo – digo-o como um menino que se experimenta profundamente amado por Deus-Abbá, nossa Mãe /Pai universal – para dar testemunho da verdade. Por isso me ostracizam tanto, me odeiam tanto. Nada, aliás, que já não tenham feito, paradigmaticamente, a Jesus, o carpinteiro, o filho de Maria (cf. Marcos 6, 3).
José Saramago, no seu estilo habitual, refere-se á bíblia como “um manual de maus costumes” que “está cheio de horrores, traições, incestos, carnificinas.” Como é que um homem com as tuas posições comenta tais afirmações?
R. E quem de nós, que alguma vez a tenha lido, não sabe que a Bíblia, em muitas das suas páginas, é efectivamente um Manual de maus costumes? Quem não sabe que muitas das suas páginas estão cheias de horrores, de traições, de incestos, de adultérios, de assassinatos, de carnificinas, de pequenos-grandes genocídios? Basta lermos toda a história do rei David, os crimes que ele cometeu para chegar a ser o rei das doze tribos unificadas. E Salomão, seu filho e sucessor, no trono, não é filho de um adultério, logo seguido de um hediondo assassinato, o de Urias, marido de Betsabé, que o rei engravidou, enquanto o marido dela arriscava a vida, na frente de batalha, ao serviço dos interesses do rei?! Mas o que tem isto de novidade? Afinal, não é essa, ainda hoje, em grande parte, a realidade quotidiana dos povos do Mundo? De que são feitos, por exemplo, os telejornais em todo o Mundo? Não são quase só más notícias? Crimes, pedofilias, roubos, violações, corrupções, guerras, as mais absurdas, como a do Iraque, a da Faixa de Gaza e a do Afeganistão? Porém, a mesma Bíblia, em muitas outras das suas páginas é, simultaneamente, um monumento de heroicidades, de grandeza humana, de audácia, de epopeias em prol da libertação para a liberdade dos povos escravizados e humilhados. Por isso digo que o nosso José Saramago perdeu uma excelente ocasião para estar calado, ao falar da Bíblia, da forma que falou, tão tendenciosa e aberrantemente, redutora. Então a Bíblia não são também os grandes e imortais Profetas Elias, Isaías, Jeremias, Ezequiel, o Livro dos Salmos, o Inexcedível Poema de amor erótico não-matrimoniado, chamado Cântico dos Cânticos? Sobretudo, a Bíblia judaico-católica não é também e, antes de mais, Jesus, o camponês-carpinteiro, o filho de Maria, que enfrentou o Templo de Jerusalém e os seus 18 mil sacerdotes, todos comerciantes de um Deus-Vampiro, e que faziam daquele espaço um “covil de ladrões”? E que enfrentou, desarmado, o Império Romano e a sua Idolatria, até perder a vida neste Duelo Teológico? À beira destes gigantes de Humanidade que se levantaram, desarmados, contra o Poder Político /Império, contra o Poder Religioso, contra o Poder Financeiro, e que foram voz e vez dos empobrecidos e oprimidos, defensores até ao derramamento do próprio sangue, dos direitos das vítimas, o que faz, o que tem feito, José Saramago? Vive burguesmente instalado na sua ilha de Lanzarote, de onde sai de vez em quando para ser aplaudido e idolatrado por outros semelhantes a ele. E as vítimas humanas, hoje, milhares de milhões, que se lixem! Entretanto, e como ele, também eu, presbítero da Igreja do Porto, digo que todas as religiões, católica incluída, são perversas. Mas eu digo-o, porque conheço e todos os dias procuro frequentar /trilhar a via Jesus, o Crucificado pelos chefes religiosos do seu país na Cruz do Império de turno. O problema é que, para se poder começar a frequentar /trilhar esta via radicalmente libertadora, maiêutica, de Jesus, a primeira exigência que nos é feita é que decidamos, por opção livre e alegre, ser pobres, por toda a vida, contra a Pobreza estrutural e organizada em sistema. E isso, o nosso José Saramago não fez, não faz e, provavelmente, não fará, nos anos que lhe restam de vida na História. Só mesmo a Morte, quando chegar, vai fazer o que ele não se mostra capaz de fazer. É tão pouco, ou nada, livre, como homem, que não é capaz de uma opção deste calibre humano. Entende, na insensatez por que se rege todos os dias e que ele toma erradamente por sabedoria, que é muito mais cómodo dizer-se ateu, do que, como ser humano que é, fazer sua a mesma Fé de Jesus, porque, assim, pode continuar a viver todos os dias instalado nos privilégios, longe dos empobrecidos da Terra e de todas as inúmeras vítimas do Dinheiro Acumulado e Concentrado. Só que um ateu assim como ele mais não é do que um idólatra, um adorador atento e reverente do Ídolo Dinheiro Acumulado e Concentrado, que enche de privilégios os seus adoradores mais prestigiados, ao mesmo tempo que bebe o sangue dos Povos empobrecidos. José Saramago, que até escreveu o Ensaio sobre a cegueira, é, neste aspecto, o maior cego. Porque, como os fariseus e doutores da Lei, do tempo e país de Jesus, também ele diz, com as atitudes que toma e com os slogans que repete aos quatro ventos, “Eu vejo”, quando, afinal, o que ele vê é o Ídolo Dinheiro Acumulado e Concentrado que lhe deu o Nobel da Literatura 1998 e, assim, o domesticou por completo. E isso é a perversão das perversões. Uma perversão que ele não vê, porque não é sequer capaz de ver. Tinha de ser pobre, por opção livre e alegre, e viver organicamente com os pobres, com os pés no mesmo chão dos pobres, para poder começar a ver. A continuar assim, morrerá na sua cegueira. O que eu lamento e não posso deixar de chorar, inconsolável.
És muito crítico em relação aos políticos deste país. Por outro lado, esses políticos não te levam muito a sério. O que te levou a isso?
R. Os políticos não me levam a sério? Tanto pior para eles e para o país, para os povos e para o Planeta. Mas alguma vez o Poder Político e os seus mercenários ouvem os clamores das suas inúmeras vítimas e os que estão solidários com elas, quando estes, intempestivamente, se levantam como profetas delas, bocas delas, contra os que impunemente as fabricam? Não votam ao ostracismo todos os profetas que saem em defesa das vítimas? Não os matam, quando é preciso, como mataram Jesus, o bispo Óscar Romero, o teólogo Ellacuría, de El Salvador? Procedem assim, porque são mercenários e não sabem o que são entranhas de humanidade. São todos, à direita e à esquerda, no Executivo ou na Oposição, como os espinheiros que só produzem espinhos e abrolhos, quando os povos do Planeta o que reclamam é o pão da Verdade, o pão da Justiça, o pão da Liberdade, o pão da Paz. Sobrecarregam os povos com impostos, enquanto eles vivem refastelados nos privilégios. Seres humanos, esses mercenários do Poder Político?! Haja modos! Monstros, é o que todos eles são, para mais ao incondicional serviço do Dinheiro Acumulado e Concentrado. Outra, muito outra é a Política Praticada pelos Povos. Mas a essa o Poder Político mata-a, para que o Planeta continue a ser coutada do Grande Capital e os Povos, desgraçada carne para canhão. Ou para esterco!
Achas que, mais tarde ou mais cedo, a hierarquia da igreja pode fazer-te justiça e, digamos, dar um pouquinho de razão ao ideal que vens publicitando?
R. Não! Não espero semelhante coisa. Nem a desejo. Seria muito mau sinal. Seria sinal de que eu já estaria a ser menos dissidente na Igreja. Já estaria a ser menos das, dos de Jesus e do Movimento desencadeado por Jesus e prosseguido pelo seu mesmo Espírito Conspirativo. Da hierarquia – Poder sagrado – só posso e devo esperar Ostracismo, Ódio Teológico. Quando a hierarquia católica desistir de o ser, por ter mudado de Fé e de Deus; quando ela desistir do Ídolo Religião, por ter feito sua a mesma Fé de Jesus, o Crucificado na Cruz do Império; quando ela, finalmente, reconhecer Deus, o de Jesus, esse impensável Deus que gosta de Política Praticada pelos Povos, não de Religião; que está com as vítimas dos Opressores, nunca com os algozes ou verdugos que as produzem; que está com os Crucificados e não com os crucificadores, então encontrar-nos-emos, os bispos e eu presbítero com eles, na mesma Trincheira, e viveremos como irmãos em Deserto e à intempérie, definitivamente longe dos palácios episcopais, das catedrais, das residências paroquiais, dos templos, dos altares, apenas em redor de Mesas Partilhadas e Compartilhadas, nas quais o nosso próprio corpo se dá a comer, o nosso próprio sangue se dá a beber. Por outras palavras, somos /seremos todos, bispos e presbíteros, “parteiras” dos Povos, em lugar de seus “senhores”, senhores dons fulanos de tal! Mas quando chegará esse dia? Vimo-lo já paradigmaticamente em Jesus, o Crucificado na Cruz do Império de então. Mas alguma vez veremos esse Dia 1 da Humanidade sapiente-sapiente? Mas então os homens da hierarquia católica, erradamente chamados bispos, não fazem questão de continuarem a ser homens que vivem nos antípodas de Jesus? Pensemos por brevs momentos. Em boa verdade, o que há de comum entre esses homens da hierarquia católica e Jesus, o camponês-carpinteiro de Nazaré? O que há de comum entre os sumos-sacerdotes e Jesus? Numa palavra, o que há de comum entre os Crucificadores e os Crucificados? O abismo que os separa não é absolutamente intransponível?! Eis. |
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Manuel Sérgio
Reitor do Instituto Piaget
Um Livro para o Século XXI
1.O autor do Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação (2009) é conhecido em Portugal inteiro, como jornalista, como teólogo e, sobre o mais, como homem livre, diante de todas as intolerâncias, designadamente aquelas que são modo de vida. Há, de facto, no autor deste livro, o Padre Mário de Oliveira, uma forma superior de resistir, de não pactuar com qualquer tipo de tirania, de modo muito especial aquelas tiranias que se revestem de poder metafísico... como a de Salazar, por exemplo! Todavia, no meu modesto entender, não encarna apenas, em Mário de Oliveira, uma forma, sem rodeios, de resistência. Há também nele, no nosso País, o alvorecer de uma teologia-emancipação, ou seja, de uma teologia com o talento certeiro de multiplicar o humano em si e à sua volta e portanto anticapitalista, antiracista, antieurocêntrica, antidualista sob qualquer forma e maneira. Como presbítero da Igreja do Porto, é um exemplo de vida em que teoria e prática, acção e contemplação, existência privada e existência pública se unem e conjugam, dialecticamente. Personalidade que evolui, no tempo e com o tempo, para ele a verdadeira essência do ser humano não é um “datum”, nem um “factum”, mas algo por fazer, algo por concretizar, algo por estruturar. Pela razão simples de que a liberdade, em todos e em cada um dos seres humanos, está por fazer, está por concretizar, está por estruturar. Para o Padre Mário de Oliveira, a verdadeira história do mundo não é senão a do progresso da consciência da liberdade, donde nasceram a Reforma, a Aufklarung, a Revolução Francesa e os Direitos do Homem. Já se pensou o que seria, hoje, a Igreja de Roma, sem as grandes rupturas da Modernidade? Seria igual ao fundamentalismo doutras religiões, como a Inquisição e a encíclica Quanta Cura (acompanhada de um anexo intitulado Syllabus), que condenou a ciência moderna, o liberalismo, o socialismo, a liberdade de imprensa e a soberania do povo, o comprovam.
