Textos do
Jornal Fraternizar

Edição nº 179 de Outubro/Dezembro 2010

 DESTAQUE 1

A mentira de s.tiago-de-compostela

Mas ai de quem tentar abrir os olhos da mente

às multidões de oprimidos e de humilhados, de luxo que sejam!

 

Antes de existir S. Tiago de Compostela, todos os caminhos iam dar a Roma, a de César Augusto e a do Papa-monarca cada vez mais absoluto, e a Jerusalém. Mas pelo início do século nono, Roma já não era mais o que era. E Jerusalém havia sido tomada /conquistada /ocupada pelos Muçulmanos! Era, pois, imperioso inventar um outro local de peregrinação que tenha na sua origem uma crassa Mentira muito piedosa e muito beata. Quanto mais piedosa e beata, melhor, porque depressa será interpretada pelas multidões mais oprimidas e humilhadas como uma hierofania ou mani­festação do sagrado /divino, só ao alcance da visão de uma eleita, um eleito, de preferência, um pastor de rebanhos, ou um eremita; outrora, do género masculino; actualmente, do género feminino, ou dos dois géneros, ao mesmo tempo. Como se diz ter ocorrido por cá, em Maio de 1917, em Iria, já não a Iria da velha Mentira de são-tiago, mas a Iria da Mentira da senhora-de-fátima.

 

Não estranhem que isto aqui se es­creva, logo de entrada. Porque qu­an­to mais sagrado /divino, mais Inu­mano e provocador-causador de Inu­mano. Nas múltiplas tradições religio­sas, sagrado /divino e Inumano são pra­ti­ca­mente sinónimos. As multidões mais oprimidas e humilhadas sempre concebem o sagrado /divino à sua imagem e semelhança. E ninguém as con­vide a saírem quanto antes e defini­tivamente da sua condição de Opres­são e de Humilhação humanas, para, de uma vez por todas, se assumirem na História como seres humanos em estado de Liberdade e de Maioridade.

Não só não acatam semelhante con­vite, como ainda ficam furiosas com o mensageiro de tal convite. Ao ponto de se atirarem em bloco ao mensagei­ro e darem, logo ali, cabo dele à pe­dra­da, ou à dentada, ou atirá-lo às fe­ras, para que estas o devorem, enqu­an­to elas ficam das escadarias do circo improvisado, a ver o sádico espectá­culo.

Outro modo de reagir, porventura, menos sujo para as assassinas mãos de quem o faz, consiste em queimar o mensageiro numa fogueira pública, com as multidões em redor a reben­tarem de satisfação, numa espécie de animalesco orgasmo colectivo. Tal e qual como ainda hoje acontece, quan­do, inopinadamente, surge um “golaço” a 30-40 metros da baliza, num jogo de futebol, o dos milhões, metido com a violência de um estupro, na baliza da equipa adversária, por parte de um jogador-mercenário ao serviço do clube dito do coração (!!!), ou por parte de um jogador-mercenário ao serviço da selecção de um qualquer país que estoicamente (!!!) se bate por conse­guir e lá acaba por conseguir entrar no Mundial do dito dos Milhões.

 

O que havia antes de haver s. tiago-de-compostela?

 

Porém, o que havia, antes de exis­tir a imponente e medonha catedral dita de são-tiago-de-compostela? Ou acham que ela esteve sempre lá, des­de o início da Humanidade, senão mes­mo desde o início do planeta Ter­ra? Pois bem, o que hoje é são Tiago de Compostela, antes, foi, durante os primeiros 5 séculos desta nossa era co­mum, do I ao V, um povoado roma­no, onde se levantava a mansão roma­na de Aseconia.

Desapareceu e, em seu lugar, fi­cou uma necrópole, à letra, uma cida­de de cadáveres humanos sepultados, espaço de morte e, por isso, sagrado /divino, já que os mortos, quando o são, quase sempre, pelo menos entre as subculturas animistas, “viram” deu­ses familiares e de tribo, no assustado modo de sentir e de ver das multidões mais oprimidas e humilhadas. Daí, o culto que elas invariavelmente lhes de­dicam. Como escravas deles, que se sentem, sem a mais pequena possibili­dade de alguma vez se rebelarem contra tal Fatalidade /Indignidade.

Os actuais cemitérios do nosso ani­mismo ilustrado Século XXI aí estão, como outros tantos locais de culto do­méstico e tribal, feito de vaidade e, até, de ostentação. E não falta, até, quem viva quase exclusivamente para cuidar dos mortos, seja dos seus fami­liares mais próximos, seja dos seus ani­mais de estimação!!! Gostos. Me­lhor, maus gostos! Para lá de manifesta subcultura!

A necrópole durou, praticamente, até chegar o momento da grande Menti­ra de são-tiago que veio a dar o actual são-tiago-de-compostela, na Galiza.

Entre 820-830, mais coisa menos coisa, surge a Mentira, com os ingre­dientes da praxe em casos seme­lhantes: uma hieofania, como doentia­mente sempre “exigem” as multidões mais oprimidas e humilhadas, para de imediato passarem a adoptar a notícia como digna de crença (Fé, ao contrário de crença, é Lucidez que faz lúcidos /críticos, sujeitos /protagonistas os se­res humanos, enquanto a crença os faz tolhidos, semelhantes a vermes rastejantes!), ao ponto de, poucas horas ou dias depois, elas passarem a correr para o referido local. Nem que, para lá chegarem, tenham de deixar peda­ços de carne e de sangue, os seus, pe­los difíceis e inacessíveis, ou mesmo inexistentes, caminhos de acesso. Para que a hierofania possa ser tomada a sério, tem de ocorrer de preferência em locais de difíceis e arriscadíssimos acessos. O que houver de pior!

Reza a Mentira de são-tiago-de-compostela que, por esses anos, início do século nono, um pastor ou um ere­mita viu uma estrela a rasgar os céus (como se, alguma vez, as estrelas an­das­sem por aí em loucas ou mansas cor­rerias por cima das nossas cabe­ças!). Seguiu-a com o olhar, sem ela nunca o cegar, para descobrir qual o local que ela ia indicar, já que as es­tre­las não comunicam por palavras. É pena, porque assim, sempre podíamos estabelecer conversa e esclarecer tudo tintim por tintim.

Viu o pastor ou o eremita, mais eremita que pastor de rebanhos (e já iremos saber o fundamento desta or­dem de nomear, eremita, ou pastor de rebanhos) que a estrela apontava para um túmulo, naquele chão que havia sido necrópole. Deu-se por informado e nem sequer se deu à curiosidade de ir ver por ele o que haveria de es­pe­cial nesse túmulo, para vir uma es­tre­la guiá-lo até ele.

Foi logo a correr dar a notícia ao Bis­po da Diocese de Iria Flavia, Teodo­miro, de seu nome de baptismo em água, já que é clérigo católico romano, grande senhor das terras, grande par­te das quais ainda despovoadas e sem braços que as trabalhem para ele, que é o dono-gestor delas, bem co­mo dos cultos religiosos pagano-ca­tólicos espalhados pelo território e obri­gatoriamente frequentados por multidões de oprimidos e de humilha­dos, servos da gleba, desgraçados sem eira nem beira.

“Campo da estrela”, como reza a Mentira, dá, obviamente, Campostela, hoje, Compostela. O Bispo Teodomiro, grande senhor das terras, correu sem mais delongas ao local, sob a sua juris­dição eclesiástica, mandou escavar e – diz o relato da Mentira Institucional – deram logo com os restos de três ca­dá­veres, entre tantos que por ali ha­veria, já que aquele chão fora uma necrópole.

Ao Bispo Teodomiro só interessava que os cadáveres fossem restos de al­guém da sua Igreja e do seu Cristianis­mo católico romano. Nada de cadáveres de outros humanos, romanos pa­gãos, por exemplo, que andaram por ali, durante cerca de cinco séculos. Ou mesmo de outros povos que morreram sem nunca terem sido molhados, ao nascer nem depois pelo resto da vida, com a água do baptismo católico roma­no. Aqueles restos imaginários só po­diam ser: um, do apóstolo Tiago, deca­pitado por Herodes, por volta do ano 40, século I, em Jerusalém; e os outros dois, tinham de ser forçosamente de dois discípulos desse apóstolo. A estre­la que veio por aí abaixo alertar um eremita ou pastor de rebanhos não o faria por menos. Nunca se teria dado a esse incómodo de sair da sua órbita, se os três cadáveres não fossem, res­pe­ctivamente, como exigia o bispo Teo­domiro, o do apóstolo Tiago e de dois dos seus discípulos.

 

Como vieram ali parar

 

Porém, difícil, muito difícil, seria depois explicar como é que o cadáver do apóstolo Tiago, decapitado por He­ro­des pelo ano 40, em Jerusalém, vie­ra parar àquele chão que, nesse pre­ciso ano 40 e nos muitos anos seguin­tes, era dos romanos, cujos exércitos ocupavam também Jerusalém. E que, agora, à altura do “achado”, era chão propriedade da Diocese do Bispo Teo­do­miro, grande senhor das terras.

Mas só no universo da Verdade é que as coisas são difíceis de explicar e de provar. Não assim, no universo da Mentira /Idolatria. No universo da Mentira /Idolatria, o que é imperioso é que o relato tenha contornos de ma­ra­vilhoso e de coisa impossível. As mul­ti­dões mais oprimidas e humilha­das rejubilam com o maravilhoso e o impossível. Dizem logo: Este local só pode ser sagrado /divino. E, para pre­servarem semelhante Mentira da fe­cunda influência da Verdade que as faria livres a elas, se elas a acolhes­sem, as multidões são até capazes de arriscar e chegar a perder a própria vida. Elas acham, na sua Opressão e Humilhação, que, quando elas perdem a própria vida na defesa da Mentira /Ido­latria, “viram” logo heróis populares, santos populares, com lenda e tudo!

O mentiroso relato explica então que, depois do apóstolo Tiago ter sido de­capitado, o seu cadáver foi recolhido por discípulos e metido numa barcaça posta a navegar sobre o mar Mediterrâ­neo que, como se sabe, fica muitos qui­ló­metros distante de Jerusalém. A barca­ça navegou, durante sete dias (nestas coisa da Mentira /Idolatria tem de ser sete, ou um múltiplo de sete, para que a Mentira passe a Verdade), ao fim dos quais deu à costa norte da actual Galiza. Onde foi, finalmente, sepultado. Sem ninguém ter sido sabedor, nem do ca­dá­ver do apóstolo decapitado, nem do local (E como haveria de se saber, se é tudo Invenção, Mentira?!).

Apenas oito-nove séculos depois, é que a referida estrela veio sinalizar ao eremita ou pastor de rebanhos o lo­cal do túmulo. E - espanto dos espantos! - os restos ainda lá estavam, à espera de serem encontrados, dentro de uma arca de mármore (admira, não ser de ouro!), ao fim de todos estes séculos, para serem, finalmente, postos a vene­ração /adoração das multidões de opri­midos e de humilhados.

Disse bem. À veneração /adoração das multidões de Oprimidos e Humilha­dos. Como é que estas multidões, hoje, quase a totalidade dos povos da Terra, haveriam de suportar as suas opressões e humilhações, sem este tipo de culto, de religião, de ópio?! Por favor, tenha­mos coração – apelam insistentemente os seus fabricadores /verdugos, mai-los seus intelectuais de serviço – e demos-lhes overdoses sobre overdoses de cultos, de religião, de futebol dos mi­lhões, de nove­las, numa palavra, de ópio. Que para isso é que existem Sa­cerdotes de todos os gostos e feitios, religiosos-clérigos, uns, seculares-lai­cos, outros. Mas todos ocupados, dia e noite, no fabrico e no fornecimento des­sas overdoses de ópio, umas de um tipo, outras de outro. Ópio, todas.

E ninguém pense em meter-se de permeio neste circuito, com a missão maiêutica de alertar as multidões de oprimidos e de humilhados. Nem sequer as multidões de oprimidos e de humi­lha­dos querem a Verdade como alimen­to. Elas intuem que a Verdade, se for acolhida /mastigada /digerida pela sua mente cordial, as resgatará da sua condição de Opressão e de Humilha­ção e fará delas sujeitos, protagonis­tas. E, por isso, evitam-na, a todo o cus­to. Porque as multidões de oprimi­dos e de humilhados não é a Verdade que querem. A Verdade dava-lhes mui­to trabalho e muitos trabalhos. À Ver­da­de, preferem mil vezes a Mentira /Idolatria. Por isso, sempre correm para todo o tipo de Sacerdotes, clérigos ou laicos. Querem, a toda a força, cultos e mais cultos, religiosos ou laicos. Ali­mento /Pão feito de Verdade, nem pensar!

 

Como tudo chegou ao Século XXI

 

Tivesse ficado por aqui a Mentira, e não teria tido pés para andar, como andou até ao nosso Século XXI. Porém, ao Bispo Teodomiro, senhor daquelas terras, interessava tirar proveito desta Mentira. Por isso, depressa tratou de mandar edificar um mosteiro de mon­ges naquele ex-necrotério (vêem porque terá sido um eremita-monge a dar pela estrela, mais do que um pastor de rebanhos?!), a fim de atrair populações e fixá-las por aquele chão, até então ainda sem lhe dar lucros.

Ao bispo católico romano, juntou-se de pronto o seu vassalo-mor, o rei Afonso das Astúrias, que, na altura, pre­cisava, como de pão para a boca, de conseguir a coesão interna do rei­no, assim como o temido respeito dos de fora dele. E o que decide o rei em afli­ção fazer? O melhor e o mais eficaz que encontrou, foi decretar e fazer anunciar, dentro e fora do seu reino, uma peregrinação de toda a Cristan­dade a um novo lugar sagrado /divino, hierofánico, para se ser mais preciso nos termos, acabado de inventar /des­co­brir pelo bispo Teodomiro, senhor das terras e seu senhor, também.

O anúncio apanhou todos de sur­pre­sa, mas logo granjeou inúmeros ade­ptos, famintos que estavam, em to­da a parte, de um novo local de peregrinação, para, assim, poderem conti­nu­ar a auto-flagelar-se até ao Inuma­no. Roma, a de César Augusto e do pa­pa, deixara, por então, de atrair, como local de peregrinação. Jerusa­lém estava, agora, nas mãos do Muçul­manos, que não permitiam ninguém da Cristandade meter lá pé. Só mesmo a invenção de um novo local de pere­grinação que mobilizasse as multidões de oprimidos e de humilhados da Cris­tandade

O rei, vassalo do Bispo Teodomiro, senhor das terras e dele, manda, en­tretanto, construir um pequeno templo na antiga necrópole ou cidade dos cadá­veres sepultados, um local pratica­men­te desértico. E as multidões de opri­midos e de humilhados de todo o lado começam a rumar a pé em direc­ção ao novo local de peregrinação. To­dos os caminhos, ainda por abrir, e carreiros passam, desde essa altura, a ir dar a são-tiago-de-compostela, cujo apóstolo decapitado por Herodes no ano 40, obviamente, nunca lá este­ve, nem em vida, muito menos, depois de assassinado em Jerusalém! Mas que querem?

As multidões de oprimidos e de hu­milhados da Cristandade Ocidental e de todas as outras Cristandades, lai­cas que se digam, é do que gastam e do que consomem, geração após ge­ração. Já que ir às causas da sua O­pres­são e da sua Humilhação custa-lhes o caraças, para além de muitas perseguições, movidas pelos senhores das terras e quejandos, hoje, parti­cu­larmente, os do Grande Poder Político nuclearmente Armado e os do Grande Poder Financeiro Global.

A igrejinha do início (tal como su­ce­deu também com a Mentira-da-se­nhora-de-fátima), depressa veio a dar lugar a uma grande igreja, depois, convertida em basílica, até chegar à sinistra e esmagadora catedral que ho­je lá se levanta. Para, assim, as multi­dões de oprimidos e de humilhados poderem continuar a ir lá de peregri­nação, sobretudo, nos chamados anos compostelanos (aqueles em que o dia 25 de Julho, o de são-tiago, no calendá­rio católico romano, cai ao domin­go!), oriundos dos mais remotos recan­tos da Europa e do mundo, onde sobre­vivem.

Hoje, as multidões de minorias endinheiradas, peregrinam em boas con­dições e sem qualquer esforço-sa­cri­fício pessoal. Já as multidões de oprimidos e de humilhados, roubadas de tudo, peregrinam de rastos, ou a pé, ou de bicicleta de pedal, com noites ao relento, como vermes. O que lhes importa, a todas, é chegar lá, à beira daquele monstro sagrado /divino, que devora a Dignidade de quem lá entra e, para cúmulo, depois, ainda confessa, com aquela satisfação que o ópio sempre dá a quem o toma em doses reguladas, que se sente lá bem.

Tanta Mentira junta /tanto Ópio junto, só pode en­cher de satisfação as multidões de oprimidos e de humilha­dos, endinheiradas que elas sejam, porque, neste último caso, o são apenas para seu proveito e opressão dos de­mais, não para proveito de todos os se­res humanos, como manda a Verdade, mãe da Liberdade e da Maioridade. Mas à Verdade, quem a acolhe /come /masti­ga /digere /pratica?