O Padre Mário de Oliveira, homem culto que é e portanto onde espírito de finura e espírito de geometria ressaltam, surge, na Igreja em Portugal, como um acontecimento cultural onde o mundo e a sociedade entram, pela primeira vez (em Portugal, repete-se) como projectos racionais da compreensão da teologia. Por isso, no Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação, pode ler-se a interrogação: “Desconhecem estes homens eclesiásticos que a glória de Deus consiste em sermos capazes de vivermos na História tão responsavelmente como se Ele não existisse?”. E esta proposta que dirige aos bispos europeus: “Meus irmãos, Bispos de Portugal e da Europa, mudai de Fé e de Deus enquanto é tempo. Ou então desisti da condução da Igreja que vos foi confiada. Porque, a continuardes assim, sois como aqueles cegos de que fala Jesus, que guiam outros cegos e acabareis a levar o País e a Europa para o abismo” (p. 17). É que (realcemos o realismo clarificador e crítico do autor), “a pobreza em massa, estrutural, é o pecado maior do mundo. É a maior vergonha da Humanidade (...). E, para cúmulo da hipocrisia e da insensatez, ainda nos assanhamos todos, quando os pobres, os povos empobrecidos do mundo – hoje, a esmagadora maioria da Humanidade – se insurgem com violência (...) contra esta Ordem Económico-financeira que os produz em ritmo cada vez mais acelerado (...). Esta é a cruel realidade do nosso mundo, integrado pela perversa Ordem Mundial do Dinheiro, do Império e do Templo (...). O Pecado que mata e desumaniza é simplesmente este modo não jesuânico de ser e de viver. Ora, com o Perverso, constitutivamente mentiroso e assassino, não há cooperação possível (...). Perdemos o Norte. Dirige-nos outro Vento, outro Sopro, outro Espírito, que não o de Jesus” (p. 29).
2. Até ao século XVII, manteve-se como verdade inconcussa que, embora a paulatina emancipação da razão, a ordem, a paz social e o poder fundamentavam-se na unidade religiosa. Sabe-se o número interminável de guerras que a divisão da Igreja Católica proporcionou. E de tal maneira que o deísmo inglês tentou não confundir o Cristianismo com as suas formas confessionais e identificá-lo com a religião natural, assegurando-lhe a validade universal que as religiões não possuem. Avançaram assim, sem retorno, a secularização e a livre crítica, que não esperavam nunca pelo nihil obstat da infalibilidade pontifícia. Daí que os critérios que estão por detrás das beatificações e das canonizações católico-romanas não sejam aceites por muita consciência vigilante: é que são beatificados e canonizados homens e mulheres tão beatos, tão frouxos, tão subservientes, tão lacaios dos clérigos de turno, tão bajuladores do poder eclesiástico e clerical (sirvo-me das palavras do autor deste livro), que a figura impoluta de Jesus, onde a oração e a acção não se excluíam, mas se completavam, neles de certo não se revê. A santidade não está unicamente na oração e no êxtase, mas principalmente no combate implacável contra a Injustiça, contra a Miséria, contra a Exclusão, contra a Mentira, contra o Crime. É caso para questionar-se: por que demora tanto a canonização de D. Óscar Romero que foi assassinado, durante a celebração da missa? De certo, porque ele exaltava, em ambiente adverso, os valores que também levaram Jesus de Nazaré ao martírio e à morte. E a interrogação justifica-se: será que, no Vaticano, há cardeais incapazes de acompanhar Jesus no “Ai de vós, ricos”? Recordo as palavras de Nietzsche: “A loucura é rara em indivíduos – mas em grupos, partidos, igrejas, nações, ela é a regra”. Por isso, clama o Padre Mário de Oliveira: “Ai de nós, Igrejas, se não abrimos os olhos. Se não saímos da cegueira em que nos movimentamos desde há séculos. Se não fazemos o êxodo da Treva para a Luz. Se não mudamos corajosamente de Deus. Se não nos deixamos acolher pelo Deus Vivo, o de Jesus” (pp. 79/80).
A personalidade íntegra, afirmativa e coerente do Padre Mário não esconde: “Combate político, inteligente e criador é preciso. Poder não é preciso. Espiritualidade jesuânica é preciso. Religião não é preciso. Ser pobre por opção e por toda a vida é preciso (...). Dar corpo a uma Ordem Económica mundial assenta na PARTILHA da riqueza produzida, segundo as necessidades reais de cada pessoa e de cada povo, é preciso. Deixar o Império do Dinheiro à solta, como nestes últimos anos está cada vez mais a suceder em todo o mundo, não é preciso”. Sabe-se, hoje, de forma exaustiva, como o Império do Dinheiro reduz a compreensão do mundo à compreensão ocidental do mundo; como, “ao contrário do que pensam os ateus de hoje, o nosso tempo não é apenas de generalizado ateísmo” (p. 616), mas da idolatria do Deus-Dinheiro; como “da banda do Poder, de todo o Poder, também do Religioso e Eclesiástico, nunca pode vir a Luz de que andamos tão necessitados” (p. 630); como, vistas bem as coisas e que a Justiça vem confirmando, aqui e além, os detentores do Poder são exemplos acabados de total ausência daqueles valores sem os quais impossível se torna viver humanamente e os seus lacaios são videirinhos, hipócritas, carreiristas, corruptos. E, manifestando modelar fidelidade a princípios e a si mesmo, o Padre Mário escreve: “(...) Na origem do Capitalismo e do Grande Capital, está a Teologia Católica Romana, a mesma que justifica o Estado do Vaticano e o poder monárquico absoluto do seu papa e chefe de estado”(632). E que abençoa os detentores do Grande Capital e com eles convive harmoniosamente, não lhes lembrando que, por sua culpa, vivemos num planeta de milhões e milhões de marginais e marginalizados. Mas, como pode o Papa condenar, sem rebuços e sem disfarces, o Poder, o Dinheiro, o Luxo, se ele mesmo vive no Luxo, respira Poder e ostenta dinheiro?
3. É evidente que o Padre Mário não é a Verdade. Conheço com algum detalhe a América Latina (onde já vivi e que frequento, a miúde, por convite de várias universidades) para nem sempre aceitar uma incontida simpatia por caudilhos que se querem perpetuar, per omnia saecula saeculorum, no Poder e que não permitem o menor adejo da crítica às suas ordens tonitruantes. Eu mesmo estou no Índex de um deles porque discordei, num congresso internacional, da sua política desportiva que só servirá (tenho a certeza) para adormecer o povo à recusa da sociedade injusta estabelecida. Não, não apoio (rejeito frontalmente!) o Grande Capital que dominava aquele País; discordo tão-só das taras do Poder em que são pródigos os caudilhos. Mas... adiante! Repito: é evidente que o Padre Mário de Oliveira não é a Verdade. Mas trata-se de um homem que estuda, investiga, luta, sofre, vive, ama, com uma intensidade e pureza, em prol dos seus ideais, que (não sei se exagero) faço dele a figura tutelar, em Portugal, de uma nova teologia. O que é, para o meu modesto entender, a teologia? Se as proposições teológicas têm carácter cognitivo, é a ciência da realidade divina e da realidade que Deus criou. Ora, para mim, as proposições teológicas têm fundamento, na teoria e na prática, de uma figura histórica: Jesus de Nazaré! Logo, para mim, podem criar-se enunciados científicos (e não ideológicos ou míticos) sobre a vida de Jesus e sobre a sua mensagem. Deus não é acessível a uma observação directa. A vida de Jesus, ao invés, é um acontecimento histórico e se é verdade que uma ciência não é história tão-só, neste caso, a História diz-nos que Jesus não é uma ideia arbitrária ou subjectiva. E que a sua mensagem é verdadeiramente inovadora, libertadora, emancipadora! O Padre Mário de Oliveira escuta, a todo o instante, as palavras de Jesus: “Deixa que os mortos enterrem os mortos. Tu segue-me!”. E é o que ele faz, com desassombro e probidade mental: segue Jesus!