 

A notoriedade, depois de pesado revês

 

Em finais do Século XV, a Mentira de são-tiago-de-compostela sofre um pesado revês. A peste negra que atingiu a Europa (nem o santo lhe valeu! E co­mo haveria de valer, se este tipo de hierofanias só se alimenta de Dores e de Sofrimentos sem conta, pelo que uma peste como a negra que dizimou milha­res e milhares de pessoas, é o cúmulo do culto desencadeado pela Mentira!), fez diminuir drasticamente o número de peregrinos. Não havia gente!

A juntar à peste negra, houve ainda o risco do túmulo ser roubado ou des­truí­do pelo pirata Francis Drake (como vêem, o são-tiago só dá trabalho, nem de si próprio cuida, como há-de cuidar e defender as multidões de oprimidos e de humilhados que lá vão por so­corro?!). De modo que o arcebispo s. Clemente, por então o novo dono do lugar, decidiu esconder a arca com os restos (!!!).

Escondeu-a tão bem, que nunca mais ninguém soube dela. Tão pouco, veio outra estrela indicar onde ela havia sido escondida. Só cerca de 300 anos depois – 1879 – trabalhadores dumas obras, dentro da catedral, deram com ela, por mero acaso. Os gestores da ca­tedral anunciam então o achado ao mundo. Mas nem assim as multidões de oprimidos e de humilhados regres­sa­ram em força aos caminhos das pere­grinações que levavam à catedral de s. Tiago de Compostela.

A notoriedade da Grande Mentira que é hoje são-tiago-de-compostela só atingiu o seu zénite, quando, já em  finais do Século XX (1982), o sucessor do antigo César de Roma, o papa-chefe de estado João Paulo II, e chefe dos distribuidores /vendedores de uma das muitas variedades de overdoses de ó­pio, a religiosa católica romana, decidiu fazer-se, ele próprio, também peregrino (de luxo, já se vê, ou ele não fosse o chefe de estado do Vaticano e da Cris­tan­dade católica romana).

Foi, não a pé, mas pelos ares, como outrora a estrela. E aterrou em s. Tiago de Compostela, hoje a capital da Ga­liza, e, deste modo consagrou, definitivamente, como Verdade, a Mentira das Mentiras que é tudo Aquilo (assim mesmo, um pronome Maiúsculo, em vez da Coisa, já que não há Ninguém envolvido no caso, a não serem os pró­prios fabricadores de toda esta Mentira /Idolatria e todas as suas inúmeras Ví­timas!). E não é que, até, o seu ime­diato sucessor, Bento XVI, não lhe quer ficar atrás em nada, no que respeita à descarada Idolatria religiosa, que é todo o culto da Mentira de aparições e quejandos, e já anunciou ao mundo que, em Novembro próximo, deste ano 2010, também vestirá a roupa de pere­grino, de luxo, já se vê, rumo à catedral da Mentira /Idolatria são-tiago-de-compostela!? Assim irá ser.

 

A romaria das multidões de oprimi­dos e de humilhados continuará, por isso, a brilhar cada vez mais, como Tre­va ilustrada que é, até porque, actualmente, as televisões todas da Europa e de outras partes do Mundo, estão aí, precisamente, para difundirem tudo ao pormenor mais caricato. Uma romaria, com a bênção, o patrocínio e a condução /gestão da Cúria Romana da Igreja católica. Uma operação reli­gioso-pagã idolátrica que nos envergonha /humilha a todos nós, os seres humanos e os povos do Planeta. E ao próprio Planeta, que deveria ser a nos­sa casa comum e, assim, é, cada vez mais, a nossa necrópole comum!


 

VP e S. Tiago

"S. Tiago, um Patriarca do Noroeste Peninsular". A frase faz o título maior e quase único da primeira página de VP-Voz Portucalense, edição de 21 de Julho de 2010. O título é suportado por um texto completo e uma foto, em grande, de uma imagem de "S. Tiago", ­posta, cer­tamente, à vene­ração /adoração das populações, na igre­ja de Ferreira (em vez disso, deveria, quando muito, fi­gu­rar num museu, dito de "arte sacra!).

O Semanário VP é o órgão oficioso (ou oficial?) da Igreja do Porto. Tem, por isso, responsabilidades acresci­das, no que respeita aos conteúdos, nomeadamente, os conteúdos que "mexam" com a formulação /explicitação da Fé, a mesma de Jesus. Da qual, de resto, nunca se chega a falar, nas sucessivas edições do Semanário. Fala-se exclusivamente de "Fé cristã" /religiosa, sem nunca advertir, quem a usa, que "Fé cristã" /religiosa pode não ter nada a ver com Jesus, o camponês-carpinteiro de Nazaré, o filho de Maria e irmão de Tiago e José, de Judas e Simão (cf. Marcos, 6, 3).

Acontece que o Texto (não assinado, por isso, ainda com mais cobertura Editorial do Semanário), que dá suporte ao título, procura, logo no segundo parágrafo, informar as leitoras, os leitores sobre quem é S. Tiago. E é aqui que as coisas não batem certo. No mais do Texto, também não, pelo menos, no âmbito da Teologia de Jesus. Ain­da que já bata certo, no âmbito da Teologia idolátrica do mítico Cristo e da Fé pagano-religiosa do Cristianismo que a Igreja católica romana, ou Cristandade, cultiva e difunde, através das chamadas Missões. Sem nunca se chegar a dar conta de que entre o mí­tico Cristo e Jesus, o camponês-carpinteiro, o filho de Maria, há um abismo intransponível. Mas, neste particular, nem a VP, nem quem a dirige têm culpa, porque o Insti­tucional Eclesiástico Católico Romano é por essas míticas águas que oficialmente navega, e obriga os seus mem­bros institucionais a navegar. Sem nunca, mas mesmo nunca, querer nada com Jesus, o filho de Maria, a não ser do seu nome. E, mesmo o nome Jesus, quase sempre acoplado ao mítico Cristo, na mítica designação, Jesus-Cristo.

 

O Autor do destacado Texto parece desconhecer que o II volume do Evangelho de Lucas (sistematicamente, chamado "Actos dos Apóstolos" e até apresentado na Bíblia como livro autónomo, depois dos quatro Evangelhos, o que não é de todo inocente!...) faz referência, nos primeiros dos 28 capítulos, a dois "Tiago". Há o Tiago, ex-grupo dos Doze, au­todissolvido na altura da prisão e Morte Crucificada de Jesus; e há o Tiago, irmão de Jesus (não, não é "Tiago, filho de Alfeu", como pretendem fazer crer certos biblistas demasiado eclesiásticos!),que nunca foi dis­­cípulo de Jesus, nem sequer dos Doze. Pelo contrário, foi sempre o opositor-mor de Jesus. Chegou, até, ao cúmulo de, junta­mente com outros familiares de sangue de Jesus, mãe incluí­da, tentar "ter mão nele", porque o tinham por "louco" (cf. Marcos 3, 21: "E quando os seus familiares ouviram isto, saíram a ter mão nele, pois diziam: «Está fora de si» [= está louco]").

Ora, pouco tempo depois da Morte Crucificada de Jesus, é este mesmo Tiago anti-Jesus que, inopinadamente, aparece, em força, com os familiares, mãe incluída, na "sala de cima", em con­fronto com Pedro (o chefe dos ex-Doze que havia negado Jesus, por três vezes, isto é, totalmente). Acaba por conse­guir fazer-se entronizar como chefe-mor da Igreja de Jerusa­lém, sedeada no respectivo Templo, esse mesmo Templo que Je­sus havia simbolicamente des­truído e, por causa do que, nessa mesma semana, foi assassinado na Cruz do Impé­rio! Por decisão dos sumos-sacerdotes, os chefes  do Templo!!!

Tiago, ex-Doze, foi mandado decapitar pelo rei Herodes, nos inícios dos anos 40. E o II volume do Evangelho de Lu­­cas não regista qualquer protesto, por parte de Tiago, irmão de Jesus. Nem, tão pouco, por parte de Pedro. Ainda que a este, o mesmo Herodes, depois de ter mandado matar Tiago, mande também prender Pedro. O que significa que o Judeu Tiago, anti-Jesus, chefe da Igreja de Jerusalém, não terá feito qualquer protesto, nem pela morte de um, nem pela prisão do outro, pelo contrário, terá, até, discretamente apro­vado semelhantes decisões do Poder Judeu. Embora, o II volume do Evangelho de Lucas não leve tão longe a sua denúncia. Mas também não diz, ex­­plicitamente, que o Judeu Tiago, chefe da Igreja de Jerusalém, condenou tal crime. E, só por is­so, lá pôde prosseguir, sem problemas, à frente da Igreja de Je­ru­­salém, até inícios dos anos 60, quando foi assassinado, provavel­mente, num linchamento popular.

Pois bem, o Autor do Texto de primeira página de VP, praticamente converte os dois "Tiago" num só. E quase tudo o que es­creve sobre Tiago, é do Tiago, chefe da Igreja de Jeru­salém. Mas o Autor do Texto, ao escrever, está sempre a pensar que é Tiago, ex-Doze, que o rei Herodes mandou decapitar nos inícios dos anos 40! Chega, até, a dizê-lo expressamente: "foi mandado decapitar pelo tetrarca Herodes, com o que [Herodes] terá agradado aos chefes judaicos, facto que o levou também a prender Pedro (Act. 12)". Porque o Autor sabe que é este Tiago, ex-Doze, que está na origem da Mentira /Idolatria de "são-tiago-de-com­postela". E não o outro. Desse, o rei Herodes gostava muito. Ambos eram chefes, ambos eram Judeus, am­bos eram anti-Jesus e anti-Movimento das, dos de Jesus que, em Jerusalém, for­mavam uma Comunidade Clandestina que reunia, não no Tem­plo, mas na casa de Ma­ria, a mãe de João Marcos, a cuja porta, Pedro, depois de, finalmente, se libertar da prisão-da-Lei-de-Moisés-e-do-Judaísmo, irá bater. Enquanto no Templo, Tia­go, o irmão opositor de Jesus e fanático da Lei de Moisés, prosseguia no seu Judaísmo-com-mítico-Messias, ou "Cristo" vitorioso. Só que nem sequer é a este Tiago que se refere o título do Texto, "Pa­triarca do Noroeste Peninsular". Semelhante título é escrito, a pensar no Tiago, ex-Doze. por sinal, um título com tudo de mítico, diga-se!

O mais grave, porém, é que, na edição seguinte, não aparece nenhuma rectificação, por iniciativa Editorial, nem sequer numa página interior. Há apenas, na "Tribuna do Leitor", a "emenda" de um, comentada pelo Director, mas que, tudo somado, resulta ainda pior do que o soneto!...


 

Paulo Coelho e S. Tiago

O que tem a ver o conhecido autor de livros carregados de esoterismo e de espiritualismo comercial, um misto de delírios e de negócios, de fantasias e de coisa nenhuma, Paulo Coelho, de seu nome, brasileiro de nascimento e de residência, com S. Tiago de Compostela, o da Mentira /Idolatria, pura invenção do bispo Teodomiro e do rei Afonso das Astúrias? Nada e muito. Nada, porque zero é a sua contribuição pessoal para o desmascaramento da Mentira /Idolatria. E muito. Porque, então, não é que até ele, autor de livros, de renome dentro do universo do espiritualismo-ópio, também se fez aqui há tempos, "peregrino" pelos "caminhos-de-são-tiago", recolheu umas notas de viagem e, com elas, escreveu mais um dos seus fantasiosos livros, a promover o que deveria denunciar? O renascimento, hoje em crescendo, da "peregrinação a são-tiago-de-compostela" também fica a dever-se a esse seu livro. Depois da decisiva contribuição institucional do beato papa João Paulo II, Paulo Coelho será um dos que mais contribuiu para a implantação da Mentira /Idolatria, pelo menos, junto de um certo tipo de gente-bem, muito chique, que gosta de se entreter com Futilidades e se alimenta de Futilidades, porque fúteis são também os seus viveres, sangue-sugas dos pobres, bem piores que os parasitas. Não o fez por ingenuidade, mas por sagacidade, a mesma do lobo e da raposa, neste caso, lobo e raposa humanos, sempre à espreita da melhor oportunidade para "apanhar" a sua presa e, assim, garantir a manutenção dos seus privilégios. Para cúmulo, a toda esta gente-bem, vai juntar-se o papa Bento XVI. Porque as finanças do Vaticano assim lho exigem. E ele, se quer manter toda aquela ostentação, tem de se fazer "peregrino" de "são-tiago-de-compostela". Que Obsceno!!!


 

DESTAQUE 2

O que falta dizer sobre Saramago

Plagiou o camponês-escritor, João Domingos Serra, de Lavre,

e, depois, deixou-o viver-morrer na miséria e no esquecimento!

 

  • Emocionado testemunho de uma prima-neta da vítima que Jornal Fraternizar

aqui divulga. Para que conste. E haja, pelo menos, pudor, quando falamos dos Nobel

 

"Saramago, ou João Domingos Serra?" A pergunta é da neta de um primo deste último. Fá-la, quando, após a morte do Escri­tor, em 18 de Junho 2010, se vê obrigada a ter de ouvir, dias seguidos, elogios sobre elogios ao Nobel da Literatura 1998, e nenhuma referência a João Domingos Serra, nem ao seu Diário manuscrito, que Sarama­go, depois de ter sido afastado do DN, onde foi o Director-adjunto editorialista, durante o chamado período revolucionário, recebeu, de graça, das mãos do próprio, em Lavre, teve-o com ele, meses e meses, dactilografou-o, palavra por palavra, para poder ficar com ele e, depois, lá acabou, finalmente, por tecer o seu Levantado do Chão. Sem, em momento algum, informar as leitoras, os leitores, nem, ao menos, no texto que assina na contracapa! De modo que, quem leu as suces­si­vas edições e tradu­ções, em várias línguas, de Levantado do Chão, desconheceu, sempre, que estava a ler o miolo, e, até, o estilo literário, do Diário escri­to com o suor e o san­­gue de João Domin­gos Serra, um camponês assalariado /explorado do Alentejo, Crucificado pelo Latifúndio e pelos latifundiários! Só, este ano de 2010, em Maio, dois meses antes da  morte, e, provavelmente, num rebate final da sua própria consciência, é que a "sua" Fundação edita em livro esse monumental Diário, com um título de todo anó­dino, incolor, Uma Famí­lia do Alentejo! No Prefácio que assina nessa edição, Saramago revela, enfim, ao mundo, o plágio, sem o con­fessar como tal. E também sem ressarcir os filhos de João Domin­gos Serra, já falecido, no remoto ano de 1982, em 19 de Agosto, de uma substantiva parte dos direitos de Autor, a que o Pai deles tinha direito, como co-Autor. Quando, em boa verdade, o miolo e até o estilo de Levantado do Chão é do Escritor Maior, Camponês assalariado do Alentejo, João Domingos Serra.

Jornal Fraternizar divulga, aqui, em primeira mão, as emocionadas palavras /lágrimas?! que o seu Director, recebeu, por e-mail, da familiar de João Domingos Serra. E toda a sequência de e-mails que o primeiro deles desenca­deou. A familiar em causa faz questão de dar o nome, a pró­pria vida, se necessário, para Levantar do Chão do Esquecimento João Domingos Serra. E os seus Filhos! Eis.

 

1.º E-mail

Hoje (19 Junho 2010), muitos lembram José Saramago. Eu prefiro lembrar João Serra. E, assim, também, José Saramago, naquilo que é, para mim, revelador, também, da sua personalidade.
João Serra, que foi primo direito do meu avô, é um homem da Vila de Lavre, onde sempre viveu em condições de bastante pobreza.
João Serra, ainda mais do que qualquer outra pessoa de Lavre, recebeu José Saramago em sua casa, oferecendo-lhe o que tinha, oferecendo-lhe histórias de vida, contos (que o escritor gravava)... e Amizade. Para além destas coisas, João Serra emprestou a Saramago o seu Diário, que o escritor levou consigo para Lisboa e o enviou, mais tarde [pelo correio], quando já tinha acabado de escrever “Levantado do chão” (motivo pelo qual [anteriormente] se deslocou a Lavre - recolher dados… inspiração..). Neste Diário, João Serra relata, à sua maneira, a sua vida, as suas histórias. As histórias verdadeiras e duras de vida de fome, de doença, de doenças e mortes na família, da sua prisão [por duas vezes, no Aljube e em Caxias], por distribuir o “Avante” dos “comunistas”, com os quais se identificava pelas coisas que diziam a favor dos pobres... e onde escreveu também o seu dia a dia, histórias/dizeres contadas e re-contadas, histórias das suas intervenções culturais na terra, na Casa do Povo, com o Rancho folclórico, com a Banda de Lavre, com Teatro, etc. (apesar das dificuldades da vida, João Serra animava, fazia Crescer os Outros, na terra, a troco de Nada, claro!)
Pois este Diário que li, eu e mais alguns familiares, deveria, esse, sim, muito mais que “Levantado do chão”, ser publicado um dia. João Serra continuou, claro, este seu Diário, depois de o ter recebido de volta, pelo correio, de Saramago. E continuou contando a sua vida através dele. João Serra continuou a relatar, aí, a sua pobreza extrema, a doença que levou sua mulher, por falta de dinheiro para pagar tratamentos, entre outras coisas, más e boas. E refere-se a Saramago com a tristeza de o ter julgado um amigo “um camarada”. Sem o acusar, fala da tristeza que sentiu por o dito “camarada” nunca mais ter dito nada, nunca mais ter aparecido em sua casa, sequer para saber como passavam todos. Enquanto Saramago vendia “Levantado do chão”, baseado essencialmente na sua vida e nas suas histórias, ele, João Serra e a sua família, continuavam na miséria e acima de tudo, diz este meu primo, sem uma carta, uma visita, uma demonstração de Amizade, lembrança, recordação de alguém, que o havia recebido em sua casa e confiou nele sem limites.