Diz o meu amigo e escritor brasileiro, Rubem Alves, no seu livro ostra feliz não faz pérola, que “a honestidade dos estúpidos é mil vezes mais perigosa que a mentira dos inteligentes. É da honestidade dos estúpidos que surgem os fanáticos” (p. 159). O autor do Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação parece um homem habitado por fortíssimas paixões, mas onde não estão presentes apenas as razões do coração. Mário de Oliveira quer ajudar ao nascimento de mulheres e de homens livres, à imitação de Jesus. É que Ele “nunca quis prosélitos, nem nunca fez prosélitos. Quis mulheres e homens livres. Autónomos. Inclusive, dele próprio (...). Ir pela via de Jesus era passar a viver em Deserto, no meio dos demais. Era assumir o mesmo estatuto dos marginalizados, dos leprosos. Era ligar-se a eles e ser um deles (...). Quase sempre quem aderia a Jesus e à sua via acabava expulso da Sinagoga, do Templo, da família, como os leprosos, e conhecia na pele o desprezo dos vizinhos. Tornava-se um maldito” (p. 447). Mário de Oliveira é um teólogo polivalente e audaz. Vivendo nos anos-charneira do outono do salazarismo, da segunda metade do século XX e princípios do século XXI, ainda antes de Felicidade Alves, o prior de Belém, já o capelão militar Mário de Oliveira afirmava, perante os seus superiores hierárquicos, na Igreja e no Exército, que a guerra colonial era um crime, “contra os Povos colonizados de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, que reclamavam, com toda a justiça, o direito à autonomia e independência” (p. 643). Só o simplismo, a irresponsabilidade ou a malignidade com que a história política se faz, neste País, podem esquecer a figura do Padre Mário de Oliveira, como lutador anti-fascista, cortando violentamente com o colaboracionismo ou o absentismo da Igreja do Cardeal Cerejeira. Por isso, foi julgado e preso, com os aplausos de muitos católicos e das aristocracias terratenentes arcaicas do Norte do País.
4. Escreve o autor do Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação: “É na Graça e pela Graça que somos humanos. No Poder, perdemo-nos como humanos. Talvez não saibam, mas a Graça é o outro nome da Política. Como o Demónio é o outro nome do Poder. É por isso que eu digo que só a Política salvará-humanizará. Temos, por isso e urgentemente, de abandonar o paradigma do Poder e abrirmo-nos quanto antes ao da Política e da Graça” (p. 509). Só que, “sem a fuga do labirinto do Poder, não haverá Humanidade”, mas “apenas coisas, seres muito agitados, robots, competidores, inimigos, assassinos” (p. 511). O Padre Mário aproxima-se assim de Jesus que aconselhava: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos” – afirmação iniludível da paternidade divina e da fraternidade humana. Nessa mesma altura, o que eram a mulher, a criança, o velho, o escravo? O romano vencedor e conquistador era duro, egoísta e brutal; a crueldade ressumbra da sua mentalidade e da sua vida. As Leis das Doze Tábuas, em Roma, diziam formalmente: “Se o filho nascer defeituoso, que o pai o mate, sem demora, nem formalidades, se nascer débil que o exponha”. Que direitos reconhecia ao escravo a jurisprudência romana? Nenhum! Porque em Roma o escravo não passa de instrumenti genus vocale, um instrumento com voz humana! Por sobre tudo isto, ergueu-se a voz de Jesus, proclamando a fraternidade universal. E aos discípulos adianta que não os trata por servos, trata-os por amigos, “porque tudo o que ouvi a meu Pai vo-lo dei a conhecer”. E, senhor da Verdade, Ele não se entregou, sobre o mais, a uma vida contemplativa, não aconselhou a ninguém a virgindade e o celibato, mas deitou-se ao caminho, anunciando pela palavra e pelo exemplo a Boa Nova. Curou os enfermos, ressuscitou os mortos, deu-se todo a todos... até ao sacrifício da própria vida. Conheceu a vida, não se refugiou no convento, mas distinguiu-se por uma intensa actividade social e uma incansável mobilidade pastoral.
O Padre Mário, procurando imitar Jesus, diz-nos como vive: “Sempre trabalhei muito. E trabalho. Sempre estudei muito. E estudo. Sempre me entreguei muito aos outros. E entrego. Sempre fui homem de Causas. E sou. Sempre vivi totalmente casado com a liberdade. E vivo. Sempre fui irmão universal. E sou. Sempre fui pobre por opção. E sou. Cada vez mais (...). Os poucos bens de que dispus ao longo dos anos e disponho hoje no dia a dia são alimento, não são prisão. Tomo-os ao longo de cada dia como o Pão e o Vinho da Eucaristia viva que sou todos os dias para os demais”. Há, de facto, em Jesus uma nova concepção do ser humano, filho de Deus e Irmão de todas as mulheres e de todos os homens. Partindo destas premissas, o Padre Mário não esconde um pensamento dialéctico onde o infinitamente grande e o infinitamente pequeno, porque são infinitamente contrários, caminham para uma síntese superior, que torna estes dois termos inteligíveis e se afirma como uma racionalidade superior, onde as razões da razão e as razões do coração encontram sentido. Jesus fez este mesmo itinerário – um itinerário real que nasce do concreto e ao concreto se dirige, porque se trata de salvar (e amar) pessoas. Em Jesus, nada é abstracto, formal. Nem é um simples jogo de palavras, uma dança interminável de conceitos. Em Jesus, tudo é vida que em mais vida se transforma. Em Jesus, como em Mário de Oliveira! Por isso, não tenho qualquer receio em acrescentar que o autor deste livro é um autêntico “mestre da suspeita”..., ao descobrir, por detrás da exploração e da marginalização, o grande pecado do nosso tempo; ao despir, na praça pública, os falsos prestígios do Poder Eclesiástico, tão pletórico de honrarias como longe, distante da pobreza em que Jesus quis viver; ao ousar olhar, bem de frente, os grandes senhores deste pequeno mundo, que só são grandes porque os contemplamos de joelhos; ao afirmar que o Amor é o outro nome de Deus e de Jesus. Que mais será preciso dizer para aconselhar a leitura deste livro? É que se trata de um autor admirável, na arte de discernir com acerto e de concluir persuadindo. Repito: um teólogo de tamanha actualidade que não tem par em Portugal (e não só).
5. Depois de tantos anos de luta contra todas as ditaduras, incluindo as eclesiásticas, Mário de Oliveira continua na rota iniciada. Porquê? Uma incessante e militante vocação para desassossegar ideias feitas, uma recusa insubornável à acomodação que facilita cargos e prebendas, a imitação de Jesus que foi sempre o último reduto da revolta, da rebeldia, da incomodidade – dizem-nos quem é o Padre Mário de Oliveira. Afinal, o que pretendo dizer é que este é um livro para todos, crentes e não-crentes, um livro indispensável aos “homens de boa vontade” do nosso tempo.
Um livro prenhe de heresia? Para o meu modesto entender, de heterodoxia! A heterodoxia necessária a um mundo que se quer em movimento. Mas não é a heterodoxia que merece a análise, o estudo, a atenção? É que a palavra da ortodoxia é normalmente ídolo, ícone, fetiche. Enfim, façamos deste livro uma aventura. E como é bom sabermos que, nele, não há censuras, nem dogmas... |
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Revelações do Autor, na sessão de apresentação do Livro
E o Poder, ressabiado, matou-me!
1. Todo eu estremeço de emoção, de festa, de alegria, de esperança, de eucaristia, de gratidão à Vida, por estar aqui, visivelmente, convosco, a apresentar este meu “livro póstumo”, para mais, neste espaço-ventre de Liberdade geradora de mulheres /homens cultos, autónomos, artistas, poetas, numa palavra, fecundamente Humanos, que é o Barracão de Cultura As Formigas de Macieira.
2. Se o livro é póstumo, é porque eu, o seu autor, já morri /ressuscitei, ou já fui morto e ressuscitei. Já Explodi. A Morte é a nossa Explosão definitiva. Tal como a Concepção no útero materno e o Parto que se lhe segue nove meses depois, foram /são a nossa 1.ª Explosão! E, no entanto, estou aqui convosco. Podeis ver-me. Tocar-me. Abraçar-me. Beijar-me. Amar-me. Ou Odiar-me com aquele Ódio Teológico que é o que mais mata, o que mais exclui, o que mais excomunga, o que mais ostraciza.
3. Uma pergunta me assalta, insistente, nesta Hora: O que me irão fazer, agora, depois de eu me ter atrevido a publicar este livro? Sim, o que me irão fazer? Pior do que Matar o corpo, é o Desprezo, o Ostracismo a que votamos alguém, só porque ele, ela nos desconcerta, nos põe a nu, nos põe a descoberto, tira o véu ou revela (que é o que quer dizer a palavra apocalipse ou revelação do título do livro) as Máfias organizadas que somos disfarçadas de Poder Religioso, de Poder Político, de Poder Financeiro. E, pior ainda (ou melhor?!), deixa inequivocamente claro que é um Ídolo o Deus que negamos ou que publicamente adoramos /cultuamos /negociamos em santuários, em basílicas, seja a de S. Pedro em Roma, seja a da Santíssima Trindade em Fátima S.A., em igrejas paroquiais, em catedrais, e também em Bancos, em Multinacionais /Transnacionais, e em Estádios de Futebol, o dos Milhões.