Numa primeira edição de “Levantado do chão”, Saramago dedica: ”À Isabel, sempre. A João Domingos Serra e João Basuga, e também a Mariana Amália Basuga, Elvira Basuga, Herculano António Redondo, António Joaquim Cabecinha, Maria João Mogarro, João Machado, Manuel Joaquim Pereira Abelha, Joaquim Augusto Badalinho, Silvestre António Catarro, José Francisco Curraleira, Maria Saraiva, António Vinagre, Bernardino Barbas Pires, Ernesto, Pinto Ângelo - sem eles não teria escrito este livro.
À memória de Germano Vidigal e José Adelino dos Santos, assassinados.”
Que bonito, são as dedicações num livro de um escritor conhecido!
Será que todas estas pessoas “sem as quais não teria escrito este livro” ficam vivas, assim?  Ou serão, antes, assassinadas, de novo? Quem acabou sendo o centro das atenções, com este livro sobre “Monte Lavre”? José Saramago, ou as pessoas que re-inventou em personagens (de forma bastante grosseira e simplória, diga-se)?
José Saramago foi o centro das atenções (como qualquer narcísico da laia dele) e inchou em estatuto, poder e dinheiro, à custa das pessoas que hipocritamente refere como vítimas. E fala das vítimas deste mundo (como muitos por aí), apenas para fazer inchar o seu ego: alimenta-se das vítimas (sem elas não era “ninguém”, nem teria ganho milhões). Nas recentes edições já nem existem as dedicatórias...
José Saramago fala. José Saramago escreve. Mas existem Pessoas que Vivem, e sobrevivem, e que Fazem (sem nunca quererem enriquecer em dinheiro) e que Fazem também pelo Crescer dos outros, animando-os, incentivando-os. Que Vivem e Fazem conforme aquilo que dizem, escrevem, defendem. E não recebem Nada em troca, para sobreviver minimamente, como qualquer pessoa deveria ter direito. Ao contrário de Saramago que aceitou, sempre, receber dinheiro, muito para além do que muitos seres humanos juntos precisam para sobreviver.
Mas, ao menos, Aqueles que Agem, segundo os princípios que Saramago “defende”, Recebem, por vezes, Amizade, companheirismo de outros companheiros seus (não de hipócritas como Saramago).
Já era hora de João Serra e outras e outros como ele serem, realmente, lembrados, eternizados em documentos, livros... e, assim, ganharem novos companheiros, ganharmos todas e todos [em Humano], animarmo-nos todas e todos com as suas experiências.
Quem conhece João Serra? E outros(as) como ele? E Quem se Anima, Incentiva com ele e a sua forma de vida de luta e de fazer os outros Crescerem? Ninguém... (e através da obra de Saramago, ninguém...). E quem conhece José Saramago e se “anima” e “incentiva” com ele e a sua forma de vida da retórica e da farisaica “defesa dos oprimidos” e do enriquecer? Milhões!
Claro! é o mundo estéril em que vivemos, cheio de “pessoas” estéreis, manipuladoras (disfarçadas), que se alimentam de pessoas para incharem em estatuto, poder, dinheiro - fábricas de criação de outras “coisas”, à imagem deles. Fábricas feitas por outras fábricas, ainda maiores, de dinheiro, muito dinheiro, todo ele para uns poucos “seres-mortos-vivos”...
Vivam João Serra e os Homens e Mulheres como ele! Por mais que morram fisicamente não morrem nunca! ... se nós quisermos... E Haja [mais] Pessoas e menos “artistas”!...

 

Resposta do Director JF

Olá, Inês Ramos

Gostei muito desta Crónica Maior. Por favor, quem a escreve? A Inês? Ou a Inês recebeu-a e reencaminhou? Diga-me, por favor. Se souber, é claro. Ah! E como ter acesso ao Diário de João Serra? Não se consegue uma fotocópia?! Ainda ninguém o digitalizou?!

A minha gratidão antecipada.

 

2.º E-mail

Olá, Bom dia, Padre Mário!
Fui eu que escrevi este texto. João Serra era primo do meu avô Florindo Lopes. Eu nunca conheci pessoalmente este primo-avô, infelizmente. Mas li, há uns anos, já, este Diário que foi dado, em fotocópia, à minha avó Belmira. E tenho ouvido o que a minha mãe tem dito acerca de João Serra e das suas (antigas) actividades na terra.
Todos, lá em casa, o lemos.
Aqui, há uns tempos, os meus pais quiseram digitalizá-lo e fazer uma edição. Para isso a minha mãe falou com uma prima, filha de João Serra, Dinora, que ainda vive lá em Lavre.
Esta prima achou bem, mas embora tenha brincado com a minha mãe, enquanto criança, já não a conhece bem e ainda menos o resto da família... A prima disse que ela e os outros filhos de João Serra nem podiam ouvir falar no Saramago e, em geral, desconfiam de toda a gente. E, ainda por cima, quase todas as pessoas, na Vila, compraram (orgulhosamente) “Levantado do chão” (mesmo que não o leiam) e ficam todas contentes cada vez que se fala em Lavre, na TV, por causa dele. À família, ainda pobre (pelo menos os que vivem em Lavre), de João Serra, praticamente ninguém liga. Há uns tempos, foi feita em Lavre uma mediateca com o nome de Saramago. O mesmo aconteceu numa terra ali próxima, Cortiçadas do Lavre, onde fizeram um “Centro Cultural José Saramago”

que, penso, poucos frequentam... tal como a mediateca de Lavre, sempre vazia... (penso eu). Enfim, a minha mãe explicou que podia fazer (sem custos para os primos) a edição do Diário e que qualquer possível lucro seria para os filhos, família próxima de João Serra. Esta prima disse que iria falar com os irmãos, em particular com um deles. Mais tarde, tivemos uma resposta negativa. O irmão desta prima Dinora, segundo ela disse, mostrou-se muito desconfiado, mandou dizer que não estava interessado e que queria de volta a fotocópia que nós tinhamos.
Nisto, a minha mãe entregou a encadernação à prima Dinora e escreveu uma carta a esse primo dizendo que esperaria, gostaria, que algum dia o Diário fosse publicado por uma editora (talvez maior...) em que eles confiassem e que tivessem muita sorte. A minha mãe entendeu ficar, sem o primo saber, com uma cópia, só para nós lermos, uma vez que tinha sido oferecida por um familiar de João Serra à minha avó.
Eu gostaria bastante de, ainda, convencer estes primos afastados a divulgar o Diário do seu pai. Mas eu ainda sou uma familiar mais afastada, que eles nunca viram, e desconfiam de todos. Só, talvez, incentivando eles próprios a editarem, divulgarem. Têm medo que alguém ganhe dinheiro às suas custas, o que é normal. Se calhar, se forem mais bem informados... não sei como poderia fazer...
Por mim, a única coisa que tenho feito, até agora, é falar nesta história o mais que posso a todos aqueles que vou conhecendo.
Porque acho muito desumano da parte de quem se mostra, se exibe, ou exibiu, como tão humano. É claro que, para os minimamente atentos, é fácil de ver a hipocrisia de Saramago e ver que se alimenta ou alimentou das “vitimas” que descreve com tantas e belas palavras. Mesmo sem conhecer esta história.  Mas o mais importante, acho eu, é saber que existe João Serra e outras e outros como ele. E importante seria dar a conhecer, neste caso, a história de João Serra.
Quanto a uma fotocópia para si, Padre Mário, como vê, neste momento, só à socapa da família (mais próxima) de João Serra... faço-lhe uma e mando, se assim quiser.
Ou esperando que eu os consiga convencer a divulgar... (a minha mãe já tentou... se eu tivesse mais jeito.. não sei..). Ou convencer a fazerem uma cópia para si... Ou, então, falando o Padre Mário com a família. Se quiser que eu procure um contacto deles, eu procuro. Só sei desta prima Dinora que vive em Lavre. Os outros estão pelo Montijo, penso. Mas a minha mãe tem mais contactos.
Ah, e eu é que agradeço, Padre Mário, a sua atenção sempre.
Obrigada e um Abraço.

 

Resposta do Director JF

Querida Inês

Fiquei sensibilizado com as suas palavras. Quando lhe falei da possibilidade de conhecer o Diário, era já a pensar numa possível referência a ele, com mais ou menos desenvolvimento, no Jornal Fraternizar, edição 179, de Outubro-Dezembro 2010 (a edição 179 segue esta próxima segunda-feira, para a Gráfica). Para que conste. Porque, também a mim, sempre me soou a falso o ser-viver de Saramago. Sobretudo, a partir do momento em que ele passou a escrever romances para ganhar o Nobel da Literatura, objectivo que se propôs e conseguiu, depois que Pilar, de Espanha, se uniu a ele e, agora, é a herdeira de tudo. Terá sido a grande jogada da vida daquela jornalista! Com ela, ligada a ele, já não era só Portugal a pressionar a Academia sueca, era a Península Ibérica… Eram o Português e o Espanhol, como um só, com mais leitores em todo o mundo!!!

Se, de todo em todo, for impossível convencer os familiares de JOÃO SERRA a disponibilizarem para mim, uma cópia, peço-lhe a sua. Se me for dada uma para mim /Jornal Fraternizar, poderei fazer um trabalho mais alargado, na próxima edição, com transcrições. Se apenas tiver acesso particular à sua cópia, farei o trabalho, sem grandes citações, mas com afirmações como se fossem da minha lavra, embora possa dizer no texto que estou fundamentado para dizer o que digo.

Já agora, pedia-lhe, também, que me autorize a divulgar a sua mensagem que tanto me sensibilizou e me fez contactá-la de imediato. É um elementar dever de justiça divulgar o seu testemunho, de familiar distante, mas atenta, de JOÃO SERRA, sem quem não teria havido LEVANTADO DO CHÃO e, provavelmente, Prémio Nobel de Literatura 98 para J Saramago.

O meu bem-haja. Beijo-lhe as mãos, de gratidão.

 

3.º E-mail

 

Padre Mário,
obrigada por toda a sua sensibilidade com os Outros, sempre.
Vou ver o que consigo arranjar. Isso depende também do tempo.

Diz-me que gostaria de fazer referência ao Diário, já para a próxima edição do Jornal Fraternizar? Ou seja, precisaria duma cópia antes de segunda- feira?
Não percebi bem. Falou na edição 179 do Jornal, mas é essa ou a 178 que segue segunda-feira?
Temos uma cópia em casa dos meus pais, no Algarve. Vou contactá-los, a saber se está digitalizada, ou se mandariam por correio. Se tiver mais tempo, vou tentar uma autorização da família de João Serra.
Fico eu MUITO contente que queira fazer referência ao Diário de JOÃO SERRA ! Mas seria de esperar algo assim de si, claro. Não só autorizo (claro que sim! João Serra, é quem mais contribuiu com as histórias que Saramago gravou, merece!), como fico muito contente e agradecida que divulgue a minha mensagem. E fico sensibilizada, como sempre, com o seu Agir!
Um grande Abraço.Inês.

 

Resposta do Director JF

Que bom!

Tenha calma. Esta edição 178, que entra segunda-feira nas máquinas, já está fechada. É na outra, daqui a três meses, que desejo apresentar esse trabalho. É claro que, se houver uma cópia já digitalizada, prefiro essa à cópia em papel. Tem, pois, tempo para tudo. Faça o melhor. E como eu lhe agradeço a autorização de divulgar o seu testemunho, de todo inesperado, para mim. Mas tão prenhe de autenticidade. Bendita seja!

No meu afecto.

 

4.º E-mail

 

Padre Mário,

descobri, agora, na internet, que foi publicado um livro que será, parece, o Diário de João Serra. Chama-se Uma Familía do Alentejo; foi editado pela Fundação Saramago, em Maio de 2010. Prefácio de José Saramago, posfácio de Manuel Gusmão. Está no site da fundação José Saramago onde ele diz: “Gostava que este livro tivesse a mesma atenção que o “Levantado do Chão”.

Amanhã, vou procurar este livro, será que publicaram o Diário todo? Incluindo aquilo que foi escrito depois de “Levantado do Chão” e em que João Serra se queixa do esquecimento do “camarada” Saramago, da sua pobreza e sobrevivência, até ao fim, da esmola dos filhos?... É bom que tenha sido publicado (se foi mesmo,... vou ver).
Mas, ainda assim, que manobra esta!
Se Saramago diz que “”Gostava que este livro tivesse a mesma atenção que o “Levantado do Chão”, porque não o divulgou, logo??? João Serra morreu de pobreza e a mulher!!!
No Diário, João Serra diz que o “camarada” nunca mais perguntou por ele! E, agora, veio com frases desta hipocrisia. Alguma vez falou, sequer, no Diário? Nos meios de comunicação em que apareceu, tantas vezes, teve tantas oportunidades, esteve nas suas mãos divulgá-lo... como escritor mediático que é! Se o tivesse feito, João Serra e sua mulher teriam tido mais condições para sobreviverem às suas doenças, teriam tido comida em casa!!! E agora, para quem procurar no meio das coisas (mais uma vez!) de José Saramago /e na Sua Fundação, lá encontrará este livro e esta linda frase! (doutro modo será difícil encontrar-se o livro).
Mais uma vez, ele, Saramago, o centro das atenções. Mas, para quem vê de fora, ele fez tudo! Que “humano”! Que retorcido! doentio!... digo eu. Enfim... amanhã vou procurar o livro e vejo se é igual ao Diário que eu tenho...
Um grande Abraço. Inês.

 

Resposta do Director JF

Um beijo, Inês

Pelo Google, escrevi o título do livro e realmente lá está, edição da Fundação Saramago.

Verifique se está tudo e, depois, diga-me, por favor.

Tem de confrontar com a fotocópia. Porque podem ter feito censura. Tirar partes significativas, a pretexto de… coisa nenhuma.

Caso esteja tudo, terei de adquirir o livro. E confrontar com Levantado do Chão. Caso não esteja tudo, agradeço o acesso à cópia que possui do manuscrito.

O caso continua a interessar-me muito. Para a próxima edição do Fraternizar. Nesta, que entrou hoje na Gráfica, não se faz nenhuma alusão a Saramago. Não quis alterar a edição, embora o pudesse fazer, pelo menos, na primeira e na última páginas. Mas achei que o evento não merecia um tal destaque no pequenino Jornal. Poderá vir a ter destaque, na próxima edição, mas o outro Saramago, não o que, desde o Nobel da Literatura 2098, tem andado nas bocas do mundo.

A minha gratidão.


 

Levantar do Chão do Esquecimento

João Domingos Serra

 

"Estamos em 1979 os meus 74 anos de sofrer e a minha doença pouco já me deixam fazer até para escrever algumas letras tenho muita dificuldade pois a mão já muito tremo-la [trémula] me o não deixa fazer, mas com muito custo vou dando-lhes a conhecer mais alguns factos por mim passados. Aqui [h]à anos atrás bate-me à porta um camarada escritor vindo de Lisboa, vim depois a saber tratar-se do camarada José Saramago, um grande escritor e um grande comunista, claro que franquiei logo a minha porta [es]tive­mos a conversar bastante sobre a vida presente e o passado que foi a vida do povo no Alentejo, dizendo-me ele que andava a fazer uma recolha para escrever um livro, e alguém o tinha in­formado que eu tinha umas linhas escritas sobre a minha vida, disse-lhe que sim que tinha alguma coisa escrita que o fazia para melhor passar o tempo e não estar sempre a pensar na minha doença que tencionava se pudesse deixar a cada filho esta minha narrativa para que sempre soubessem o que foi a vida de seu pai; ele pediu-me se o deixava passar os olhos por aquelas letras, disse-lhe que sim e então ele pas­sou a frequentar a minha casa to­das as tardes, até que um dia me disse: Ó camarada tu tens aqui muita matéria que me intersava estudar melhor para vir a ser publicada no meu livro, caso não te importares eu levava estas folhas e logo que possível te as devolve­ria? Eu disse que sim pois pensava que assim eu poderia deixar a cada filho as minhas memórias. Mais tarde recebi as minhas memórias com muitos agradecimentos e ele disse-me que em breve iria ter notícias suas, e na verda­de passado algum tempo recebi em mi­nha casa um convite enviando pelo camarada José Saramago para ir a Lis­­boa, mais concretamente à casa do Alentejo assistir ao lançamento do seu livro, eu bem como alguns rapazes cá da terra que lhe tinha dado hospitali­dade e informações úteis para o seu li­vro.

Como a minha doença não me per­mitiu a viagem fiz-me representar por minha filha mais velha a Maria, que no regresso me trouxe um livro autografado pelo camarada José Sarama­go, chama-se este romance LEVANTA­DO DO CHÃO nele estão inseridos mui­tos passos das minhas memórias e fi­quei bastante contente, pena foi que o camarada José Saramago depressa se esquecesse que em Lavre no Alen­tejo existia um camarada que lhe fran­queou a sua casa lhe deu alguma aju­da para que ganhasse milhões com a venda do seu livro e continuava a viver de esmolas dos filhos, doente a porta da morte, nunca mais teve direito a uma palavra de conforto, ou interesse para saber do seu estado de saúde."

 

Estas palavras, leio-as, dactilogra­fa­das em folhas A4, agrupadas em for­ma de Caderno, sob o título Memórias de João Domingos Serra (o Manuscrito de João Domingos Serra, falecido a 19 de Agosto de 1982, e deixado à guar­da e cuidado do seu filho António, para que ele, por sua vez, fizesse che­gar uma cópia a cada um dos seus outros filhos e filhas). Encontro-as, tal e qual, nas páginas 75-76. O próprio António anota, no final do trabalho dactilogra­fado: "Embora com grande atra­so estou hoje 20 de Setembro de 1996 a iniciar a transcrição das memórias de meu pai, que ele me deixou como fiel depositá­rio e que, muito me pediu para quando possível as fizesse chegar a todos os meus irmãos. Não o fiz [h]à mais tempo não por esquecimento, mas foram várias as pessoas que já tenta­ram transcrever estas folhas mas ou por falta de vonta­de ou por aborrecimento paravam sem­pre com muito pouco ou quase nada feito, resolvi iniciar eu esta tarefa, com a ajuda de minha filha Vera, vou procu­rar dar esta alegria a meus ir­mãos e de certo que onde meu pai es­ti­ver fica­rá também muito feliz. Procu­rei ser o mais fiel possível ao original evi­tando apenas algumas repetições de factos que o meu pai relatava, foi com certa emoção que tomei conhecimento de mui­tos passos de meus pais, alguns já por mim, e por certo de meus irmãos, conhecidos outros nem tanto."

 

Obviamente, quem adquirir no Mer­cado livreiro o livro Uma Família do A­len­tejo. Mistérios da Natureza e da Po­lítica, editado em Maio de 2010, pela Fun­dação José Saramago, com Prefácio do próprio José Saramago e Pósfácio de Manuel Gusmão, não encontra lá estas sofridas, desencantadas e acusa­doras palavras de João Domingos Ser­ra. Para saber de­las, terá de ter acesso ao Manuscrito, do próprio João Domin­gos Serra (uma Emoção que, pessoal­men­te, ainda não posso testemunhar, embora espere vir ainda a viver e a tes­­temunhar, a seu tempo). Ou, em al­ter­nativa, ter acesso, pelo menos, às 79 folhas A4, dactilografadas pelo filho António e agrupadas em Caderno, uma experiência que, felizmente, já posso testemunhar e aqui estou a partilhar.

 

José Saramago chegou a ter aces­so ao Manuscrito, no ponto em que ele estava, ao tempo em que ele andou pe­lo Chão de Lavre, já a pensar em escrever um romance. Uma Narrativa, escrita à mão (em Uma Família do Alen­tejo, vem reproduzido um fac-simile, com as duas primeiras folhas), que Jo­ão Domingos Serra pôde prosseguir, de­pois que o recebeu de volta, pela mão do Carteiro (não, como seria da mais elementar Gratidão Humana, pela mão do próprio Saramago!).

"Com o caderno debaixo do braço - recorda o próprio Saramago, no Pre­fá­cio de Uma Família do Alentejo - corri para o meu refúgio e pus-me a ler, com a ideia de ir copiando [ou plagiando?!] à mão as passa­gens mais interessantes, mas rapidamente compreendi que nem uma só daquelas palavras poderia per­der-se. Não terminei a leitura. Meti u­ma folha de papel na máquina e co­me­­cei a trasladar, com todos os seus pontos e vírgulas [na Narra­tiva manus­crita de João Domingos Ser­ra, já não há, nem pontos de interrogação, nem pontos de admiração, nem sinais gráfi­cos nos diálogos, só pontos e vírgulas!] incluindo algum erro de ortografia, o escrito de João Ser­ra. Tinha enfim livro."

E, não fôssemos nós, no Infantil(is­mo) e no Ingénuo da nossa Vergo­nha Humana - onde a Santíssima Trin­dade dos Poderes nos mantém e de onde ja­­mais nos dei­xa­ sair - pensar que o li­vro que ele, antes de saber da exis­tên­cia desta Narrativa Maior, andava a pensar escrever, afinal, já es­tava escrito, e escrito com o sangue, o suor, as lágrimas e a raiva de um dos inú­meros trabalhadores alenteja­nos crimi­no­samente roubados /esmaga­dos /opri­midos /comidos pelo Latifúndio, ao tem­po do sinistro Salazar, o seu Re­gi­me, a sua Pide, o seu clero católico e a sua hierarquia eclesiástica católica, com cujo Estado do Vaticano, havia, até, aprovado e assinado uma Concordata em 1940 (ainda hoje em vigor!!!), para que, desse modo, todos os seus hedi­on­dos crimes, Guerra Colonial incluída, fossem automaticamente baptizados /transubs­tan­cia­dos com a sebenta e es­púria água benta dos baptistérios das igrejas paroquiais plan­tadas, uma em cada aldeia do país, aspergida pelos respectivos clérigos-funcioná­rios-mer­ce­nários, em outros tantos feitos herói­cos e santos, até, com direito a futura canoni­za­ção do seu Perverso Carrasco /Mes­sias, escolhido, em 1926, e envia­do por Deus, o da hie­rarquia eclesiás­tica, esse mesmo Deus que - está hoje so­be­jamente provado, depois de dois mil anos de Cristandade - do que mais gos­ta é de Sacrifícios Hu­ma­nos, de gen­te a rastejar pelo "sagra­do" chão de fáti­ma e de outros santuá­rios do gé­nero, e nem sequer o seu pró­prio filho pou­pa, ao ponto de lhe exi­gir que mor­ra na cruz pelos pecados dos Conde­na­dos da Terra, os únicos que são peca­dores, não pelos donos do Latifúndio, que esses são todos a­ben­çoados por Ele (se ricos, também abençoados pelo mesmo Deus que a­ben­çoa a Hierarquia Eclesiástica e to­das as outras Hierarqui­as laicas, que assim reza o melhor do Cristianismo Ocidental!), Saramago apressa-se a informar, mas só agora, nes­te Prefácio, es­cri­to depois de to­dos estes anos, "Ain­da tive de esperar três anos para que a história amadurecesse na minha ca­be­ça, mas o Levantado do Chão come­çou a ser escrito nesse dia, quando contraí uma dívida que nunca po­derei pagar." E, acrescento eu, jor­na­lista director do JF, Sara­mago nunca poderá pagar, certamente, por sempre se dizer ateu confesso, e ateu com bas­tan­te orgulho e não me­nos proveito fi­nan­ceiro, já que, como tantos outros in­telectuais que comem à mes­ma Me­sa, é um ateu confesso do Deus-Ídolo das Religiões (o que, em si mesmo, é sau­dá­vel e todos os seres humanos ha­veríamos de ser, também), mas, ao mes­mo tempo, é um incondi­cio­nal ado­ra­dor, atento e reverente de outro Deus-Ídolo, o mais poderoso de todos, o Gran­­de Senhor Dinheiro que hoje, mais ainda do que no passado, é o úni­co Senhor omnipotente, omnisci­ente e omnipresente do Planeta. (Isto que aca­bo de afirmar, viu-se bem, na­quela li­tur­gia laica da entrega do No­bel, onde Saramago aparece de fraque e tudo, em sucessivas véni­as, frente aos sa­cer­dotes laicos, portado­res do cheque de milhões!). Não fosse Sara­mago ateu do Deus-Ídolo das Religiões, e, em vez de escrever,  "Quando con­traí uma dívi­da que nunca po­derei pa­gar", teria es­cri­to, Quando contraí uma dívida que Deus, certamen­te, já pagou a João Do­min­gos Serra!... (Não é, as­sim, com um "Deus lhe pague!", que sempre se riem os do Latifúndio, a come­çar pelos Sa­cer­dotes e Pastores do Latifúndio Reli­gio­so-Eclesiástico, todos crentes no Deus-Ídolo das Religiões e seus princi­pais adoradores?!)

É Obsceno de mais, tudo isto, mas o nosso Mundo é feito assim, de Mino­rias espertalhonas e sabidas que, de­pres­sa, adquirem posições de desta­que, no vértice da Pirâmide, às quais, depois, Tudo lhes é permitido, até Ti­rar Olhos às imensas maiorias, con­de­nadas por elas, a ter de rastejar, por toda a vida, na ba­se da Pirâmide, uma Pi­râmide con­cebida por obra e graça do Poder Eco­nó­mico-Financeiro, hoje, mais Fi­nan­ceiro que Económico, e Financeiro à escala Global. Todo o Pla­ne­ta lhe per­tence e ele entrega partes dele a quem o reconhecer e adorar. Incondicional­men­te.

Aquela desassombrada confissão de Saramago, "Tinha enfim livro", não se refere, como os factos vieram a com­provar, ao Livro Maior que é a Narrativa de João Domingos Serra, que Sara­mago avidamente copiou /dactilogra­fou, palavra por palavra, mas, obvia­men­te, ao seu próprio, que baptizou de Levantado do Chão, e que veio a merecer o Prémio Cidade de Lisboa, con­cedido pelo Município de Lisboa, ao tempo (1980), governado por Nuno Krus Abecassis, o homem forte do CDS, o partido político do Latifúndio e dos latifundiários do ex-Regi­me de Sala­zar!!! O Facto fala por si! Ou somos assim tão cegos que não vemos?! E tão surdos que não ouvimos?!

Mas tem de se dizer-escrever, aqui, sem que a voz e a mão me tremam,  o que nunca ninguém disse, ou porque  des­­­co­nhece e, se calhar, quer continuar a desconhe­cer, ou já conhece, mas, porque come à mesma Mesa da minoria do vértice da Pirâmi­de, não quer dar a conhecer, ape­nas quer esconder, e esconde, sem se impor­tar de, com essa sua Cínica Postura, Negar a Verdade conhecida por tal e tornar-se, por isso, Causa activamente geradora de Opres­são e de Humilhação Humanas.

Tem de se dizer-escrever que o mínimo que um intelectual, como José Saramago já então se assumia, para mais, intelectual do Partido Comunista, teria de fazer, se fosse intelectualmente honesto, era, depois de ter tido acesso à Narrativa Maior de João Domingos Ser­ra, manuscrita dia a dia pelo pró­prio, depois de anos e anos de Esma­ga­mento e de Humilhação que foi todo o seu vi­­ver, do Nascer ao Morrer, no Alentejo do Latifúndio, nos quais se in­clu­em du­as prisões políticas, uma no Aljube e outra em Caxias, ir logo a cor­rer por uma Editora que acolhesse e publi­casse tão Assombroso Testemunho Vivo dos Trabalhadores Explorados pelo Latifúndio alentejano.

Essa, de resto, terá sido a Expecta­tiva do próprio João Domingos Serra, quando, na boa fé da sua Fragilidade Humana Desarmada, até, de Preconcei­­tos e de um qualquer Mau Pensar sobre os camara­das comunistas que, sempre, se apre­sentam como os maio­res defen­so­­res dos operários e dos cam­poneses, logo Coloca a sua Narrativa (= a sua Vida!), não uma có­pia, mas o próprio Original manuscrito, nas mãos de Sara­mago. Escrevi, "Desarmada, até de Preconceitos e de um qualquer mau pensar sobre os ca­ma­radas co­munis­tas, que sempre se apre­sentam como os maio­res defensores dos ope­rários e campo­ne­ses". E escrevi bem. Aliás, não é o que também escrevem, às fo­lhas chei­as, as sucessi­vas edições do Avante, que o próprio João Domin­gos Serra, já naquele seu sofrido Então, dis­tri­bui entre os outros Tra­ba­lhadores Explora­dos pelo Latifúndio, como ele? E não é, também, o que re­pe­tem, à boca cheia, os sucessivos se­cre­tários gerais do PCP, nas suas múlti­plas inter­ven­ções, em tudo quanto é sítio? Pelos vis­tos, tudo em vão, já que o Gran­de Po­der Financeiro, hoje, Global é, como nunca antes havia sido, o único Se­nhor /Dono do Pla­neta, assessorado, até, pelos próprios De­putados Co­munistas e So­ci­alistas, cujos inflamados discur­sos só servem para Ele, o Senhor Di­nhei­ro, se reforçar, ca­da dia, um pedaço mais, já que toda a Pala­vra, revolu­cio­nária que se diga, quando não se faz Carne, Prática Económica e Política Maiêutica, é sempre portado­ra de um Sopro Estéril e, o mais das vezes, tam­bém Enve­ne­na­do!

Pois bem. Decidir, em vez disso, co­­­mo Saramago decide, plagiar a Nar­ra­tiva, o seu estilo literário, o seu conte­ú­do, frases inteiras, vocábulos e - o mais Obs­ceno de tudo! - até a Família de João Domingos Serra, o seu pai, a sua mãe, inclusive, os nomes próprios, Domingos, o pai de João Domingos Serra, a mãe, Conceição, e João, o pro­­tago­nis­ta principal de Levantado do Chão, e publicar tudo em romance, sem nun­ca falar, anos e anos, uma única vez, no nome de João Domingos Serra (apenas na Dedicatória do ro­mance, o primeiro entre muitos mais), é um Crime sem Nome, ou, à Sarama­go Escritor, um Crime To­dos os No­mes! Para cúmulo, a Famí­lia de João Do­mingos Serra é cogno­mi­nada em Levantado do Chão, "Fa­mília Mau-Tempo". E o pai de João Do­­min­gos Serra, para lá de "Mau-Tem­po", é pos­to, no final do seu constante pere­grinar, de terra em terra, a enfor­car-se, quando, a verdade histórica é que o pai, António Domingos Serra, ví­tima Maior do Lati­fúndio e do seu En­vene­nado Ar que ele e sua família tiveram de respi­rar, do Nascer ao Morrer, a­caba, a­ban­donado no Hospi­tal, com o Pesar e a Ternura Amargura­da, do filho João Domingos Serra, Jo­ão Mau-Tempo (!), em Levantado do Chão.

Bem se pode dizer que Saramago, depois de ter consumado este Plágio Maior que lhe trouxe fama, muito Di­nheiro e ajudou a fazer esquecer, para sempre, a sua meteórica passagem pelo DN, como Director-Adjunto Revo­lu­cionário, ao serviço do PCP (em con­sequência, 22 jornalistas foram despedidos, a 27 de Agosto de 1975, por delito de opi­nião, e a justificação para semelhante Decisão, lá está, estampa­da, no dia seguinte, preto no branco, em Editorial não assinado, "Informa­ção revolucio­ná­ria não se faz com jor­nalistas con­tra-revolucionários"), pô­de, com facili­dade, passar a viver ex­clu­si­va­mente da escita, exactamente, como o latifun­diário vive exclusivamen­te do Latifún­dio, o Banqueiro,dos Ban­cos todos de que é o dono e o princi­pal Adminis­tra­dor, e todos os Belmiros de Azeve­dos do Planeta (sempre pou­cos, em número, mas tão omnipotentes e omni­presentes, que até os Governos das na­ções, os que se dizem de Es­querda e os que não se dizem, mas são de Di­reita, e as próprias Hierar­qui­as das Religiões e das Igrejas-Reli­giões, lhes obedecem!), vivem, em se­gurança e cheios de prestígio, assim como os chorudos Lucros das su­as Mul­tinacionais e Bolsas de Valores!...

A Levantado do Chão, sucede­ram-se, em ritmo acelerado, outros ro­mances, outras histórias, múltiplos tí­tulos, traduzidos em cada vez mais lín­guas e nações. Criou-se o Império Sa­ra­mago (hoje Fundação Saramago!), com crescente peso e influência no Mer­cado Global, no caso, já se vê, o Mer­ca­do Livrei­­­ro Global. De modo que, a dada altura, já nem os eminentes Su­mos-Sacerdotes Laicos da Academia Sueca (mas que Máfia mais bem olea­da, Senhoras, Senhores!? Ou será que só vemos e filtramos todos os "mosqui­tos" e não vemos nenhum dos múltiplos "ca­­­me­los" e, até, os engolimos?!) con­seguem resistir a tanto Poder Financei­ro e, em 1998, o ano da graça (?) do po­de­roso Saramago, atribui-lhe o al­me­ja­do Prémio Nobel da Literatura. A consa­gra­ção Global que faltava, para calar de vez o Insuportável Grito-Per­gunta que sempre perseguirá Sarama­go, "On­de está o teu irmão? /Que fi­zeste do teu irmão?"