4. Ora, Desprezo, Ostracismo é o que eu mais conheço na Igreja da qual sou presbítero; e também na Sociedade, da qual sou membro, política e teologicamente, activo. Mas – espanto dos espantos! – foi exactamente no meio de todo este Desprezo, Ostracismo a que me vejo votado, desde há muitos, muitos anos, que cresci e continuo a crescer na Fé, não, evidentemente, a chamada fé religiosa, mas a mesma Fé de Jesus, a Fragilidade Humana Desarmada e Crucificada.
5. Só que, com isso, tornei-me demasiado incómodo, alguém a abater. Antes de mais, pelas cúpulas da Igreja eclesiástica que me não suportam. E me olham como alguém a desprezar. A ostracizar. A denegrir. A desacreditar. A tratar como louco. A fazer desaparecer da História. Até o meu nome as cúpulas da Igreja eclesiástica retiraram da lista oficial de presbíteros da Igreja do Porto, sem que antes tenha havido sequer um qualquer processo canónico contra mim. Essa mesma Igreja que, em 5 de Agosto de 1962, me ordenou presbítero para sempre. (Pelos vistos, os presbíteros ordenados, agora, preferem chamar-se sacerdotes. Sacerdote, não sou. Presbítero, sou, por pura Graça. Por pura vocação).
6. Não sabem porque tudo isto me aconteceu, pois não? Não sabem porque sou hoje presbítero oficialmente não-existente, pois não? Mas eu sei. E vou dizer-vos /revelar-vos. Antes, advirto que, tirar o nome a alguém é igual a tirar-lhe a alma, a identidade. Por outras palavras: É igual a Matar. Não fisicamente, que seria demasiado escandaloso. Matar simbolicamente, o que é até considerado um acto digno do Poder em exercício, autolegitimado. Um gesto /uma decisão que conta com a rasgada aprovação e o entusiástico aplauso da plebe, dos súbditos /vassalos que sempre saúdam os vencedores, seus chefes, e desprezam todas as suas inúmeras Vítimas. Esquecem que quem mata – simbolicamente que seja – é sempre assassino!
7. Tudo começou, quando eu era pároco aqui, em Macieira da Lixa, uma aldeia, desde então, Lugar Teológico do Deus que gosta de Política e de Cultura Maiêutica (daí este Barracão de Cultura, ainda por acabar), não de Religião, fonte de Medo e de Idolatria. Decorriam os primeiros anos da década de setenta, imediatamente antes do 25 de Abril. Entre a minha 1.ª prisão política em Caxias (fins de Julho 1970) e a minha 2.ª prisão política, de novo em Caxias (21Março1973). Depois da 1.ª prisão que culminou, cerca de sete meses depois, na minha absolvição pelo Tribunal Plenário do Porto, o Bispo António Ferreira Gomes organizou uma ceia festiva no Paço Episcopal. Não fui tido nem achado nessa decisão. Saí do Tribunal de S. João Novo e fui levado pelo Advogado, Dr. José da Sila, para o Paço episcopal, onde me esperava essa surpresa. A ceia foi super-festiva. O Bispo estava visivelmente empolgado. E depois da Ceia, brindou, como fora de si. Disse (lembro-me como se fosse hoje!): "20 séculos depois, o Evangelho voltou ao Pretório e, desta vez, saiu absolvido!"
8. Fiquei espantado. Afinal, na minha pobre e fragilizada pessoa de presbítero da Igreja do Porto, e de pároco da até então desconhecida aldeia de Macieira da Lixa, o Evangelho de Deus, o de Jesus, havia ido de novo ao Pretório. Parece que quase não havia diferença entre o Evangelho e eu! Mas o Bispo não se ficou por aqui. Acrescentou, em recado dirigido ao Advogado, José da Silva: Há que preparar uma publicação deste feito, uma espécie de Evangelho escrito, para que a História o registe, como registou o protagonizado por Jesus, no século I, na Palestina. E sugeriu mesmo o título a dar a essa publicação: EVANGELHO NO PRETÓRIO. O advogado fez o livro (2 volumes), mas foi mais comedido e prudente que o Bispo. Chamou-lhe, simplesmente: SUBVERSÃO OU EVANGELHO?
9. A ceia festiva, realizada na sala principal do Paço Episcopal, não era de todo inocente. Era o Poder Eclesiástico em todo o seu esplendor. Vim a percebê-lo mais tarde, com o desenrolar dos acontecimentos. Era a ceia da Tentação. Da Traição. Era o tapete vermelho que se me estendia. Depois daquela prisão política e daquela absolvição no Tribunal Plenário do Porto, eu deveria deixar a paróquia, frequentar um curso superior numa universidade estrangeira, financiado pela Diocese. Tirar um doutoramento que me catapultasse para as cúpulas eclesiásticas. Deveria esquecer definitivamente o Povo, os pé descalço, os Ninguém, fazer carreira eclesiástica. Havia-me tornado “luz no alto de um monte”, prestígio para a Igreja que, graças a mim, adquirira mais credibilidade perante a Sociedade. Deveria manter-me, pelo resto da minha vida, lá no alto, nunca mais voltar à base da pirâmide social. Era a carreira eclesiástica com que tantos colegas meus sonhavam, já no Seminário. Era o Poder Eclesiástico que eu, a partir de então, deveria seguir /servir e, finalmente, ser.
10. Só que eu, o filho mais novo de Ti Maria do Grilo, jornaleira, e de Ti David, operário duma fábrica de serração de madeira, concebido por obra e graça do Espírito Santo, como, de resto, todas as mulheres, todos os homens somos (quantos é que depois permanecemos, pela vida fora, fiéis a este mesmo Espírito, como Jesus, o filho de Maria, permaneceu?!), deitei tudo a perder, no brinde que quase fui empurrado a fazer, a encerrar a ceia festiva. Nomeadamente, quando, como um menino, me levantei da mesa e disse: "Ah! Como eu gostava que esta ceia, a ter de acontecer, em lugar de estar a acontecer aqui, longe do Povo pobre de Macieira da Lixa, estivesse a acontecer lá, com o Povo e o Bispo junto. Era para lá que eu sonhava ir, a correr, logo que me pusessem em liberdade. Estou aqui, contente, mas o meu coração é lá que está, junto do Povo, de quem sou, como pároco, o seu companheiro de todas as horas."
11. Um grande silêncio fez-se na sala principal do Paço Episcopal. E eu percebi, logo, que, entre mim e o Poder Eclesiástico, se cavou, nessa Hora, um abismo intransponível. Para sempre. O Bispo ainda tentou, posteriormente, que eu reconsiderasse e aceitasse a proposta de carreira eclesiástica que me havia feito. Mas eu disse rotundamente NÃO! E, ainda tive a audácia de o convidar a ele a deixar de vez o Paço Episcopal, o Poder Episcopal e a ser Bispo da Igreja do Porto, simplesmente, sem nenhum Poder. Ele declinou o meu convite. E lá ficou Bispo residencial, Poder Episcopal, até à idade canónica de resignar.
12. Por isso, quando, em 21 de Março 1973, voltei a ser preso pela Pide – só o vim a saber, 11 meses depois, quando saí da prisão por ordem do mesmo Tribunal Plenário do Porto – perdi, nesse mesmo dia, a paróquia. E, até hoje, nunca mais tive qualquer ofício pastoral oficial. Sou presbítero da Igreja do Porto, sem Poder eclesiástico, o que é de todo salutar e fecundo, longe dos templos e dos altares da Idolatria, despojado de todos os privilégios eclesiásticos que convictamente recuso (Já recusava, quando era pároco. Até as Missas, eu celebrava de graça!). Por isso, presbítero totalmente de graça, que sempre dá /dou de graça, o que de graça recebi. Infelizmente, sou uma excepção na Igreja. Deveria ser a regra. Todos os presbíteros e todos os bispos, deveríamos ser assim. Presbíteros e bispos sem nenhum Poder eclesiástico, sem nenhuns Privilégios eclesiásticos.
13. Fiquei, desde então, um presbítero à intempérie. E na trincheira. Fragilizado. Desarmado. Como um menino. Só que o Poder Eclesiástico, como não conseguiu fazer-me dele e fazer-me um dos seus principais rostos – "Tudo te darei, se tu, prostrado me adorares!" – matou-me. Ressabiado, ressentido por eu não me ter feito à sua imagem e semelhança, matou-me. Simbolicamente, é certo. Mas matou-me. Sou, desde então e cada vez mais um ressuscitado, ainda a viver na História. Um presbítero com tudo de Utopia. Quer dizer, sem topos (em grego), sem lugar! Irmão universal. Presbítero da Igreja do Porto, não para a Igreja, mas para o Mundo, para os pobres e os povos, a partir da Igreja do Porto. Vivo, por isso, cada vez mais a ver o Invisível. E cada vez mais a escutar o Essencial.
14. Este “livro póstumo”, nos seus 140 capítulos e nas suas 670 páginas, é sinal disto mesmo. É o livro da minha maturidade teológica, da minha maturidade na Fé, a mesma de Jesus, que não tem nada a ver com a Fé religiosa/eclesiástica. Pelo contrário, está, até, nos seus antípodas. Será que suportarão /suportareis este livro que vos dou, que vos deixo?!
15. Pressinto que muitas, muitos, da Igreja católica e das outras Igrejas, e até de fora delas, inclusive ateus e agnósticos, me vão odiar ainda mais e com mais intensidade, a partir de hoje. A menos que – e como eu desejo que tal aconteça! – aceitemos todas, todos convertermo-nos, mudarmos de Deus. Do Deus-Ídolo da Religião, para DeusVivo, o de Jesus, o Crucificado na Cruz do Império, por decisão e exigência dos sacerdotes, precisamente, os homens maiores da Religião!
16. Tenho consciência de que o livro é grande. Pesado. Denso. Mas acreditem. Foram precisos, todos estes capítulos, todas estas páginas, para revelar, tirar o véu à nossa Sociedade, à Trindade dos Poderes que a governa /domina, às Religiões /Igrejas que pretensamente a guiam, moral e espiritualmente, e aos respectivos Povos. Leiam, para começar, o capítulo 1: “A Igreja celebra Francisco de Assis, mas prefere seguir o exemplo do pai”; e, depois, saltem ao capítulo 140, o último, imediatamente antes do Prólogo-ao-Amanhã-que-Vem: “Precisamos urgentemente de regressar a Jesus, o da História!” Tenho a certeza de que, se o fizerem, não conseguirão passar sem ler os restantes 138. E com redobrada emoção, à medida que progredirem na leitura.
17. Crentes, agnósticos e ateus só me perdoarão, se aceitarem nascer de novo, do Espírito de Jesus, esse mesmo que sempre sopra da banda das Vítimas da História, nunca da banda da Trindade dos Poderes que domina /subjuga os povos do Mundo e os reduz a minhocas, a lesmas, a vassalos, a estéreis, a pesos-mortos, a Lázaros-sepultados-há-quatro-dias.
18. Nem que tenham de se privar de uma ou duas refeições num mês, não deixem de levar este livro convosco. Precisam deste Alimento, ainda mais do que daquele. Dêem a conhecer este Livro /Alimento. E façam-no chegar a pessoas, populações e povos de todas as nações da Terra. É urgente desmascararmos a Idolatria. Derrubarmos o Ídolo que nos descria cada dia que passa. É urgente tornarmo-nos mulheres, homens, povos do mesmo jeito de Jesus. Outros, Jesus. Só que agora, à século XXI. Conto convosco nesta Missão. Contai também comigo. Para sempre. Mesmo depois, e sobretudo depois, de definitivamente ressuscitado! |
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Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação
segundo ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO, Poeta
São três Textos-Poema. Em forma de prosa.
Chegaram-me por mail. Numa primeira reacção à leitura do Livro.
Ao seu Autor, só dias depois o vi num recital de Poesia e o abracei pela 1.ª vez!
Caro padre Mário,
o seu livro e o seu Jesus inspiraram-me este texto.
Um grande abraço.
NEM SEQUER
PRECISO DE DEUS
Escrevo. São seis da madrugada. Não consigo dormir. Escrevo o que vem do coração. Sou Jesus. Sou Morrison. Sou Nietzsche. Amo a Humanidade. A Humanidade despojada de Poder e de Dinheiro. O meu único poder é o poder da palavra. Ultimamente tenho feito os outros rir. Se calhar, tenho de virar o disco. Cantar o caos e o amor. Este será um grande dia. Se não adormecer entretanto percorrerei as ruas de Braga manhã cedo. Percorrerei as ruas de Braga em busca de glória. Percorrerei as ruas de Braga e amarei o humano dos homens e das mulheres. O humano que resta nos corações dos homens e das mulheres. E levarei comigo o padre Mário. O livro do padre Mário, Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação, faz-me renascer como o Plexus, de Henry Miller. Já não sou o mesmo. Tenho mesmo uma missão na Terra. Escreverei livros e levarei a mensagem seja onde for. “Queimai o Dinheiro” já é um sinal, “Da Merda até Deus” será outro. Mas tenho de publicar as minhas prosas. Neste tom profético que já tem sido publicado na Voz da Póvoa. Acredito no Homem, sou forçado a acreditar no Homem como Che Guevara acreditava. Não tenho nada a perder. Este é o caminho que tenho de seguir. Não há aqui dogmas, não há meias-palavras, não há cedências ao capitalismo ou ao Grande Irmão. Eu, António Pedro Ribeiro, 41 anos, renasço esta madrugada. Abençoado pela luz do padre Mário Oliveira. Abençoado pelo palco e pelos aplausos. Fascinado pela demanda do Graal, que é a mulher, que é Madalena. Eu, António Pedro Ribeiro, 41 anos, declaro-me revolucionário, filho das flores e do Maio de 68. Amante da Paz e da Liberdade. Poeta do caos e do amor. Profeta da rebeldia.
Estou em Braga e este é um dia triunfal, um dos mais felizes da minha vida. Tenho apenas uns trocos mas sou feliz. Abençoado por Zaratustra e pelos pássaros da manhã. Sou a criança sábia. Estou a regressar á infância. Não tenho de fazer pactos com a social-democracia nem com os Sócrates deste mundo. Não tenho de me ajoelhar diante do grande capital ou dos senhores do dinheiro. Sou um homem livre. Escrevo o que quero. Assumo o que quero. Sou o que quero. Nem sequer preciso de Deus, caro padre Mário. Basta-me o Jesus que expulsou os vendilhões do templo. Expulsar os vendilhões do templo, é isso que temos de fazer agora. Expulsar os senhores do dinheiro, do poder e da vida. Expulsá-los da vida. Eis a nossa missão na Terra. Demandar o Graal, o sagrado feminino, o amor das mulheres. Não devemos nada a ninguém. Entraremos na casa das pessoas como Jesus e Sócrates [o filósofo grego]. Sem dinheiro. Somos deuses. Comportamo-nos como reis no mundo do dinheiro, da intriga, da mercearia. Não podemos ser iguais aos outros. Nascemos de graça, na graça do divino. Nascemos e vivemos na dádiva, no coração, no espírito. Somos absolutamente livres. Amamos a eternidade do instante. Por isso, às vezes somos doidos, completamente fora. Não temos limites. Não somos formatados pela tradição ou pelo medo. Dançamos na corda-bamba de Nietzsche. Provocamos como Debord, como os surrealistas, como os dadaístas. Gozamos com o quotidiano imbecil dos outros porque queremos provocá-los, trazer-lhes a luz. E é a luz que vemos neste momento. A luz que queremos trazer aos outros, aos que ainda não estão completamente mortos para a vida. É a vida que queremos, não a vidinha das trocas, do mercado e do tédio. Sentimo-nos iluminados mas não somos mais do que os outros. Apenas diferentes. E exigimos sermos respeitados como tal. Somos do mundo. Deste mundo e não do outro. Profundamente deste mundo. “Humanos, Demasiado Humanos”. Desde a infãncia que pensamos mais do que os outros, que questionamos mais do que os outros, que observamos a realidade mais do que os outros. Nascemos com um dom. Já atravessamos muitos desertos, muitas idades de dor mas agora estamos curados. Estamos de volta à Idade do Ouro dos anos 80 e 90. Mas mais sábios, mais purificados, mais livres. Estamos prontos para enfrentar a cidade. Chegamos à idade de passar a mensagem. Este é o poema. O poema em prosa que há muito queríamos escrever. O poema bendito e maldito. O início do novo livro. O livro que pretende mudar a face da Terra. O livro que se dirige ao mundo. O livro que escrevo com o meu próprio sangue.
JESUS E O SUPER-HOMEM
Poderia acreditar num Jesus como o do padre Mário. Um Jesus que rejeita a Religião e a Igreja, que rejeita as hierarquias da Igreja. Poderia acreditar num Jesus que, como Nietzsche, rejeita o Deus do sacrifício, da submissão, da não-vida. Poderia acreditar num Jesus que, como Vaneigem, se opõe ao Deus-dinheiro e ao Poder. Num Jesus que rejeita o Deus do Templo, a confissão e as missas. Poderia acreditar nesse Jesus rebelde, insubmisso, que acredita na Humanidade e na transformação da sociedade. Um Jesus ao lado dos injustiçados, dos pobres, dos que nada têm, que rejeita a opulência das Igrejas. Um Jesus revolucionário que está pela Paz, desarmado, contra as guerras. Poderia acreditar num Jesus que promove a bondade e o humano. Poderia acreditar nesse Jesus. Mas hesito. Sou céptico. Tenho dúvidas. No entanto, essa ideia de um Jesus anti-capitalista que combate a idolatria do Dinheiro e do Poder não deixa de me atrair. Essa ideia de um Jesus a expulsar os vendilhões do templo. Essa ideia de que todos podemos ser Jesus. É claro que Nietzsche dizia que Jesus foi o único dos cristãos. É claro que Nietzsche diz que o homem pode superar-se: passar sucessivamente de camelo, a leão e a criança. Que pode tornar-se um deus, o super-homem. Mas não estaremos a falar da mesma coisa?
O NOVO HOMEM
O capitalismo é maléfico na sua essência. O capitalismo, alicerçado na trindade Poder/Dinheiro/Religião, como diz o padre Mário de Oliveira, é um sistema que nos converte em máquinas de compra e venda, em mercadorias, que destrói o que há de mais profundamente humano em nós. O capitalismo rouba-nos a vida. Torna-nos macacos a trepar para cima de outros macacos em busca da banana, do tacho, do dinheiro, do lucro, como diz Nietzsche. É tempo de dizer que não viemos ao mundo para isto. Não viemos ao mundo para o tédio ou para a fome. O homem não é, não pode ser troca ou mercado. O homem veio ao mundo gratuitamente, veio em busca da liberdade, do amor, da Verdade. Como é possível que nos tenhamos deixado descer tão baixo? Somos homens ou somos ratos? O que é que o império da finança, dos bancos, das bolsas e do poder nos dá? Tédio, fome e morte. É tempo de reagir. Destruamos o capitalismo pedra a pedra. Acabemos com todas as formas de idolatria e alienação. Só assim nascerá o novo homem, profundamente humano, imensamente livre. |
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EDITORIAL
Cairia o Carmo e a Trindade, se o papa Bento XVI, na sua anunciada viagem a Portugal, em Maio deste ano de 2010, a convite do presidente da República de Portugal (nunca é demais sublinhar este pormenor, que faz toda a diferença e revela bem quanto o Religioso Católico e todo o outro Religioso não-católico andam sempre de mãos dadas com o Poder Político, o dos Estados nacionais e dos Partidos Políticos não-maiêuticos, e com o Poder Económico-Financeiro) aproveitasse a deslocação a Fátima para anunciar urbi et orbi que tudo aquilo que ali se faz, desde 13 de Maio de 1917 (apenas sete anos depois da implantação da República Portuguesa que, este ano, está a comemorar os seus cem anos, por sinal, todos eles muito pouco republicanos e muito pouco laicos, porque ainda muito beatos e muito eclesiásticos, a começar pelo actual presidente Cavaco, que não se afasta nunca da sotaina, do báculo e da mitra dos bispos portugueses e do próprio papa de Roma!) é pura e dura Idolatria, a da mítica deusa senhora de fátima e do Deus-Ídolo Dinheiro.