Felizmente, João Domingos Serra (João Mau-Tempo, para Saramago) já não apanha com mais este Punhal nas suas costas. A Morte que sempre o acom­panha, como nos acompanha a nós, do Nascer ao Morrer, já o havia, anos antes, resgatado em definitivo das mãos as­sas­sinas do Latifúndio e dos latifundiá­rios, os das Terras do Alentejo e os de todos os outros Alentejos do Planeta, e também das mãos assassi­nas do La­tifúndio e dos latifundiários da Escrita Ficcionada que, quanto mais tecida é pela perversa arte de transu­bstanciar, até, a Realidade mais real, em sonan­tes e espalhafatosas palavras e frases, mais vende, porque, mais aju­da, como nenhuma outra "Arte", a es­con­der o Assassínio da Realidade e, particular­men­te, os milhões e milhões de Crucifi­ca­dos Humanos que todo o tipo de La­ti­­fúndio e todo o tipo de lati­fun­diários, os das Terras e os da Escrita Ficciona­da, Hoje, fazem, de forma pro­gra­mada e científica. Impunemente. E não só im­punemente. Até com o Aplau­so, o Lou­vor, as Palmas, os Parabéns de to­dos os frustrados candidatos a la­tifun­diários. E, muitas vezes, também, das pró­prias Vítimas Huma­nas, cientifi­ca­­men­te ma­ni­pu­ladas pela San­tíssima Trindade dos Poderes. Não é, de resto, para manipu­lar e manter ma­­ni­pulados, por toda a vi­da e uma ge­ra­ção após ou­­tra, os mi­lhares de mi­lhões de Víti­mas Humanas, que todos os gran­des me­­dia do Pla­neta, outro Lati­fúndio, nas mãos de outros latifundiá­rios, no­me­a­damente, o Grande Poder Financei­ro Global, o maior de todos, traba­lham, dia e noite? E não é também para isso que traba­lham as Religiões e as Igrejas-Reli­gi­ões, mais outro Latifúndio, o do Poder Religioso-Eclesiástico? Todos juntos, como um só, cada qual com a sua lin­guagem, não estão aí a traba­lhar, inin­terruptamente, para faze­rem da Men­­tira Institucional, Verdade Insti­tu­­cio­nal, do Crime Institucional, Acto He­róico /Santo Institucional, do Genocí­dio Insti­tucio­nal, Cruzada /Guerra Santa Institu­cional?! Mas será que não ve­mos? E, mesmo assim, ainda nos temos pelos mais ilustrados e os mais civili­zados do Planeta?!

Sei que Escandalizo. Quem, porém, po­derá acusar-me de Mentir? Quem po­­­derá acusar-me de Fazer Literatura,  para, com ela, Esconder o Hediondo Ins­­titucional, o Obsceno Institucional? Quem, de bom senso, pode defender que o maior Imperativo Ético dos seres hu­ma­nos, quando chegam à Liberdade /Mai­oridade, à Sabedoria feita Fragili­da­­de Humana Desarmada Maiêutica, é trabalhar, incansavelmente, para Es­con­der a Verdade /Realidade, seja sob o manto da Literatura e de todos os ou­tros géneros de Arte, seja sob o man­to da Religião, seja sob o manto do Sa­ber-Poder, seja sob o manto do Po­der Político Armado, numa pala­vra, sob o Manto da Ideologia /Idola­tria Institu­cio­nal? Não é exactamente para o  con­trário? O maior Imperativo Ético dos seres humanos, quando chegam à Li­ber­dade /Maioridade não é, com a toda a sua Fragilidade Humana Desar­ma­da, por isso, Maiêutica, trabalhar incan­savelmente para Tirar o Véu, o Manto Ideológico /Idolátrico que man­tém a Ver­dade /Realidade cativa na In­justiça Estrutural, que dá pelo pomposo nome de Ordem Mundial? Não é, de resto, por estas salutares e reabilita­doras Á­gu­as cheias de Ruah /Força Mai­êutica que navega Jesus, o Campo­nês-Arte­são de Nazaré, o filho de Ma­ria, a quem a Santíssima Trindade dos Pode­res, rapidamente e em força, Mata na Cruz do Império, para, assim, fazer de­le, o Maldito dos maldi­tos, para sem­pre?!

Se duvidam das palavras que aqui escrevo, a propósito de Saramago, a­go­ra que ele, por pura Graça (não pelo Poder do Império que ele próprio criou, a partir do Plágio que fez a João Domin­gos Serra), é, para sempre, definitiva­mente vivente, no Vivente Jesus Crucifi­ca­do na Cruz do Império e, como ele, também invisível aos olhos - por mim, só tenho motivos para pen­sar que Saramago, a quem eu, uma vez, disse, mão na mão e olhos nos olhos, Gosto muito do seu Ateísmo, me agradece, por eu, na minha Fragilidade Humana Presbiteral Maiêutica, escrever aqui estas palavras! - metam-se a fazer um pe­que­no exercício. Adquiram o Livro, U­ma Família do Alentejo, de João Do­mingos Serra, leiam-no, com a Emoção de quem En­­con­tra, não pura Literatura, com tanto de Esplendor, como de Hipo­crisia, mas a Verdade /Realidade, tal e qual ela é. A seguir, leiam, como pela pri­mei­ra vez, Levantado do Chão, de José Sa­ra­mago. Verão como Levantado do Chão é o substancial da Narrativa ma­nus­cri­ta que João Domingos Serra en­tre­gou em mãos a José Saramago, "ca­ma­ra­da comunista", e que este rete­ve, semanas, meses (ou mais de um ano?!) e dactilografou, palavra por pala­vra, com todos os pontos e todas as vír­gulas. E tudo isto, muitos anos antes de Sara­ma­go se ter tornado o Império Sa­rama­go que hoje é, e que, já então, se mostra­va fortemente determinado a ser e chegou a ser. Para seu mal, como Ser Humano, acrescento eu, e para mal da Humanida­de. Porque, gostem ou não de ler /ouvir, em verdade, em verda­de lhes digo, Todo o Império, sem exce­pção, é intrinsecamen­te Perverso /Men­ti­roso /Descriador /As­sas­sino dos seres humanos, dos Po­vos e do Planeta!

Apanharão um Choque muito forte, no final do exercício. E, talvez, compre­en­dam porque eu digo que o último ro­man­ce de Sara­ma­go (Caim, Editoral Caminho), é, sem o próprio se dar conta, um romance autobiográfico. O Império Sa­ra­ma­go, já com a sua Funda­ção insti­tuí­da e todos os Poderes da Santíssima Trindade a dizerem bem dele, pôde, fi­nal­mente, pe­gar no peque­ni­no Conto bí­­­blico do Gé­nesis, vulgar­mente, conhe­cido por Caim e Abel, e ma­tar, logo de entrada, A­bel (só Caim faz o título do seu roman­ce!). E, depois, ainda escrever todas aquelas páginas de "pura Lite­ratura" (a expressão é da sua Mulher, nos dias que precederam o do lança­men­to do Livro), portanto, de Nenhuma Verdade /Realidade. Com es­sas pági­nas, Sa­ra­­mago mais não faz do que en­tronizar, como Deus Único do Planeta e do Univer­so, o Grande Poder Financei­ro Global do Século XXI, de nome bí­blico, Caim, o Lavrador. No Então do Con­to bíblico - obra prima, não de Lite­ra­tura, mas de Humanidade, tal-qual ela é! - Caim, no Hoje de João Domingos Serra e seus pais, é o Latifún­dio Alente­jo, esse mes­mo que le­va o Latifundiário Saramago, em Levantado do Chão, a en­forcar Domingos, pai de João Domin­gos  Serra.

Há lá Idolatria maior?!


 

EDITORIAL

Europa? A caminho da Extinção!

 

Europa? Um Continente em vias de Extinção! Depois das chamadas Desco­bertas e Conquistas, com a  Cruz nu­ma mão e a Espada na outra mão; depois da Escravatura-Exploração das populações, inclusive, as crianças fi­lhas das populações escravizadas-ex­ploradas, com que as minorias dos Privi­légios levaram por diante a Revolu­ção Industrial da nossa Vergonha e da nossa Humilhação Europeias; de­pois de duas Guerras Mundiais com muitos milhões de Mortos; depois das Guerras Coloniais e dos posteriores Neo-colonia­lis­mos em que temos sido particularmen­te peritos; depois do Holo­causto nazi que dizimou seis milhões de Judeus, à mistura com Homossexu­ais e outros "Impuros"; depois da Ter­cei­ra Guerra Mundial Financeira ainda em curso e, sem fim à vista (Cri­­­se In­ter­nacional? Mas qual Crise?!); de­pois da mais Obscena de todas as guerras do início do Terceiro Milénio, a Guerra do Iraque, seguida da Guerra do Afe­gan­istão, ainda em curso; de­pois do Mer­cado Total e Global que já está aí e veio para ficar, porque não conhece quaisquer Opositores, ape­nas fervoro­sos e agradecidos Defenso­res-Con­su­mi­dores, qual deles a Mer­ca­do­ria mais sexy e mais cara; depois dos Cri­mes de Abuso de Menores, até por parte de inúmeras Instituições, to­das, oficialmente, criadas para prote­ger as meninas, os meninos, às, aos quais, pri­meiro, roubaram a família e, a se­guir, condenaram a terem de viver, anos e anos, em Asilos e Orfanatos, Coi­­sa mais Humilhante e Inumana, di­ri­gi­dos, quase todos, por clérigos e clé­rigas ou freiras, proibidos, eles e elas, por Leis Es­tú­pidas /Castradoras, de desenvol­ve­rem Afectos e de se entre­ga­rem, gene­­rosa e gratuitamente, a Causas E­mancipadoras das Popula­ções e dos Po­vos, só a Caridadezi­nhas, as mais Obscenas, todas, todos meros funcionários-merce­ná­rios infan­tilizados de um Institucional Religioso-Eclesiástico intrinsecamente Perverso e Descriador do Humano; depois duma Casa Pia e de muitas outras Casas Pias que há por essa Europa fora, com no­mes dis­tintos, beatos todos, inclusive, quando dirigidos por laicos, cujas inú­meras víti­mas ainda hoje não conse­guem ter voz nem vez e, por isso, man­têm-se gritan­te­mente caladas; depois do Desempre­go de mais de 40 milhões de europeus, sempre em crescendo,até se chegar ao Desemprego (quase) total, a par com cadeias e mais cadeias a a­bar­ro­tar de presas, presos, e com Tri­bu­nais des­caradamente atola­dos em pro­ces­sos-sem-fim, dominados por Juí­zes sem um pingo de Escrúpulo, numa estúpida Competição corporativa, a ver qual de­les é o Campeão da Corru­pção e da In­com­petência; depois do Futebol dos Milhões (o das SADs de ca­da país europeu e o das Selecções na­ci­o­nais, ver­dadeiras Máfias de branque­a­mento de Dinheiro, Chulos Institucio­nais de co­­la­rinho bran­co) ter passado a preen­cher os dias dos milhões e mi­lhões de De­­sem­pre­gados, dos Reforma­dos-nos-ca­fés-e-nos-bancos-dos-jardins, dos Be­ne­ficiários do Rendimen­to de Reinser­ção na Prostituição e na Droga, e das Popu­la­ções-sem-quaisquer-Objecti­vos-nem-Valores, convertidas em mera mer­ca­doria ou, o que é o mesmo, em ver­­­mes rastejantes sobre chãos "sagra­dos" de santuários e basílicas de luxo, todos levantados em honhra da mítica deu­­sa de todos os nomes feios, obsce­na­men­te Cruel e Sádi­ca, servida por Sacer­do­tes clérigos, com faro para Ne­gó­cios-Sujos-e-sem-Escrúpulos, todos eles machos, sexual e afectivamente cas­trados, tiranetes e vaidosos, naque­las suas poses e naquelas suas hilari­antes ves­tes que têm o condão de os fa­zer passar por fêmeas sem formas, qual deles o mais devoto do Deus Di-nhei­ro; depois da própria França que, até há bem pouco tempo, sempre foi olhada pelos Povos do Planeta como a mátria das Luzes, que não da Luz (há substantiva diferença entre Luzes e Luz, mas, se ca­lhar, o nosso analfa­be­tismo-com-licenciatura-mestrado-e-doutoramento nem isso consegue des­cort­inar!) ter co­meçado a Expulsar os Ciganos, elas e eles, adultos e crianças, do seu chão francês-europeu, como se costuma fa­zer a uma mercadoria tóxica para a saúde das populações não-ci­ga­nas e do próprio Planeta; depois do papa de Roma, João Paulo II, o maior fa­bri­ca­dor de beatos e de santos, até de Escrivá de Balaguer, o admirador de Franco e o fundador da Obra dos Ban­queiros de Deus (em latim, Opus Dei), e - Crime-sem-perdão! - também dos dois irmãos de 7 e 9 anitos, da fregue­sia de Fátima, em Portugal, aos quais a Pneumónica matou, poucos meses depois de toda aquela tosca montagem clerical, sem pés nem cabeça, das seis "aparições" da "Virgem", sempre ao dia 13, de Mai­o a Outubro de 1917 (mas que Deusa mais cruel, que nunca mais quis saber da gente, foi mesmo só para ajudar o clero católico a fazer abortar a Repú­bli­ca de 1910 e, em seu lu­gar, im­­plan­tar o Estado Novo de Salazar e, mais tarde, a partir de 1935, com as fa­migeradas Memórias da Irmã Lúcia - a aberração das aberrações! - fazer a­bortar a própria URSS (ainda sabem o que quer dizer esta sigla?), uma vez que, por esses terríveis anos de Fome, Peste e Guerra, o clero eclesiástico ca­tó­lico romano, chamado a escolher en­tre o Projecto Político de Jesus e o Ca­pi­talismo-sem-Freio, ho­je, o Mercado Total e Glo­bal, sempre escolhe este e não Jesus); depois do suces­sor de João Pau­lo II, o papa Bento XVI, tido por gran­de Intelectual e grande Teólogo (!!!), defi­nitivamente instalado no topo dos topos da Pirâ­mi­de, nos an­tí­podas dos Povos que "fa­zem" os Po­rões da Hu­manidade Crucificada, o único mo­nar­ca absoluto do Planeta, com Poder sobre todos os Povos e so­bre o próprio Deus, o do Institucional, que alimenta e bran­queia a Cúria Romana, porven­tura, a maior Máfia do Pla­neta, passar a vida a fazer que reza e a exigir aos seus súbditos que rezem, rezem muito, pelas Vítimas que o Gran­de Poder Fi­nan­ceiro Global ininterrup­ta­men­te fa­brica, na mais com­plet­a Im­punidade - já não há a mais pe­­que­na dúvida de que a Europa do Sé­culo XXI é, sem qualquer possibilida­de de re­cuo, um continente a caminhar, dramati­ca­men­te para a sua Extinção. E, com ela, mui­to provavelmente, Extinguem-se tam­bém os restantes conti­nen­tes que sem­pre foram as suas grandes Víti­mas e, Hoje, depois da implan­ta­ção da União Europeia, de vítimas de séculos, passa­ram a admiradores e imi­ta­dores do seu próprio Algoz-Verdugo.

 

Na génese da Europa está a Menti­ra Institucionalizada que sempre se tem feito passar por Verdade. As pró­prias Universidades, todas, as Confessionais e as Laicas, é o que ensinam e incutem a cada nova geração que vem a este continente e a este Planeta. A Mentira Institucionalizada nunca se diz assim, que ela é suficientemente Sagaz e, por isso, sempre veste a Men­tira Institucional de Ideologia e de Ido­latria. Estas, por sua vez, vestem-se de Arte, em todas as suas manifesta­ções, e de Filosofia, de Literatura, até de Teologia. Na abóbada desta Mentira, sempre está Deus. O Deus das Religi­ões, todas perversas. E os Sacerdotes das Religões, todos I­dól­atras, ocupados na distribuição diá­ria da dose de Ópio que as Vítimas têm de tomar, para pode­rem agu­entar a sua infa­mante condi­ção de Vítimas.

Já nos nos­sos dias, o Deus das Re­li­giões foi dado como defintivamente morto - um dos intelectuais-não-orgâni­cos da Europa dixit! - e, em seu lugar, foi posto outro (também aqui, Deus mor­to, Deus posto!), que dá por um nome, totalmente secular e laico, aparente­men­te, sem qualquer conota­ção religio­sa. Senhor Dinheiro, é o seu nome. Ho­je, já nem assim se diz. É apenas O Se­nhor Mercado. Omnipo­tente. Omnis­ci­en­te. Omnipresente. Ser­vido pelos Sa­cerdotes do Deus mor­to e, sobretudo, por outros que, pa­ra des­pis­tar, se di­zem ateus ou a­gnósticos, que é a ma­neira secular /laica de dizer Religioso!

Edificada sobre a Mentira /Ideologia /Idolatria, a Europa tem a sua Extinção anunciada. Nem que um morto saia do túmulo e venha dizer à Europa que a sua Extinção já tem data marcada, ela dá uma gargalhada e corre a encher ainda mais os Estádios de Futebol, o dos Milhões, o do Mercado. E a Extinção há-de apanhá-la a assistir, aos ber­ros, a uma Finalíssima Europeia de Fu­te­­bol. Pensará, na hora, que a Extinção é mais um golaço e, assim, Cega e Sur­da, a­plau­de a sua pró­pria Extinção!