Cairia o Carmo e a Trindade. E, se o papa, ao anúncio deste Evangelho ou Boa Notícia de Deus, o de Jesus, ainda acrescentasse outro, concretamente, que, em consequência desta postura Teológica Jesuânica, a Igreja católica, a que ele preside, deixaria, desse dia em diante, de alimentar, com a sua presença, toda aquela Mentira /Idolatria e todo aquele Crime Organizado cometido contra a Dignidade Humana e contra os Pobres e os Povos, certamente, já nem chegaria a deslocar-se, no dia seguinte, à cidade do Porto, onde o programa da visita do chefe de Estado do Vaticano a Portugal determina que ele reze uma missa na Avenida dos Aliados (mais uma, a juntar a milhares de outras celebradas nesse mesmo dia noutros cantos do país e do mundo católico, como a revelar que Deus, o da Religião católica, deve ter muito maus gostos artísticos e culturais e também deve ser muito severo para com os seus fiéis súbditos, elas e eles, ao ponto de só se amansar e aplacar com todas estas rezas de missas bem pagas a quem a elas tem de presidir, assim como com todas as demais rezas de terços e de jaculatórias sem conta, um dia após outro).
Cairia o Carmo e a Trindade e, está visto, cairia também Fátima e a imagem da sua mítica senhora ou deusa (então não sabem que o título Nossa Senhora é sinónimo de Nossa Deusa, tal como Nosso Senhor é sinónimo de Nosso Deus?!) absurdamente branca, cega, surda e muda, obra das mãos de um santeiro de Braga, artesão de muito mau gosto, tal e qual como a mítica deusa que lhe coube a tarefa de fazer emergir da madeira com que trabalhava.
E, com o Carmo e a Trindade, cairia, muito provavelmente, a própria hierarquia eclesiástica, todos os bispos residenciais e os respectivos párocos, cada um destes, hoje, com duas, três, quatro, cinco ou mais paróquias, todos ocupados com o Religioso e o Sagrado e os obscenos Lucros que daí advêm, e totalmente distraídos do Quotidiano das populações e dos povos do Planeta, às, aos quais, para cúmulo, ainda vendem overdoses de ópio, o da Religião católia /Idolatria.
Cairia o Carmo e a Trindade. Mas eu, presbítero da Igreja do Porto, há muitos anos, despojado de tudo o que é Poder e privilégios eclesiásticos, a viver todos os dias à Intempérie e em Deserto, jornalista de profissão e de Missão e, por isso, hoje, já reformado pela Caixa de Previdência dos Jornalistas, mas mais activo do que nunca na Missão de Evangelizar os Pobres e os Povos, cantaria e dançaria de alegria um canto e uma dança eucarísticos sem fim. E comigo, cantaria e dançaria também a Terra, esta nossa Casa Comum, um pouco menos oprimida pela Idolatria que, desde o início da Humanidade, se abateu sobre ela. E cantariam as, os do Movimento Jesus, certamente, hoje, muito poucos no seu todo, já que a esmagadora maioria das populações e dos Povos continua a preferir a via da Religião, que é a via da Mentira /Idolatria.
Num primeiro momento, as populações e os povos do Planeta reagiriam, até, com grande escândalo e indignação, à semelhança do paraplégico a quem de repente tirassem a cadeira de rodas onde ele se desloca, ou à semelhança do doente canceroso, em fase terminal, mas ainda bem consciente, a quem, de repente, tirassem a morfina que lhe alivia as horríveis dores.
Nem as populações, nem os povos, mergulhadas, mergulhados num Quotidiano estúpido e intolerável, que o Grande Poder Financeiro Global lhes impõe como amargo e amargurado pão-de-cada-dia, totalmente insuportável, sem as sucessivas overdoses de ópio que toda a Religião /Idolatria é, entenderiam como Boa Notícia ou Evangelho de Deus, o de Jesus, esse anúncio que o papa Bento XVI viesse fazer em Fátima. O seu Quotidiano de dores e de carências de tudo, até de afectos e de quem as, os escute, é tal, que as populações e os Povos não suportam (e eu, presbítero da Igreja do Porto, a viver este arriscado ministério, sem quaisquer paliativos, que o diga) que alguém, de repente, lhes tire a sua dose diária de ópio ou de Religioso. Nisso, são tal e qual como qualquer toxicodepenente. Este, da droga. As populações, os povos, da Religião /Idolatria. O ópio Religião /Idolatria não resolve os problemas, nem tão pouco contribui para os superar, mas ajuda a suportar o Quotidiano amargo e amargurado em que elas, eles subvivem.
Só num segundo momento, as populações e os povos acabariam por reagir bem e acolher o Evangelho ou Boa Notícia de Deus, o de Jesus, que o papa Bento XVI viesse anunciar em Fátima. E, então, juntar-se-iam a mim e a todas, todos as, os de Jesus e do Movimento Jesus que o seu Espírito Subversivo e Conspirativo está continuamente a promover e alimentar, na História, até que todos os seres humanos sejamos plena e definitivamente criados, o que só acontecerá, quando todos formos filhas, filhos de Deus-Abbá, constituídos em estado de Liberdade e de Maioridade, nos antípodas do que hoje vergonhosamente ainda somos, seres humanos em estado de Medo /Opressão /Religião e de Menoridade /Infantilismo /Subserviência.
Certamente, que não é para nos anunciar esta Boa Notícia ou este Evangelho de Deus, o de Jesus, que o papa Bento XVI vem a Portugal. Antes fosse. Mas não será. Aliás, se ele se atrevesse a tanto, dificilmente, conseguiria sair vivo do país. E, se saísse, não seria para regressar ao Estado do Vaticano, onde é o respectivo chefe, totalmente nos antípodas de Jesus, o Crucificado pelos chefes de Estado de então (o rei Herodes e César de Roma) e pelos chefes da Religião /Idolatria de então (os sumos sacerdotes do Templo de Jerusalém e seus teólogos) e pelos detentores da riqueza de então (o Sinédrio, constituído pelos setenta proprietários mais ricos da Judeia). Só poderia sair vivo, mas para ser levado à força para um hospital psiquiátrico de Roma, ou dos Estados Unidos da América, já que todos os profissionais de Psiquiatria do Mundo capitalista assinariam de imediato o diagnóstico de que o papa Bento XVI, ao proclamar semelhante notícia em Fárima, só poderia estar louco varrido e daquele tipo de loucura que, além de irreversível, é também altamente perigosa para os demais seres humanos, pelo que teria de ficar pelo resto da vida internado, com colete de forças e sedado, dia e noite.
De resto, foi já assim que trataram Jesus, quando ele, o carpinteiro /camponês de Nazaré da Galileia, o filho de Maria, foi em Missão a Jerusalém e ao Templo (era então a Fátima lá do sítio) para ensinar e proclamou, alto e bom som, sem que a voz lhe tremesse, que Deus Criador, seu e nosso Abbá, não tinha nada a ver com aquela cidade prenhe de Idolatria, mentirosa e assassina dos profetas que denunciavam os crimes que ela patrocinava (o último havia sido João Baptista, degolado por Herodes na prisão, poucos meses antes!), nem com aquele Templo, "covil de ladrões" que, até o último cêntimo da viúva pobre, era capaz de sugar /devorar. O Deus que ali se invocava, dia e noite, era um Ídolo, como tal, mentiroso e assassino, servido por sacerdotes mercenários conluiados com os do Poder Económico-Financeiro e com os do Poder Político, inclusive com o Império de Roma. E a prova é que seria na Cruz deste último que Jesus, ele próprio, acabaria crucificado. Ai, pois, do papa Bento XVI, se vai por outra via, que não esta a de Jesus! Nesse caso, melhor fora que nunca tivesse nascido!
Vosso irmão,
Mário, presbítero da Igreja do Porto |
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ESPAÇO ABERTO
Assis e Padre Henri na favela Vila Velha, Brasil
“DÁ PÃO! DÁ PÃO!”
"Dá pão! Dá pão!" Já lá vão dois meses [testemunho escrito por meados de Novembro 2009], após o nosso regresso à Europa, e esta voz frágil das crianças da favela VILA VELHA continua a acordar-nos, suplicante, mesmo quando caminhamos em pleno dia: “Dá pão!... dá pão!..." Acorda-nos, a todo o instante, a voz suplicante das crianças, mas não só a delas. O olhar das pessoas idosas, pessoas de pele e osso (ver foto ao lado), sem pronunciarem uma única palavra, caladas, ferem tanto o nosso olhar quanto aquela fere os nossos ouvidos. Ambos, a voz suplicante das crianças e o olhar das pessoas idosas de pele e osso, ferem profundamente o nosso egoísmo. Acusam-nos de comermos e de lançarmos no caixote do lixo o pedaço de pão que, por direito, lhes pertence.