Resta uma Esperança. Não vem do Céu. Nem do Mercado. Vem dos milha­res de milhões de Vítimas da Europa. Vem do Grito-Sopro das Vítimas. Um Sopro sem Poder. Sem Ter. Sem Sa­ber. Simples­men­te Maiêutico. A própria Sabe­doria-em-Acção. Se nos dei­xar­mos fecundar por este Sopro, muda­mos de Ser-Viver-Actuar. Muda­mos, até, de Deus. Do De­us-Ídolo, fora e longe de nós, para Deus Criador, mais íntimo a nós que nós próprios. Sem Templos nem Sacerdotes. E, en­tão, Mer­cado mor­to, Seres Huma­nos e Po­vos Maiêu­ticos postos.Ao leme do Mun­do. A Cui­dar da Terra. E uns dos outros, todos diferen­tes, todos iguais. Nunca mais dos deu­ses! Vosso irmão, na Trincheira,

Mário, Presbitero da Igreja do Porto


 

ESPAÇO ABERTO

Os usos do Futebol

Por Manuel Sérgio

Reitor do Instituto Piaget

 

Desde sempre a Filosofia duvidou. A dúvida é o seu gesto instaurador. Por isso, com algumas excepções, nela tudo é anti-Ordem e anti-Poder. O Futebol, ao invés, procura sofregamente o apoio do Ter e do Poder e expande-se, de­sen­vol­ve-se, com Ordem e Medida. Por outro lado, também o Ter e o Poder pre­cisam do Futebol para legitimar-se. De facto, as selecções nacionais de futebol, as equipas mais representativas dos vá­rios países representam interesses des­por­tivos mas, sobre o mais, interesses me­diáticos, interesses comerciais, inte­resses publicitários, interesses políticos. Os desempenhos das selecções e dos clubes encontram-se intimamente liga­dos aos desempenhos dos serventuá­ri­os do grande capital. Chegou, portan­to, a altura de questionar se o carácter eminentemente formativo do futebol (como desporto que é) não desaparece diante da lógica de outros interesses incapazes de assumir uma intervenção pedagógica global. É que o Ter e o Po­der são declaradamente despóticos, ou seja, têm uma Verdade indiscutível e o futebol, que os serve, transforma-se na expressão corporal dessa Verdade. O Futebol concorre mesmo à interioriza­ção, em cada dos seus agentes, dos ve­redictos imperiais do déspota. Não é por acaso que as práticas dopantes, nele, permanecem; não é por acaso que o alto rendimento é sempre acom­pa­nhado de produtos farmacêuticos, os mais sofisticados; não é por acaso que são, cada vez em maior número as do­en­ças súbitas que atormentam os joga­do­res de futebol; não é por acaso que o Desporto (e portanto o Futebol) é uma Actividade Física ou, segundo alguns, um meio de Educação Física (e quanto mais físico o Desporto for, mais acéfalo e acrítico será e mais servilmente repre­sentará a vontade do Ter e do Poder).

Por sua vez, o treinador, sempre que se refere aos jogadores que traba­lham sob as suas ordens, repete, de for­ma exaustiva e massacrante: Os meus jogadores. Como se, de facto, os joga­do­res fossem mesmo dele! Mas não é assim que pensa o déspota  quando ex­cla­ma: meu povo? O treinador, para ser um profissional exemplar, para a ideo­logia dominante, só tem de imitar o dés­pota. E assim como o Poder diz trabalhar para o povo, para mascarar a sua fun­ção constitutiva, a repressão – também os treinos, os estágios, as competições se resumem ao exercício de uma sobe­rania astuciosa, que controla os atletas como quem comanda singelos títeres. Não são os agentes do futebol que fun­dam o Futebol, mas o Ter e o Poder, com a sua libido dominandi [prazer de dominar], geradora de violência. De fa­cto, a Lei e a Ordem, no Futebol, nada têm a ver com a Justiça, mas com a deli­mitação do espaço onde se movimen­tam o senhor e o servo, dentro de uma competição insanável, que forma o devir histórico do futebol, de há cem anos a esta parte. O pensamento único neolibe­ral (a ideologia dominante) é o que faz, no Futebol e no mais: um mundo de ri­que­za, cercado de pobreza, por todos os lados, onde funcionam a liberdade, o livre comércio e o livre mercado, tão intimamente associados que delas sur­ge, dominador, o capitalismo neoliberal. Que admira que, também no Futebol, coexistam os ricos e os pobres, os se­nho­res e os servos? O Real Madrid, o Barcelona, o Bayern de Munique, o Man­chester United, o Chelsea, o Man­ches­ter City, o Inter, o Milan e poucos mais são os senhores; os demais são os servos. Aliás, este Futebol é o que gera: senhores e servos. E produz assim uma certa imagem da essência da socie­da­de, onde os antagonismos, típicos do capitalismo, aparecem como causa de manutenção do status quo. O aumento galopante do desemprego, nos países desenvolvidos, está a empurrá-los à pobreza do Terceiro Mun­do. Entretanto, o povo delira e a­plau­de este futebol...

 

É um truismo afirmar que o Capi­tal capitaliza o Futebol. De facto, o Ca­pital procura, acima de tudo, o Lu­cro. O Cristiano Ronaldo não seria tão publicitado, se as suas qualidades físicas (as outras pouco importam) não despontassem, na Imprensa, na Rádio e na Televisão, de mãos dadas com determinados produtos... que é preciso vender! Em nenhum modelo invasor, ou inspirado de fora de um “ethos” livre e libertador, se descor­ti­na o escrupuloso respeito da digni­da­de das pessoas e da sua capacida­de de, no Desporto, serem sujeitos (ser sujeito é não sujeitar-se) e não objectos. Ora, hoje, o Futebol, preso nas mãos férreas de um capitalismo imoral, não é uma prática libertadora e construtiva, mas uma cilindragem opressora e destrutiva. De prática au­to­controlada pelos “homens do fute­bol”, no seio do futebol, passou-se a uma prática heterocomandada longe e contra os “homens do futebol” que deixam de ser os agentes da sua pro­fis­são, para surgirem, na praça públi­ca, como réus de crimes que não co­me­teram. De que podem acusar-se o Dunga, o Carlos Queirós, o Marado­na e outros mais, treinadores vacilan­tes e de muito pouca eficácia, no Mun­dial-2010? Na ausência de lideran­ça? Na canhestra leitura de jogo? Na incomunicabalidade treinador-joga­do­res? São ítens a sublinhar, desi­gna­damente pelos presidentes das  respectivas federações, que escolhem e contratam os treinadores. Mas... pouco mais! Se é pacóvio apontar qual­quer determinismo sociológico, nesta “floresta de enganos” que é o Desporto (e portanto o Futebol), tam­bém não nos é lícito julgar a com­pe­tência de um profissional, como se na totalidade, que é uma equipa, fosse ele o único elemento a ter em conta. O quarteto mais avançado da se­lec­ção argentina, no Mundial da Á­frica do Sul (Tevez, Messi, Higuain, Di Maria), tem admiráveis jogadores de valor intacto. Diante da selecção da Ale­manha, nos quartos-de-final, pareciam simples principiantes, submissos pela força e a robustez dos teimosos lutado­res que são o Lahm, o Schweinsteiger, o Khedira e os demais das linhas recua­das e a velocidade e os primores técni­cos dos jogadores da linha avançada que, quando disparavam a correr, be­ben­do o vento, quais Pégasos impará­veis, não havia argentino que os segu­ras­se. Será o Maradona o único e o prin­cipal culpado, pela derrota? E será o Joachim Low a causa, excluindo ou­tras, do jogo triunfal da Alemanha, no dia 3 de Julho de 2010?

Entre informar e imbecilizar a dis­tân­cia é mínima e não se analisa o tra­balho global de uma equipa desportiva senão dentro do todo que ela é e do todo onde ela se insere. Os prodigiosos progressos da genética e da biologia molecular permitem-nos conceber os laços indestrutíveis entre a física, a química e a biologia, dado que é pela or­ga­nização, e não unicamente pela ma­té­ria, que a vida se distancia do mundo físico-químico. Por isso, diante do inê­xito do futebol português, no último Mun­dial, há que levantar a pergunta se­guinte: a Federação Portuguesa de Futebol preparou-se, problematizando-se e reorganizando-se, para o Mundial da África do Sul? E sabe o dr. Carlos Queirós que todo o progresso, ao nível do conhecimento, é inseparável da cons­ci­ência do erro? Onde errou ele e a sua equipa? O que mais me surpre­ende é, em plena consciência do fracas­so, predominar a tendência conserva­do­ra, no futebol português. Talvez por que o Futebol se destina, principalmen­te, a satisfazer as exigências do merca­do. A questão é pertinente: pode encon­trar-se num desporto absolutamente mer­cantilizado algum compromisso com a moral? É que não conheço um capita­lis­mo eticamente viável. Ora, é à luz de um futebol (repito-me) totalmente mercantilizado que é possível perce­pcio­nar, hoje, os usos que dele se fazem...


 

O Mercado é o novo fetiche

Por Frei Betto

Teólogo

 

O mercado é o novo fetiche religioso da sociedade em que vivemos. Antiga­mente, nossos avós consultavam a Bí­blia, a palavra de Deus, diante dos fa­ctos da vida. Nossos pais, o serviço de meteorologia: “Será que vai chover?”. Hoje, consulta-se o mercado: “O dólar desvalorizou? Subiu a Bolsa? Como os­cilou o mercado de capitais?”.

Diante de uma catástrofe, de um acontecimento inesperado, dizem os comentaristas económicos: “Vamos ver como o mercado re­age”. Fico imaginando um senhor, Mr. Mercado, tran­cado em seu castelo e gritando pelo celular: “Não gostei da fala do ministro, estou irado.” Na mesma hora os telejor­nais destacam: “O mercado não reagiu bem, frente ao discurso ministerial”.

Para as agências de publicidade, o mercado no Brasil compreende cerca de 40 milhões de consumidores. Neste país de 190 milhões de habitantes, uma minoria tem acesso aos bens su­pér­fluos. Os demais, só aos de necessi­dade indispensável.

O grande desafio das pessoas em idade produtiva, hoje, é: como se inse­rir no mercado. Devem ser competitivas, ter qualificação, disputar espaços. Sabem que o sistema recomenda não levarem a sério conotações éticas e encarar como quimérico um planea­men­to de inclusão das maiorias. O mercado é, agora, internacional, globaliza­do; move-se segundo suas próprias re­gras, e não de acordo com as necessi­dades humanas.

A crise da modernidade é, portanto, também a do racionalismo. No início da modernidade, principalmente na épo­ca dos iluministas, a religião era considerada superstição. Camponeses da Idade Média regavam seus campos com água benta, agradeciam aos pa­dres (que, diga-se de passagem, cobra­vam pela água benta) e depois louva­vam a Deus pela boa colheita. Até ao dia em que apareceu um senhor ofere­cendo a eles um pozinho preto, o adu­bo, que também custava dinheiro, mas não dependia da ira ou do agrado divi­no - bastava aplicá-lo à terra e aquilo facilitava a colheita.

O adubo funcionou melhor que a á­gua benta! Muitos camponeses perde­ram a fé, porque a concepção de Deus predominante na Idade Média era a de um Ser utilitário. (Por isso se costuma dizer, em teologia, que Deus não é nem supérfluo nem necessário; é gratuito, como todo amor).

 

Outrora falava-se em produção; quem tinha um capital, precisava inves­ti-lo, produzir. Hoje, fala-se em especu­lação. Dinheiro produz dinheiro. A ca­da dia, através de computadores, bili­ões de dólares rodam o planeta em bus­ca de melhores lucros. Passam da Bolsa de Singapura para a de Tóquio, desta para a de Buenos Aires, desta para a de São Paulo, desta para a de Nova York, e assim por diante. Agora, em Singapura, provavelmente estarão discutindo o que fazer com 6 biliões de dólares disponíveis no mercado.

Outrora, falava-se em marginaliza­ção. Alguém marginalizado no emprego ainda tinha esperança de voltar ao centro. Hoje, marginalização cedeu lu­gar a outro termo: exclusão. O ser humano excluído não tem esperança de volta, porque o neoliberalismo é in­trin­secamente excludente. A exclusão não é um problema para ele, tal como a marginalização era para o liberalis­mo: é parte da lógica de crescimento do sistema e da acumulação de ri­que­zas.

Antes, falava-se em Estado, o im­por­tan­te era fortalecer o Estado. Um ministro da ditadura militar chegou a declarar: “Vamos fazer crescer o bolo, depois haveremos de dividi-lo.” Só que o bolo cresceu, e o gato comeu, não se viu o resultado. Aqueles mesmos políticos que advogavam o crescimento do Estado defendem, hoje, a sua destruição, com o sofisticado lema da ‘privatização’.

Não sou radicalmente contrário à privatização, nem estatista. Há países ricos - como a França e o Reino Unido - nos quais os serviços públicos estatais funcionam muito bem. Não é por serem públicas que as empresas e os serviços devem operar negativamente. A histó­ria é outra: muitos políticos, que deve­ri­am ser homens públicos, estão priori­ta­riamente ligados a empresas priva­das, de maneira que não têm interesse em que as coisas públicas, estatais, funcionem bem. O maior exemplo disso é o serviço de saúde no Brasil. São 8 biliões de dólares circulando por ano nos planos privados de saúde, que aten­dem apenas 30 milhões de pesso­as numa população de 190 milhões. Por que o SUS haveria de funcio­nar bem? Outrora, alguém ficava doente e dava graças a Deus por conseguir um lugar no hospital. Hoje, as pessoas mor­rem de medo de ir para o hospital. Hospital virou antessala de cemitério.

A privatização não é só económica, é também filosófica, metafísica. Tem re­flexos na nossa subjetividade. Tam­bém nos tornamos seres cada vez mais pri­va­ti­za­dos, menos solidários, menos in­te­ressados nas causas colectivas e me­nos mobilizáveis para as grandes ques­tões. A privatização invade até mesmo o espaço da religião: proliferam as cren­ças ‘privatizantes’, que têm cone­xão directa com Deus. Isso é óptimo para quem considera que o próximo in­co­moda. É a privatização da fé, destituindo-a da sua dimensão social e política.

Enfim, hoje fala-se em globalização; óptimo que o planeta tenha se transfor­mado numa aldeia. O que preocupa é constatar que esse modelo é, de facto, a imposição ao planeta do paradigma anglo-saxônico. Melhor chamá-lo de globocolonização.


Copyright 2010 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrónico ou impresso, sem autorização do autor


 

Novo Livro do Apocalipse

Ou da Revelação

 

Como já sabem, o Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação, Edição Areias Vivas - Livro Póstumo - é o mais odiado e o mais silenciado de todos os meus livros, até agora editados. Talvez não saibam é que, inclusive, as principais livrarias do país, hoje, propriedade de multinacionais livreiras, se recusaram a vender o Livro. Tão insuportável é, para elas, a REVELAÇÃO que as 670 páginas do Livro proporcionam às pessoas. Reacção idêntica, teve o Livro do Apocalipse com que fecha a Bíblia. O Império - a Besta, no dizer do Apocalipse - não podia com semelhante Revelação, feita às populações subjugadas por ele, quando ele se apresentava como divino perante elas!

Neste momento, tenho ainda, como Autor, em minha mão, cerca de 200 exemplares, à espera de quem os adquira. Como o Livro já passou pela Feira do Livro, a Editora fixou o preço em 15 euros, em vez dos 19 euros iniciais. Façam-me as Vossas encomendas. E recomendem-no a outras pessoas. O dinheiro da venda é para o Barracão de Cultura, de AS FORMIGAS DE MACIEIRA. O Livro é tão oportuno, que eu, seu autor material, tenho um exemplar na Mesa da Cozinha, para "comer" diiariamente deste Pão, ao mesmo tempo que como do outro!...


 

Outras Cartas

 

Valha-me, Jeová!...

 

E-mail. Ancião Betto (Testemunhas de Jeová:

Quem está a escrever este e-mail é o próprio Ancião Beto, porque como nós conseguimos provar, você anda a mentir ás populações em todo o Portugal. Alugámos um livro, aliás, 2 livros seus, em que você mente muito bem! Maria de Nazaré e Chicote no Templo; alugámos no Palácio Gálveias em Lisboa.
O Padre Mário no livro Maria de Nazaré diz que Ela teve um filho virgem, e no Chicote no Templo você começa numas poucas págs. mais adiante assim... Bem serva e pobre, disposta a passar sempre pela Cruz, não será temida por nínguém, a não ser por quantos, com ela assim, não poderão levar facilmente por diante os seus sonhos de domínio sobre os outros. Ela não quer ser senhora do Mundo, muito menos arrebatar o Poder e derrubar os Governos constituidos. Ela somente quer servir os Homens, anunciando e dando testemunho da Verdade. Ela anuncia Jesus Cristo, principio e fim da História... Na verdade,a Igreja cre que Ele é Aquele a quem o Pai ressuscitou dos mortos, exaltou e colocou á sua direita,constítuindo-O Juiz dos vivos e dos mortos.
Ora bem, senhor Padre Mário, porque é que mentiu este tempo todo? Sempre disse que não haveria Segunda Vinda de Jesus, mas pelo livro em si não parece...
Outra, vocé diz que Cristo foi um nome que Jesus sempre combateu, mas também no livro não parece!! Este livro é de 1973 e você, já com 36-37 anos de idade, deveria saber mais até para o meio do livro você diz que no final da história haveríamos ter um encontro com Cristo, ou seja você entrelinhas quis e sabe que Jesus vai voltar sobre as nuvens do céu, não é senhor Padre Mário? Admita e não minta mais!!!!!

 

Resposta do Pe. Mário

Apetece-me começar por lhe dizer, com algum humor e alguma ironia fraternos: Valha-lhe Jeová. Embora não saiba como ele lhe há-de valer, se Jeová é mesmo nome de Terror!

Vejo, por este seu mail, que têm andado a esquadrinhar livros meus do passado. Concretamente dos anos 1971, 1972 e 1973, estava eu com 35, 36, 37 anos de idade. Hoje, já tenho 73 anos de idade. E até já publiquei em Outubro de 2009, o meu “livro póstumo”, à luz do qual, agora, têm de ser lidos e actualizados todos os outros meus livros anteriores. Uma acção que as Testemunhas de Jeová, para Vosso próprio mal e mal de quem se deixar “guiar” por Vocês, não são nada capazes de fazer, tão pouco sabem (pelo menos, é o que deixam transparecer, a começar por este seu mail) o que seja essa acção, própria do Espírito do Deus de Jesus. Já que Vocês, nem sequer na própria Bíblia, chegam a ver que há livros que “contradizem” outros, o que, longe de ser motivo de escândalo, é manifestamente salutar e diz-nos, de forma inequívoca, que a Revelação de Deus Criador sempre Acontece (está ainda a Acontecer!) de forma progressiva, não duma vez por todas, muito menos em forma de ditado. Não fosse progressiva, pelo contrário, fosse em forma de ditado de Deus-aos-seres-humanos, e teria bastado escrever apenas um livro com essa Revelação e, depois, reeditá-lo sucessivamente. Mas não. Também na Bíblia, os livros posteriores (na actual versão judeo-cristã, a Bíblia demorou 1000 anos a ser escrita!) “corrigem” os livros anteriores. E, livros há, em que, no mesmo livro, há duas ou mais versões misturadas; e a mais recente delas supera /“corrige” as versões mais antigas.

As diferenças que Vocês apontam entre certas afirmações ditas-escritas por mim, em 1971, 1972, 1973 e as que digo-escrevo no meu “livro póstumo”, por exemplo e nos meus vídeos no youtube, e vou dizer, ainda mais, nos dois livros que se seguirão ao “livro póstumo”, um a ser editado já por todo o mês de Outubro de 2010 e o outro, por Março-Abril de 2011, são todas diferenças salutares. Revelam que eu, felizmente, tenho sido capaz de evoluir, de crescer de dentro para fora, não sou um mero repetidor, nem sequer de mim próprio, como acontece com as Testemunhas de Jeová e outras instituições fanáticas e dogmáticas (Igreja Católica Romana, incluída!), com as quais a Vossa Congregação tanto se parece. Felizmente, tenho sido capaz de crescer (é próprio dos organismos vivos, já não é próprio das múmias), não só em anos, mas também em Sabedoria e, assim o espero, em Graça, isto é, em ENTREGA-DE-MIM-AOS-DEMAIS. Mas se até de Jesus se diz que ele cresceu assim… Se até de Jesus se diz que ele se deixou evangelizar pela mulher sírio-fenícia… Se até de Jesus se diz que ele cresceu na sua Fé em Deus Criador, Abba-Mãe de todos os povos por igual… Se até de Jesus se diz que a sua Fé só atingiu a plenitude, no momento derradeiro, já na Cruz, quando ele clama, “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”, sem que, entretanto, ninguém lhe tenha respondido, nem ninguém lhe tenha corrido a valer, muito menos a tirá-lo da cruz do Império, ao ponto dele, Jesus – assim no-lo testemunha cruamente o Evangelho de Marcos – acabar com um “grande grito”, e expirar, na mais completa Obscuridade… Então, o que não se terá de dizer de mim, seu aprendiz de discípulo?!

 

Oh, ancião Beto, para o que havia de lhe dar e às demais Testemunhas de Jeová! Escusava de se expor assim tanto ao ridículo. Mas, está visto, Vocês não têm mesmo emenda. E até querem obrigar Deus a ser o que Vocês afiançam que ele é. Veja que Vocês (e já estamos em finais da primeira década do Século XXI), ainda continuam, hoje, a ler a Bíblia (melhor, apenas aquelas partes dela que mais lhes convêm e aos Vossos interesses), de um modo totalmente literal, como se ela fosse um único livro ditado, e ditado duma vez por todas e para todo o sempre (lembre-se que a própria designação “Bíblia”, à letra, significa um conjunto de livros, escritos em sucessivas gerações, por pessoas muito distintas e em contextos sócio-políticos e económicos muito diversos). Desconhecem (pelo menos, é o que parece) que todo o Primeiro Testamento tem de ser “corrigido” /actualizado /interpretado pelo Segundo Testamento? Ou, com mais precisão ainda, tem de ser “corrigido” /actualizado /interpretado por Jesus, não apenas o Jesus da Missão histórica entre meados do ano 28 e Abril do ano 30, na Galileia e, depois na Judeia, onde acabou Crucificado na Cruz do Império, mas também por Jesus, o do nosso Século XXI e, mais lá para diante, o Jesus do Século XXII e, assim, sucessivamente? Desconhecem?! E, se não desconhecem, dizem-no abertamente? Alertam as demais pessoas, nos vossos frequentes encontros, realizados com elas de Bíblia na mão?

Pensava então que me incomodava, com essas e outras citações datadas. E que, desse modo, me desacreditava. Bem pelo contrário, ancião Beto. Com isso, só me credibiliza ainda mais. Porque eu próprio sei bem o que disse-escrevi nos anos anteriores e sei bem que o meu “livro póstumo” e os outros dois que se vão seguir, parecem contradizer-me, aqui e ali. Não me contradizem, ancião Beto! Revelam, para maior credibilidade de todo o meu ser-viver-actuar na História, que eu, ser humano concreto, aberto ao mesmo Espírito de Jesus, tenho sido capaz de crescer, de dentro para fora. Não sou uma múmia, muito menos, um repetidor, nem da Bíblia escrita, muito menos, do meu primeiro livro e dos outros que se lhe seguiram. Nem sequer sou repetidor do meu próprio “livro póstumo”, uma vez que, sem que eu saiba bem como, ainda me está ser dado viver na História, para lá da sua publicação. E não só viver. Também continuar a crescer em Sabedoria e em Graça. Igualmente, a crescer na mesma Fé de Jesus.

Por favor, ancião Beto. Deixe-se de andar a filtrar “mosquitos” nos livros dos outros, no caso, dos meus, em vez de se ocupar a tirar a trave dos seus olhos de Testemunha de Jeová e dos olhos dos seus “chefes” /guias maiores. Porque, assim, é cego e guia de cegos; assim, são cegos e guias de cegos. E, para cúmulo, ainda diz(em): Eu(Nós) vejo(vemos)! Lembre-se que apenas Jesus, também o do Século XXI, é a Verdade, o Caminho e a Vida. Mas, não se esqueça que, até Jesus, para o podermos escutar /seguir /praticar de forma sempre actualizada, só mesmo com a maiêutica ajuda do seu Espírito Santo. De contrário, até Jesus, o do Século I, nos pode “matar”, como toda a letra /prática, a da Bíblia /Evangelho incluída, mata, se por ela não estiver continuamente a PASSAR o mesmo Espirito de Jesus, Século XXI. E, amanhã, o mesmo Espírito de Jesus Século XXII e assim sucessivamente.

Fico por aqui, mas cada vez mais preocupado consigo e com todas as Testemunhas de Jeová, nome de Terror, como mais uma vez comprova este mail que se deu ao trabalho de me escrever e enviar. Seu,


 

PÁGINAS CENTRAIS / DOCUMENTO

Quatro reflexões assinadas pelo Teólogo L. Boff,

seguidas de um perplexo Comentário do Pe. Mário, Director do Jornal Fraternizar

Por que persiste a Igreja-Poder?

 

"Por que persiste a Igreja-Poder?" A pergunta, oportuna, é de L. Boff. Dá título ao último de quatro Textos que o conhe­cido teólogo brasileiro e amigo do Fraternizar escreveu sobre a Igreja e fez questão de partilhar também com o nosso  Jornal, o que vivamente agradecemos. O primeiro dos 4 Textos diz "Onde está a verdadeira Igreja"; o segundo, fala de "Um outro jeito de ser Igreja"; E o terceiro, apresenta-nos "Igreja: uma leitura teológica".

É, sobretudo, esta "leitura teológica" que deixa intrigado e, até, preocupado o Director do Jornal Fraternizar. Em consequência, as leitoras, os leitores do nosso Jornal encontrarão no final dos quatro Textos, um Comentário, da respon­sa­bilidade do Pe. Mário. Nele, percebere­mos uma leitura teológica outra, mais conforme à Tradição que vem directamente de Jesus e da Teolo­gia de Jesus, nos antípodas da Teologia oficial dos sacerdotes do Templo de Jerusa­lém e que - escândalo dos escân­dalos! - está na géne­se do (Judeo) Cristia­nis­mo, funda­men­to da Igreja do mítico Jesus-Cristo, a da Cúria Romana!

 

1 Onde está a verdadeira Igreja

 

A crise da pedofilia na Igreja romano-católica não é nada em comparação à ver­dadeira crise, essa sim, estrutural, crise que concerne à sua institucionalidade his­tórico-social.

Não me refiro à Igreja como comuni­da­de de fiéis. Esta continua viva, apesar da crise, organizando-se de forma comu­ni­tária e não piramidal, como a Igreja da Tra­dição. A questão é: que tipo de institui­ção representa esta comunidade de fé? Como se organiza? Actualmente, ela com­pa­re­ce como defasada da cultura contemporânea e em forte contradição com o sonho de Jesus, percebida pelas comunidades que se acostumaram a ler os envangelhos em grupos e estão a fazer as suas analises.

Dito de forma breve, mas não cari­cata: a instituição-Igreja sustenta-se sobre duas formas de poder: um secu­lar, organizativo, jurídico e hierárquico, herdado do Império Romano e outro es­pi­ritual, assentado sobre a teologia política de Santo Agostinho acerca da Cidade de Deus, que ele identifica com a instituição-Igreja.

Em sua montagem concreta, não é tanto o Evangelho ou a fé cristã que con­tam, mas estes poderes, considera­dos como um único “poder sagrado” (po­testas sacra) também na forma de sua plenitude (plenitudo potestatis), no estilo imperial romano da monarquia absolutista.

César detinha todo o poder: polí­ti­co, militar, jurídico e religioso. O Papa, semelhantemente, detém igual poder: “ordinário, supremo, pleno, imediato e uni­versal” (canon 331), atributos só ca­bí­veis a Deus. O Papa institucional­men­te é um César baptizado.

Esse poder que estrutura a insti­tui­ção-Igreja foi-se constituindo a partir do ano 325 com Imperador Constantino e oficialmente instaurado em 392, quan­do Teodósio, o Grande (+395) impôs o cristianismo como a única religião de Estado. A instituição-Igreja assumiu es­se poder com todos os títulos, honrarias e hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje, no estilo de vida dos bis­pos, cardeais e papas.

Esse poder ganhou, com o tempo, formas cada vez mais totalitárias e até tirânicas, especialmente a partir do Papa Gregório VII que, em 1075, se auto-proclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo.

Radicalizando, Inocêncio III (+1216) apresentou-se não apenas co­mo sucessor de Pedro, mas como re­pre­sentante de Cristo. Seu sucessor, Inocêncio IV(+1254), deu o último passo e anunciou-se como representante de Deus e, por isso, senhor universal da Terra que podia distribuir porções dela a quem quisesse, como depois foi feito aos reis de Espanha e Portugual, no século XVI. Só faltava proclamar o Papa infalível, o que ocorreu, sob Pio IX, em 1870. O circulo se fechou.

Ora, este tipo de instituição en­contra-se hoje num profundo processo de erosão. Depois de mais de 40 anos de continudado estudo e meditação sobre a Igreja (meu campo de especiali­za­ção) suspeito que chegou o momento crucial para ela: ou corajosamente mu­da e, assim, encontra seu lugar no mun­do moderno e metaboliza o processo acelerado de globalização e aí terá muito a dizer, ou se condena a ser uma seita ocidental, cada vez mais irrelevante e esvaziada de fiéis.

O procjeto actual de Bento XVI de “reconquista” da visibilidade da Igreja contra o mundo secular é fadado ao fra­casso, se não proceder a uma mundan­ça institucional. As pessoas de hoje não aceitam mais uma Igreja autoritária e triste, como se fosse ao próprio enter­ro. Mas estão abertas à saga de Jesus, ao seu sonho e aos valores evangé­licos.

Esse crescendo na vontade de po­der, imaginado ilusoriamente vindo di­re­ctamente de Cristo, impede qualquer reforma da instituição-Igreja, pois tudo nela seria divino e intocável. Realiza-se plenamente a lógica do poder, des­crita por Hobbes em seu Levitã: “o po­der quer sempre mais poder, porque não se pode garantir o poder senão buscando mais e mais poder”. Uma insti­tuição-Igreja que busca assim um poder absoluto fecha as portas ao amor e se distancia dos sem-poder, dos pobres. A instituição perde o rosto humano e faz-se insensível aos problemas exis­ten­ciais, como da família e da sexualidade.

O Concílio Vaticano II (1965) pro­cu­rou curar este desvio pelos conceitos de Povo de Deus, de comunhão e de go­verno colegial. Mas o intento foi abor­tado por João Paulo II e Bento XVI que voltaram a insistir no centralismo romano, agravando a crise.

O que um dia foi construído pode ser num outro, deconstruido. A fé cristã possui força intrínseca de, nesta fase planetária, encontrar uma forma institu­cional mais adequada ao sonho de seu Fundador e mais consentânea ao nos­so tempo.

 

2 Um outro jeito de ser Igreja

 

Quem leu meu último texto – Onde está a verdadeira crise da Igreja – poderá ter ficado desesperançado. Aí analisei a estrutura de poder da Igreja, centralizada, piramidal, absolutista e monárquica. Este tipo de poder não fa­vorece o ideal evangélico de igualdade, de fraternidade e a participação dos fi­éis. Antes fecha as portas à partici­pação e ao amor. É que esse tipo de poder, por sua natureza, precisa ser forte e frio.

O modelo de Igreja-poder  apre­sen­ta-se como a Igreja tout court, pior ainda, como querida por Cristo, quan­do, como mostrei, surgiu historicamente e é apenas sua instância de animação e direcção, perfazendo menos de 0,1% de todos os fiéis. Portanto, não é toda a Igreja, apenas uma parte mínima dela.

Mas a Igreja-comunidade, como fe­nó­meno religioso e movimento de Je­sus, é muito mais que a instituição. Ela encontra outras formas de organização, bem mais próximas ao sonho do Funda­dor e de seus primeiros seguidores.

Inteligentemente, os bispos brasi­lei­ros, em sua reunião anual, de 4-13 de janeiro do corrente ano, em Brasilia con­fessaram: “só uma Igreja com diferentes jeitos de viver a mesma fé será capaz de dialogar relevantemente com a sociedade contemporânea”.

Com isso eles quebraram a preten­são de um único modo de ser, aquele da Tradição do poder. Sem negar este, há muitos outros jeitos: o jeito da Igreja da libertação, dos carismáticos, dos re­ligiosos e religiosas, da acção católica, até da Opus Dei, da Comunhão e Liber­tação e da Canção Nova, só para dizer as mais conhecidas.

Mas há um jeito que é todo espe­cial e altamente promissor, nascido nos anos 50 do século passado no Brasil, e que ganhou relevância mundial, pois foi assimilado em muitos países: as Co­munidades Eclesiais de Base (CEBs). Os bispos dedicaram-lhe uma anima­dora “Mensagem ao Povo de Deus sobre as CEBs”.

Curiosamente, elas surgiram no momento em que eclodiu no Brasil uma nova consciência histórica. Na so­ciedade: o sujeito popular, ansiando por mais participação política; e na Igre­ja: o sujeito eclesial, ansiando tambem por mais participação e corresponsabili­dade eclesial.

As CEBs constituem um outro modo de ser Igreja, cujo sujeito principal, mas não exclusivo, são os pobres. Seu estilo é comunitário, participativo e inserido na cultura local. Os serviços são rotativos e a escolha, democrática. Arti­culam continuamente fé e vida, activos no campo religioso, criando novos ser­viços e ritos, e activos no campo social ou político, nos sindicatos, nos movi­mentos sociais como no MST [Movi­mento dos Sem-Terra], ou nos partidos populares.