No dia 28 de Junho 2009, acompanhei o padre Henri Le Boursicaud, na sua viagem ao Brasil, concretamente até à favela de Pirambu, em Fortaleza, favela que tem hoje cerca de 300.000 habitantes.
Em França, o responsável pelo Movimento de Emaús Liberdade, Jacques Loch, não desejava que Henri se metesse em tal aventura, pois sabia bem em que estado de saúde ele havia chegado pouco tempo antes do Congo. Apesar de muito fraco, porém, o desejo de Henri em voltar ao Brasil era grande. Esta a razão pela qual me prontifiquei a acompanhá-lo.
Logo na primeira semana, Henri adoeceu. E dores de cabeça vieram também sobre mim, pois me considerava o responsável último por esta viagem: - “Que fazer? Será que tenho de o enterrar já cá? Se acontecer tal desgraça - pensei - que melhor local que aquele, aqui bem perto da casa que nos abriga, do espaço da Terapia Comunitária “Quatro Varas”, aos pés da estátua do índio que segura precisamente as 4 varas da história do velho pai que, no leito da morte, chama seus quatro filhos, suplicando-lhes que permanecessem sempre unidos.
Aquelas 4 varas, juntas, nem o filho mais velho as conseguia quebrar, enquanto o mais novo as partia facilmente, quando separadas, uma a uma.
Esta história foi contada em 1993 pelo padre Henri aos habitantes da favela, quando, sentados na areia num local próximo ao, hoje, ocupado pela escolinha PADRE HENRIQUE - em francês, Henri - procuravam um nome para toda aquela zona anteriormente ocupada pela antiga fábrica de curtumes que, após a falência, havia deixado muita gente trabalhadora desempregada, sem que lhes fosse paga qualquer indemnização.
Apenas as águas do mar ficaram a beneficiar, já que todos os resíduos nela produzidos eram lá lançados a céu aberto. O mar e o ar. Pois, segundo me diziam, na época de laboração, também o ar era irrespirável.
Depois das várias propostas apresentadas pelos habitantes da favela PIRAMBU, a do Henri foi a eleita. Embora ele se considerasse um estrangeiro no meio de todo aquele povo, os habitantes não o consideravam como tal, já que ele, mais do que ninguém, havia lutado contra a polícia de Fortaleza.
Quando esta vinha derrubar as barracas, ele era o primeiro a opor-se, e também a animar aquela pobre gente: “Vamos levantá-las novamente”, repetia-lhes ele.
- “Que melhor local, pois, para o enterrar, se tiver de ser?” Seja o que Deus quiser, tranquilizava-me eu, sem contudo me manifestar publicamente. O pior era que nem o padre Henri nem eu consegíamos dormir, pois a sua tosse era tal, que ele próprio dizia nunca ter estado assim.
Passados os primeiros oito dias, ele começa a restabelecer-se, graças aos batidos de fruta preparados pelo nosso amigo José Airton, o advogado da favela de Pirambu, hoje também advogado das favelas de VILA VELHA III e IV, que se encontram ainda em estado de maior miséria.
Em Vila Velha I e II, já se encontram as ruas mais ou menos asfaltadas e as barracas são menos desumanas e em muito menor número, embora a maioria das casas seja bastante pobre.
Ora, logo que se sentiu com um pouco de forças, o padre Henri, depois duma breve visita que fizemos uma manhã a Vila Velha, sem avisar ninguém, parte a pé para favela III, a mais degradada de todas elas, seguindo a margem direita do rio Ceará.
Depois de algumas buscas, uma senhora telefona para o José, a dizer que o “padre velhinho andava lá perdido”, ao mesmo tempo que outras lhe procuravam barrar o caminho dizendo-lhe que “era muito perigoso ali andar sozinho”, razão que o não convenceu e até levou um pouco a mal por o não deixarem em paz.
Henri já não descansou até mudar de residência. A nossa era bastante pobre, mas não tanto como ele desejava. Pretendia viver na barraca mais pobre de Vila Velha, tal como os seus habitantes mais necessitados.
Manifestado o seu desejo, procurámos não contrariá-lo. Tentámos, contudo, sem lhe dizer, torná-lo minimamente confortável, dado o seu estado de saúde e a sua idade. Pusemos sobre a terra ainda enlameada uns farrapos, para que não viesse a ter uma recaída.
Foi levado pelo José e por dois companheiros de Emaús. Eu já o não acompanhei, pois fiquei de cama com diarreia, provocada por algo que havia comido no dia anterior.
Como, durante cinco dias, não me levantei da cama, ele sentia-se agora como que responsável por me ter deixado naquele estado, como se fora ele o culpado. O José lá o tranquilizou da forma como ele bem sabia fazer.
Todos os dias, ou pelo menos naqueles em que o visitei, e foram muitos, fomos a encontrá-lo a vaguear pela favela, visitando os doentes - eram tantos!... - distribuindo por todos eles os bens que lhe eram levados pelos companheiros de Emaús.
“Aqui ninguém come mais do que uma vez por dia...”, dizia-nos. E interrogava-nos: “Onde está Jesus, o carpinteiro de Nazaré? Nos palácios dos bispos? No Vaticano? Não. Ele vive aqui no meio dos pobres...”
Quando estava na sua barraca, ou nas vizinhanças da mesma, as crianças eram a sua companhia preferida. Pegavam-lhe na mão e conduziam-no com todo o carinho, como se fosse o seu avozinho. “Deixai vir a mim as criancinhas...”, era a frase do Evangelho que de imediato nos vinha à mente.
Claro que a atitude do padre Henri nos comovia a todos quantos o visitávamos, mas a maior comoção surgia quando entrávamos naquelas barracas miseráveis.
“Os porcos vivem todos eles em melhores condições que esta pobre gente”, repetia-nos Henri com frequência. E sempre que, após havermos deixado os alimentos e os poucos reais que possuíamos connosco, não conseguíamos calar o pedido insistente daquelas pobres crianças: “Dá pão!... Dá pão!...” retirávamo-nos impotentes e amargurados por nada mais podermos fazer por elas.
MEIO EURO (5O CÊNTIMOS) seria suficiente para, diariamente, matar a fome de cada uma daquelas pessoas de Vila Velha. Tão simples como isto: 1 Real e 20 cêntimos. O equivalente a 50 CÊNTIMOS de euro.
”Pois é - dirá alguém - porque não faz esse trabalho o estado brasileiro? O Brasil não é dos países mais ricos do mundo?...”
Sim, é, mas onde a riqueza abunda, abundam também os avaros, os grandes latifundiários e os corruptos e, com todos estes, a miséria humana torna-se rainha.
Em Vila Velha, a miséria é total: económica, social e humana. Num pequeno espaço habitacional, a promiscuidade é inevitável. Daí que seja fácil dar de caras com jovens de 12 /13 anos grávidas. E até chegámos a deparar com uma de 11 anos.
”Dá pão!... Dá pão!...” As lágrimas não conseguem aguentar-se diante dum espectáculo desta natureza. Vi muita gente chorar, da que nos acompanhou nas nossas visitas a Vila Velha.
Eu apenas me pergunto: “Que fizemos nós e os nossos filhos de extraordinário, para que tenhamos nascido no lugar da fartura? E que mal praticaram aquelas pobres gentes do interior do país, que tiveram de fugir à seca de três anos consecutivos, e que fizeram aquelas pobres crianças, para que merecessem um tal castigo?
Há no Evangelho uma passagem que sempre me intrigou e para a qual eu não descobrira a resposta: “Que pecado cometeu – o homem que nasceu cego – ele, ou os seus pais?” perguntavam os discípulos a Jesus. “Nem ele, nem os seus pais. Tudo isto aconteceu para que o Pai fosse louvado em suas obras”, respondeu-lhes Jesus, mais ou menos com estas palavras.
Talvez Deus deseje ser louvado agora através das nossas obras, da nossa generosidade para com esses nossos irmãos que passam fome e habitam casas (?), barracas de cartão e de plástico, onde chove como na rua e a cuja entrada chegam as águas do mar, sempre que a maré sobe, já que se encontram nas margens do rio Ceará, muito perto da sua foz.
50 CÊNTIMOS diários - menos do que o valor de 1 café ou de 2 cigarros - são o suficiente para salvar uma daquelas crianças, ou um pobre idoso.
PS-1. Aos leitores destas linhas informo que o padre Henri se encontra actualmente entre nós, em Portugal. Habita na casa das Crianças “TENDA DO ENCONTRO” em SERMONDE, V. N. DE GAIA.
O seu estado de saúde não é o melhor, mas ainda está plenamente lúcido, apesar dos seus já 89 anos de idade e de tudo o que sofreu na favela Vila Velha. A sua intenção, quando partiu de França, no passado dia 28 de Outubro 2009, era regressar àquele local, mas ele próprio reconhece que já não se sente com forças suficientes para tal. Daí a razão do seu sofrimento ser ainda maior. O seu corpo encontra-se cá, mas o seu pensamento está permanentemente com aquela pobre gente e sobretudo com aquelas crianças. O seu desejo era acabar seus dias entre elas, como o expressou por escrito.
Para quem deseje contactá-lo pessoalmente, ou por carta, deixo a seguir a sua direcção:
Padre Henri Le Boursicaud
Rua de Sermonde 779
4415-115 SERMONDE (aos Carvalhos-Gaia)
PS-2. “Dá pão!...Dá pão!...”
Ai daquelas pobres crianças que, se não tiverem pão, hoje, amanhã, já mais crescidas, receberão facilmente do semeador da cizânia, do Evangelho, a droga que abunda em todas as favelas, como também nos locais mais chiques das grandes cidades... |
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J. A. Pereira Neto
JC
De ti cedo se apoderaram
Os donos do poder e das leis
Que a tua figura moldaram
Á imagem de príncipes e reis
E a tua palavra trocaram
Pelas ordens dos coronéis
Hipócrita astuto e felino
À sanha dos perseguidores
Preferiu o príncipe Constantino
A compra dos teus seguidores
E ao cântico do teu hino
Sucederam outros louvores
(Pelos requebros dos impérios
Outra música ecoou
Com o sabor dos impropérios
Que o Gólgota escutou)
Na ilusão de estarem libertos
Da tua palavra esquecidos
Foram os acessos abertos
E outros caminhos percorridos
Nem arriscados nem incertos
Cidadãos do império assumidos
E a tua palavra divina
Bem-aventurados sereis
Se um dia for vossa sina
Ter de morrer às mãos dos reis
Deixou de constar da doutrina
A que juraram ser fiéis
(E o grande festim começou
- Festim cristão, é bom frisar –
Nome que o príncipe usurpou
Para o seu poder reforçar)
Agora tudo ia ser diferente
O rei e o deus seu aliado
Afirmando conjuntamente
O seu poder divinizado:
Os doutores doutrinando a gente
E brandindo a espada o soldado
Papas e anti-papas sem fé
Bispos e demais dignitários
Sugando o tutano à ralé
Sem querer saber dos seus fadários
Perante a história em contrafé
Perversos traidores e falsários
Mas o teu espírito soprava
Mais forte do que a traição
E o teu mistério encandeava
Os homens de recta intenção
Que do teu espírito possuídos
E na tua fé confirmados
Foram pelo poder perseguidos
Mortos ou vilipendiados
.....................................................
Os teus intérpretes oficiais
São hoje arautos de valores
Mas aceitam como normais
As diferentes faces dos horrores
6-22 Outubro 2008 |
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FrancisCosta (1)
Desencontros
O amor tem destas coisas,
Na verdade, deixamo-nos corromper por um orgulho corrosivo,
E sofremos sozinhos como cães abandonados,
Preferimos viver, muitas vezes como um milhafre ferido,
E dificilmente nos vergamos, e não nos assumimos de apaixonados.
Passamos pelo nosso amor e, fingidos, desviamos o olhar,
Mas os nossos olhos discordam da mente,
E não há vento que leve o amor que se sente.
As insónias, a angústia e a agitação na cama,
As cartas que escrevemos, muitas vezes de madrugada,
A dor, o vazio, os suspiros de quem ama,
A frustração, o desespero e a luta pela pessoa amada.
Inventamos carinhos, desenhamos ternura,
Meu deus, tantos beijos simulados,
E dentro de nós nasce essa loucura
Que nos incendeia e nos deixa excitados.
Quantas vezes, nós sonhamos acordados
Ensaiámos e dizemos que amanhã é que vai ser,
Mas depois, estáticos e manietados,
Receosos, tímidos, não conseguimos dizer.
Os anos dissipam-se, esfumam-se e vão,
E cada um pró seu lado, parece um veredicto,
Diferentes comportamentos, que lesam o coração,
Vassalos que somos, é o orgulho maldito.
E subestimados, acabamos num altar,
É um refúgio, porém, um grande defeito,
Juramos fidelidade a quem connosco vai casar,
Mas a outra pessoa, aquele nosso amor, está cá dentro do peito.
Esse amor que nos queima, e nos deixa em delírio,
O mesmo amor que nos põe desolados,
Esse cancro que nos conduz a um martírio,
O amor faz de nós, leopardos domados.
Orgulhosos que somos, deitamos o amor a perder,
Essência fraca, esta que define o ser humano,
Porque muitas vezes, bastava dizer,
Meu amor! Eu preciso de ti, é a ti que eu amo… |
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FrancisCosta (2)
Páscoa?!
As entradas das casas lavadas, e os vidros das janelas cintilantes,
Os gradeamentos pintados, os cortinados alinhados,
As campanhas de limpeza, são desgastantes,
E os povos andam enganados…
Desperdiçam a água nos passeios,
Assassinam as flores para adornos,
Arrancam as ervinhas e asseiam os canteiros,
Que parvalhões que nós somos!
Milhares de Cristos andam fora,
Opas vermelhas e muita euforia,
Saem logo pela aurora,
Em ambiente de romaria…
É um festival pouco higiénico, o beijar dos crucifixos,
É o staff dos embriagados,
São os milhões de euros gastos em fogo de artifício,
Que saciariam milhares de esfomeados.
É a festa dos príncipes dos sacerdotes,
Dos escribas, dos pagãos, dos fariseus e da cruz,
Os mesmos que em tempos mais remotos,
Escarneceram e assassinaram Jesus…
Eis a Páscoa dos gentios, dos idólatras, dos idiotas,
A Páscoa do vinho, dos trajes, das guloseimas e do cabrito assado,
Dos paradoxais envelopes com as notas,
Que os asnos recolhem com astúcia e com agrado.
Assim vendem a imagem do Nazareno,
Com Cristos de lata, de bronze ou de madeira,
Invocam frases lindas, mas expelem veneno
E nem conhecem as palavras que Jesus proferiu na ceia.
Porque a Páscoa é sinónimo de libertação,
É a queda de um Império que matou Jesus Cristo,
A Páscoa celebra uma ressurreição,
E todos devemos reflectir sobre isto.
No dia de Páscoa, eu fujo pró monte,
Isolo-me e caminho ao cimo da montanha,
Gosto da reflexão e, olhando o horizonte,
Sinto-me livre e nenhuma religião me apanha. |
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Frei Betto (1)
Teólogo
Ética e Política
A “ética” neoliberal reduz-se às virtudes privadas dos indivíduos. Ignora a visão de institucionalidade ética. Assim, reforça a atitude paralisante do moralismo, que reduz a ética a uma ilusória perfeição individual. Ora, se a sociedade é estruturada, a ética é imprescindível para configurarmos o mundo histórico. Portanto, a ética exige uma teoria política normativa das instituições que regem a sociedade.
Como acentua Marilena Chauí, não basta falar em ética na política. A crítica às instituições geradoras de injustiças e negadoras de direitos exige uma ética da política. Criar espaços de criação de novos direitos. As instituições devem garantir a toda a sociedade a justiça distributiva - a partilha dos bens a que todos têm direito - e a justiça participativa, a presença de todos no poder – democracia – que decide os rumos da sociedade.
O grande desafio ético hoje é como criar instituições capazes de assegurar direitos universais. Isso supõe uma ruptura com a actual visão pós-moderna, neoliberal, de fragmentação do mundo e exacerbação egolátrica, individualista. Ainda que o ser humano tenha defeito de fabricação, o que o Génesis chama de “pecado original”, há que se criar uma institucionalidade político-social capaz de assegurar direitos e impedir ameaças à liberdade e à natureza. Isso implica suscitar uma nova cultura inibidora dessas ameaças, assim como ocorre em relação ao incesto, outrora praticado no Egipto, sem faltar os exemplos bíblicos.
De onde tirar os valores éticos universalmente aceites? Como levar as pessoas a perguntarem-se por critérios e valores? Hans Küng sugere que uma base ética mínima deve ser buscada nas grandes tradições religiosas. Seria o modo de passarmos das éticas regionais a uma ética planetária. Mas como aplicá-la ao terreno político? Mudar primeiro a sociedade ou as pessoas? O ovo ou a galinha?
Inútil dar um passo atrás e fixar-se na utopia do controle do Estado como pre-condição para transformar a sociedade. É preciso, antes, transformar a sociedade através de conquistas dos movimentos sociais, e de gestos e símbolos que acentuem as raízes antipopulares do modelo neoliberal. Combinar as contradições de práticas quotidianas (empobrecimento progressivo da classe média, desemprego, disseminação das drogas, degradação do meio ambiente, preconceitos e discriminações) com grandes estratégias políticas.
É concessão à lógica burguesa admitir que o Estado seja o único lugar onde reside o poder. Este alarga-se pela sociedade civil, os movimentos populares, as ONGs, a esfera da arte e da cultura, que incutem novos modos de pensar, de sentir e de agir, e modificam valores e representações ideológicas, inclusive religiosas.
”Não queremos conquistar o mundo, mas torná-lo novo”, proclamam os zapatistas. Hoje, a luta não é de uma classe contra a outra, mas de toda a sociedade contra um modelo perverso que faz da acumulação da riqueza a única razão de viver. A luta é da humanização contra a desumanização, da solidariedade contra a alienação, da vida contra a morte.
A crise da esquerda não resulta apenas da queda do Muro de Berlim. É também teórica e prática. Teórica, de quem enfrenta o desafio de um socialismo sem stalinismo, dogmatismo, sacralização de líderes e de estruturas políticas. E prática, de quem sabe que não há saída sem retomar o trabalho de base, reinventar a estrutura sindical, reactivar o movimento estudantil, incluir em sua pauta as questões indígenas, étnicas, sexuais, feministas e ecológicas.
Neste mundo desesperançado, apenas a imaginação e a criatividade da esquerda são capazes de livrar a juventude da inércia, a classe média do desalento, os excluídos do sofrido conformismo. Isso requer uma ideologia que resgate a ética humanista do socialismo e abandone toda interpretação escolástica da realidade. Sobretudo toda atitude que, em nome do combate à burguesia, faz a esquerda agir mimeticamente como burguesa, ao incensar vaidades, apegar-se a funções de poder, sonegar informações sobre recursos financeiros, reforçar a antropofagia de grupos e tendências que se satisfazem em morder-se uns aos outros.
O pólo de referência das esquerdas, em torno do qual elas precisam de se unir, é somente um: os direitos dos pobres.
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