Não sabemos exactamente quantas são, mas calcula-se que cheguem a cem mil comunidades de base, envolvendo alguns milhões de cristãos. Os bispos constatam seu alto valor inovador e anti-sistémico.

O mercado expulsou as relações de cooperação e solidariedade enqu­an­to nas CEBs se vive as relações fun­da­das na gratuidade, na lógica do oferecer-receber-retribuir.

Elas assumiram a causa ecológica, por isso, se entendem também como CEBs = comunidades ecológicas de ba­se. Desenvolveram uma forte espiritua­lidade do cuidado para com a vida e para com a Mãe Terra. Dai resultou mais respeito, veneração e cooperação com tudo o que existe e vive.

As CEBs mostram como a memória sagrada de Jesus pode receber outra configuração social, centrada na comu­nhão, no amor fraterno e na alegria de testemunhar a vitória da vida contra as opressões. É o significado existen­cial da ressurreição de Jesus como insurreição contra o tipo de mundo vigente.

Humildemente os bispos testemu­nham que elas ajudam a Igreja a estar mais comprometida com a vida e com o sofrimento dos pobres. Mais ainda: interpelam a Igreja inteira, chamando-a à conversão, ao compromisso para a transformação do mundo em mundo de irmãos e irmãs.

Esse modo de ser Igreja pode ser­vir de modelo para a inserção na cultu­ra contemporânea, urbana e globaliza­da. Se fosse assumido como inspiração para o projecto do Papa Bento XVI de “reconquistar” a Europa, seguramente teria algum sucesso.

Ver-se-iam comunidades de cris­tãos, intelectuais, operários, mulheres, jovens, vivendo sua fé em articulação com os desafios de suas situações. Não pretenderiam ter o monopólio da ver­dade e do caminho certo. Mas se asso­ciariam a todos os que buscam seria­mente uma nova linguagem religiosa e um novo horizonte de esperança para a Humanidade.

 

3 Igreja: Uma leitura teológica

 

Nos dois textos anteriores reflec­timos sobre uma questão particular, a do poder na Igreja, centralizado no clero e no Papa, de cariz absolutista. Alguns ficaram chocados, mas a verda­de é essa mesma.

Agora cabe uma reflexão geral, de cu­nho teológico, quer dizer: considerar as realidades divinas subjacentes à Igre­ja, entendida como comunidade que se forma a partir da fé em Jesus como Filho de Deus e Salvador univer­sal.

Notoriamente, a intenção primeira de Jesus não foi a Igreja, mas o Reino de Deus, aquela utopia radical de com­pleta libertação. Tanto assim, que os evangelistas Lucas, Marcos e João se­quer conhecem a palavra Igreja. É so­mente Mateus que fala três ve­zes de Igreja.

Mas não se realizando o Reino, de­vido a execução judicial de Jesus, foi a Igreja que entrou em seu lugar. O No­vo Testamento transmite-nos três formas diferentes de organizar a Igre­ja: a sinagogal, de São Mateus; a caris­mática, de São Paulo; e a hierárquica, dos discípulos de Paulo: Timóteo e Tito. Foi esta que prevaleceu.

Antes de mais nada, a Igreja define-se como comunidade de fiéis. Enquanto comunidade, ela sente-se ancorada no Deus cristão que também é comunida­de de Pai, Filho e Espírito Santo. Isto si­gnifica que a comunidade é anterior às instâncias de poder, cujo lugar é no meio dela, como serviço de anima­ção e de coesão. O amor e a comunhão, essência da Trindade, são também a es­sência teológica da Igreja.

Esta comunidade sustenta-se so­bre duas colunas: Jesus Cristo e o Espí­rito Santo. Jesus aparece sob duas fi­gu­ras: a do homem de Nazaré, pobre, profeta ambulante, que pregou o Reino de Deus (em oposição ao Reino de Cé­sar) e que acabou na cruz; e sob a figura do ressuscitado, que ganhou di­mensão cósmica, estando presente na matéria, na evolução e na comunidade, co­mo antecipação do homem novo e do fim bom do universo.

A segunda coluna é o Espírito San­to. Ele estava presente no acto da cria­ção do cosmos, sempre acompanha a humanidade e cada pessoa e chega an­tes do missionário. É ele que suscita a espiritualidade: a vivência do amor, do perdão, da solidariedade, da com­pai­xão e da abertura a Deus. Na Igreja ele mantém vivo o legado de Jesus e é responsável por sua contínua actua­liza­ção com carismas, pensamentos cri­a­tivos, ritos e linguagens inovadoras.

Santo Ireneu(+200) disse bem: Cristo e o Espírito são as duas mãos do Pai com as quais nos alcança e nos salva.

Cristo, por ser a encarnação do Fi­lho, representa o lado mais perma­nen­te da Igreja, seu carácter institucional. O Espírito, o lado mais criativo, seu carátcer dinâmico. A Igreja viva é simulta­nea­mente algo estruturado, mas também algo mutante, como as inovações que fogem ao controlo da instituição.

Diz-se também que a Igreja concre­ta, como comunidade e como movimen­to de Jesus, possui duas dimensões: a petrina e a paulina. A petrina (de São Pedro = Papa), é o princípio da Tradi­ção e da continuidade. A dimensão pau­lina (de São Paulo), representa o mo­mento de ruptura, a criatividade. Paulo deixou o solo judaico e partiu para a in­culturação no mundo helénico. Pedro, é a organização; Paulo, a criação.

Pedro e Paulo encontram-se uni­dos na figura do Papa, herdeiro e guar­dião das duas vertentes, simbolizadas pelos túmulos dos dois apóstolos em Ro­ma. Ambas se pertencem mutua­men­te.

Mas, nos últimos séculos, predomi­nou a dimensão petrina, quase afogan­do a paulina. Tal desequilíbrio deu origem a uma organização eclesiástica centralista, com o poder em poucas mãos, conservadora e resistente ao novo, seja ele vindo do interior da Igre­ja mesma, seja da sociedade. O actual Papa é quase exclusivamente petrino, avesso a toda modernidade.

Hoje impõe-se recuperar o equilí­brio eclesiológico perdido. A Igreja de­ve manter a herança intacta de Jesus (Pedro) e, ao mesmo tempo, renovar as formas de sua realização no mundo (Paulo). Só assim supera seu conserva­do­rismo e mostra sua criatividade na comunicação com os contemporâneos. Ela não pode ser fonte de águas mor­tas, mas de águas vivas.

 

4 Por que persiste a Igreja-Poder?

 

Vou abordar um tema incómodo mas incontornável: como pode a insti­tuição-Igreja, como a descrevi num tex­to anterior, com características autoritárias, absolutistas e excludentes, perpetuar-se na história?

A ideologia dominante responde: “só porque é divina”. Na verdade, este exercício de poder não tem nada de divino. Era o que Jesus exactamente não queria. Ele queria a hierodulia (sa­grado serviço) e não a hierarquia (sa­grado poder). Mas esta se impôs, atra­vés dos tempos.

Instituições autoritárias possuem uma mesma lógica de autoreprodução. Não é diferente com a Igreja-instituição.

Em primeiro lugar, ela julga-se a única verdadeira e tira o título de “igreja” a todas as demais. Em seguida, cria-se um rigoroso enquadramento: um pensamento único, uma única dog­má­tica, um único catecismo, um único direito canónico, uma única forma de liturgia. Não se tolera a crítica, nem a cri­atividade, vistas como negação ou de­nunciadas como criadoras de uma Igreja paralela ou de um outro magistério.

Em segundo lugar, usa-se a violência simbólica do controlo, da repressão e da punição, não raro à cus­ta dos direitos humanos. Facilmente, o questionador é marginalizado, nega-se-lhe o direito de pregar, de escrever e de actuar na comunidade.

O então Card. Joseph Ratzinger, Presidente da Congregação para a Dou­trina da Fé, em seu mandato, puniu mais de cem teólogos. Nesta mesma lógica, pecados e crimes dos sacerdo­tes pedófilos ou outros delitos, como os financeiros, são mantidos ocultos, para não prejudicar o bom nome da Igre­ja, sem o menor sentido de justiça para com as vítimas inocentes.

Em terceiro lugar, mitificam-se e quase idolatram-se as autoridades eclesiásticas principalmente o Papa que é o “doce Cristo na Terra”.

Penso eu lá com meus botões: que doce Cristo representava o Papa Sérgio (904), assassino de seus dois predeces­sores, ou o Papa João XII (955), eleito com a idade de 20 anos, adúltero e mor­to pelo marido traído; ou, pior, o Papa Bento IX (1033), eleito com 15 anos de idade, um dos mais criminosos e indignos da história do papado, che­gando a vender a dignidade papal por 1000 liras de prata?

Em quarto lugar, canonizam-se figuras cujas virtudes se enquadram no Sistema, como a obediência cega, a contínua exaltação das autoridades e o “sentir com a Igreja (hierarquia)”, bem no estilo fascista, segundo o qual “o chefe (o ducce, o Führer) sempre tem razão”.

Em quinto lugar, há pessoas e cristãos com natureza autoritária que, acima de tudo, apreciam a ordem, a lei e o princípio de autoridade em detri­mento da lógica complexa da vida que tem surpresas e exige tolerância e ada­ptações.

Estes secundam esse tipo de Igre­ja, bem como regimes políticos autoritá­rios e ditatoriais. Aliás, há uma estreita afinidade entre os regimes ditatoriais e a Igreja-poder, como se viu com os di­tadores Franco, Salazar, Mussolini, Pi­nochet e outros. Padres conservado­res são facilmente feitos bispos e bispos fidelissimos a Roma são promovidos, fomentando a subserviência.

Esse blo­co histórico-social-reli­gioso cristalizou-se e garantiu a con­tinuidade a este tipo de Igreja.

Em sexto lugar, a Igreja-po­der sabe do valor dos ritos e símbo­los, pois reforçam identidades conser­va­doras, pouco zelando por seus con­teúdos, contanto que sejam mantidos inalteráveis e estritamente observa­dos.

Em razão desta rigidez dogmática e canónica, a Igreja-instituição não é vivida como lar espiritual. Muitos emi­gram. Dizem sim ao Cristianismo e não à Igreja-poder, com a qual não se iden­tificam. Dão-se conta das distorções feitas à herança de Jesus que pregou a liberdade e exaltou o amor incondicional.

Não obstante estas patologias, pos­suimos figuras, como o Papa João XXIII, Dom Helder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Luiz Flávio Cappio e outros, que não reproduzem o estilo autoritário, nem se apresentam como au­toridades eclesiásticas, mas como pastores no meio do Povo de Deus.

Apesar destas contradições, há um mérito que importa reconhecer: esse tipo autoritário de Igreja nunca deixou de nos legar os evangelhos, mesmo negando-os na prática e, assim, permi­tin­do-nos o acesso à mensagem revo­lu­cionária do Nazareno. Ela prega a libertação, mas geralmente são outros que libertam.


Comentário do Pe. Mário, Director do JF

Nunca no-lo disseram. Provavelmente, nunca no-lo dirão; muito menos, o admitirão. Mas tem que ser dito. O chamado Cristianismo mais não é do que Judeo-Cristianismo. Tem tu­do a ver com o mítico Cristo /Messias da casa real de Da­vid /Salomão e o seu projecto de Poder Político de domínio sobre todos os povos da Terra. Com Deus por Rei universal! Para isso, é que o Judaísmo sempre se reclamou de "Povo eleito"! Só que o Cristianismo não tem nada a ver com Jesus, o Judeu camponês-carpinteiro, o filho de Maria, que, entre meados do ano 28 e Abril do ano 30, protagonizou, na sua Fragilidade Humana Desarma­da, a maior Revolução Antro­pológico-Teológica da História da Humanidade. Nem com o seu Projecto Político Maiêutico do Reino /Reinado de Deus contra todos os Impérios, Juda­ís­mo incluído. Por causa dis­so, é que o Jesus é assas­sinado na Cruz do Império Romano, a exigência dos sumos-sacerdo­tes, do Sinédrio e dos teó­logos-ideólogos oficiais do Judaís­mo da Lei de Moisés. A Morte na Cruz do Império não foi ca­sual. Foi opcional. Era preciso que aquele Judeu cam­ponês-carpinteiro, o filho de Maria, nascido em Nazaré, nunca mais despertasse a atenção de alguém, em povo al­gum do Mundo. Muito menos a sua Revolução Antropológico-Teológica, em forma de Movimento Político Maiêutico. Tão pouco se chegasse a saber que ele algum dia existiu. Não bas­tava matá-lo. À traição, ou à pedra­da. Podia fazer dele um mártir, uma Testemunha qualificada de Deus Criador, seu e nosso Abbá-Mãe que nunca ninguém viu, nem verá, mas que se nos dá a conhecer definitivamente em Jesus, o Camponês-carpinteiro, o filho de Maria, concre­ta­men­te, no seu Ser-Viver-Actuar laico, entre meados do ano 28 e Abril do ano 30. Era, pois, imperioso matá-lo na Cruz do Império de Roma. Porque, ass­im, não só não se fa­zia dele um Mártir qualificado, melhor, o Mártir (= Teste­munha) por antonomá­sia de Deus Criador Abbá-Mãe de todos os Povos por igual, como, até, se fazia dele o Maldito dos malditos. Cujo nome nunca mais seria pronunciado, nem por Judeus, nem por não-Judeus. O Deuteronómio é claro: "Mal­dito o Homem que morre na Cruz". Palavra de Deus!!!

Os opositores de Jesus, depressa convertidos em seus inimigos de morte, grupo dos Doze incluído, sabem bem o que fazem, quando agem assim. E tudo foi consumado. Até ho­je. O Cristianismo nasceu, algum tempo depois da Morte Crucificada de Jesus. Como uma nova tendência dentro do Judaísmo. Foi em Antioquia que, pela primeira vez, alguns Judeus e filo-Judeus, foram chamados "cristãos". É esta nova tendência, inicialmente, tolerada e até difundida dentro do Juda­ís­mo ortodoxo, que veio a impor-se contra Jesus e o seu Mo­vimento Maiêutico. Sobretu­do, entre os Judeus da Diás­po­ra. Graças ao incansável ministério de Saulo /Paulo, o fariseu fanático que, primeiro, não podia ouvir falar da exist­­­ência de compatrícios seus que diziam que o "Messias" ou "Cristo" por que todos os Ju­deus esperavam por aqueles dias, já havia chegado. Tor­nou-se, até, no seu principal per­­se­guidor. Porém, após a morte, por apedrejamento, de Estêvão, sob a sua respon­sa­bilidade, depressa veio a acei­tar esse Messias ou Cristo que tão furiosamente havia co­meçado por perseguir. Bas­tou-lhe saber que ele já era tido e anunciado como o Messi­as Vencedor da Morte, o último inimigo, em seu entender, a ter de ser vencido. Ade­riu, en­tão, a esta crença /mito e tor­nou-se no seu grande pala­dino, particularmente, entre os Judeus da Diáspora. Por sinal, sem grande sucesso, depois de três sucessivas viagens, realizadas quase sempre em condições penosas, ainda que atenuadas, aqui e ali, uma vez que ele, Judeu de Tarso, era também cidadão ro­ma­no, um título que invo­ca­va, sempre que a sua vi­da corria perigo. Ao ponto de, nu­ma dessas ocasiões, ter apelado para César de Roma e ter conseguido o seu intento. Um comportamento, como se vê a olho nu, total­mente nos antípodas do comporta­men­to do Judeu Jesus, o camponês-carpinteiro, o filho de Ma­ria que nunca soube nada de Privilégios e combateu-os a todos. Até ao sangue.

Por isso, a minha perplexidade, perante estes 4 Textos do meu amigo teólogo L. Boff. A Teologia /Cristologia que lhes subjaz e o modelo de Igreja romana que dela decorre e nela se fundamenta são, uma e outro, do mítico Cristo, ou Jesus-Cristo. Não são nada de Jesus. São do mítico Cristo /Messias Vencedor que Jesus sempre recusou ser e nunca foi, mas que o grupo dos Doze, liderado por Pedro, algum tempo de depois da Morte Crucificada de Jesus, conseguiu impor, em parceria com os familiares de Jesus, liderados por Tiago, irmão de Jesus. Quando antes, até à Morte Crucificada de Jesus, tanto o grupo dos Doze, como os familiares, mãe incluída, sempre foram contra Jesus e o seu Ser-Viver-Actuar entre meados do ano 28 e Abril do ano 30. Porém, pouco depois da Morte Crucificada de Jesus, lá estão, uns e outros, na sala de cima, em Jeru­sa­lém, a disputar o Poder, como tão gritantemente denuncia, nos seus 28 capítulos, o II volume do Evangelho de Lucas, er­­ra­­da­men­te chamado Actos dos Apóstolos! Mas quem, até hoje, quis saber desta denúncia? E não só este II volume. Todos os quatro Evangelhos canónicos, escritos na clandes­ti­ni­da­de, aí estão a desmascarar, à saciedade, este perverso desvio de Jesus e do seu Projecto Político Maiêutico! Abra­mos os olhos! E, finalmente, sejamos das, dos Jesus!



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